segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Refletindo Umberto Eco

Lendo um escrito de Umberto Eco: "Isto me parece muito instrutivo e muito poético e torna o universo da fantasia, onde para criar histórias imaginamos mundos, mais próximo do universo da realidade, onde para entender o mundo criamos histórias". Imaginação, histórias, entendimento. Esse elegante trecho traz à tona o que Moreno chamava de Brecha da fantasia e realidade. Brecha aí no sentido de fosso, algo que separa, fenda. Gap em inglês. Algo que é cavado ao longo do desenvolvimento da criança. Num primeiro momento os dois polos estão juntos e misturados. Num outro momento estão tão separados que talvez em uma mesma pessoa já não se consiga perceber (ainda que exista!) o outro lado da fenda, da brecha. O primeiro momento é a infância em seus inícios. Esse segundo momento já é o ser humano todo realidade ou o ser humano todo fantasia. O que o Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama, enfim o que a Socionomia faz, é construir uma ponte de mão dupla sobre essa fenda. That's all, folks.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Respeito é mais do que bom. É vital.

Respeito. Palavra que revela um conceito fundamental da vida em sociedade. O que nos diz a etimologia da palavra? Respeito provém do latim Re (outra vez) + spectare (olhar). Respeitar, é assim, permitir um segundo olhar. Não permanecer com apenas o primeiro olhar. Como se o primeiro olhar fosse o olhar impulsivo, o olhar inteiramente pessoal. É como se permitir um segundo olhar fosse admitir uma segunda opinião, uma outra opinião. Respeitar alguma opinião, atitude, pessoa,a própria dor, é se permitir  um segundo olhar além do olhar habitual e já conhecido. Em Psicodrama dizemos que manter-se congelado, rígido em uma visão de mundo seria uma postura, uma atitude, um olhar conservado, cristalizado. Desrespeitar, não respeitar, seria desse modo, manter uma visão cristalizada, inabalavelmente rígido e inflexível. Todo o empenho de uma dramatização leva a percepção de novos olhares sobre coisas antigas ou diferentes olhares sobre coisas novas. Admitir, experimentar um outro ou outros possíveis olhares pode, tem a possibilidade, de  descristalizar, desconstruir o não respeito favorecendo o desenvolver do respeito.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

E as cebolas?

Uma imagem de uma simples cebola. Começamos a retirar camada após camada e aproveitamos cada uma delas e as comemos. Tiramos e tiramos. Até não mais haver cebola. Ela é a superposição de inúmeras camadas. E apenas isto. Não tem um centro oculto e primordial. A cebola são as camadas. As camadas não são parte da cebola. São a cebola. Em Psicodrama, em Socionomia, Moreno diz serem os papéis a parte tangível do Eu. Tangível é aquilo que toca. Uma tangente em Geometria é a reta que toca a circunferência em um único ponto. Papéis são a parte tangível do Eu. São a parte do Eu que tocam a experiência relacional. A experiência interior é acessada pela expressão dela na relação entre papéis. Socionomia, Psicodrama, são relacionais. Ao Psicodrama interessa o que acontece entre as pessoas, diz Moreno. Uma cebola será maior ou menor pela quantidade de camadas dela. Um ser humano quanto mais papéis desenvolver se traduz numa vida relacional mais rica. Com um pequeno esforço imaginativo, visualizemos a analogia: cebola, camadas, papéis socionômicos. Psicodrama, Sociodrama, Teatro Espontâneo, Socionomia.

domingo, 22 de outubro de 2017

Gelo e água

Gelo  é água, mas também é diferente de água. Gelo é água cristalizada. Água líquida flui facilmente, sempre procura um caminho mais fácil ou possível para escorrer,  se amolda aos obstáculos, contorna-os, passa por cima, torna-se irresistível quando é bloqueada. Assim é a água em sua forma líquida. Quando se congela adquire forma, e essa forma é a do recipiente em que está. Imóvel, rígida, dura, quebradiça por isso. Assim é a água em sua forma sólida, cristalizada. Para o Psicodrama, para a Socionomia, os papéis que atuamos na vida quanto mais fluidos e flexíveis mais perto do saudável. Quanto mais rígidos, mais cristalizados, mais assemelhados ao gelo, água sólida, menos saudáveis. A Espontaneidade é fluida, é líquida, é água líquida.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Temos nosso próprio tempo

Cada tempo tem o seu próprio olhar. E em cada tempo o olhar é o olhar do presente. Quando olhamos para trás ou para frente, para o passado ou para o futuro, levamos conosco o nosso olhar do presente. Olhar o nosso passado conservando o olhar do presente é como começar a ler uma história de suspense já conhecendo o final. Todas as ações parecem ou irrelevantes ou idiotas  ou absurdas ou mágicas. O mesmo acontece ao olharmos para o futuro com olhos de  presente. Levaremos a nossa visão impedindo ou dificultando a imaginação de criar algo novo. Por isto, ao dramatizarmos, aquecemos o protagonista e os egos auxiliares a usarem sempre e sempre o tempo presente, para enraizá-los no aqui e agora. Vivendo o presente daquele tempo criado e recriado no palco, em cena. Tudo está acontecendo, não apenas aconteceu ou acontecerá. Tudo no palco é presente, o tempo presente da cena.

domingo, 15 de outubro de 2017

Palco

O palco é um de nossos instrumentos. Mas o palco é mais do que um tablado. É mais do que isto. Bem mais. E nem precisa ser um tablado. Basta um espaço delimitado. E que para todos ali presentes seja reconhecido como palco. O palco é o espaço concretizado da fantasia, o espaço da imaginação criadora. Fora do palco é o locus da realidade, do que é. Dentro do palco é o locus da realidade do como se. Assim, entrar e sair do palco equivale a transitar entre realidade e fantasia, assumindo-as duas faces da mesma moeda, a do que é e a do como se. E só assim podemos entender a potência do uso da técnica do espelho. Sair do palco onde está sendo protagonista, ir para o domínio do real e ver um ego auxiliar fazendo seu espelho, ver-se atuando na fantasia, tendo um tempo para refletir e decidir os possíveis novos caminhos ou ver-se com a visão que os outros o veem, voltar para o palco reassumindo seu papel protagônico já agora enriquecido dessa experiência. Isto é o espelho. Em outros momentos, ainda que tomado pelo aquecimento e pela espontaneidade, perceber os limites impostos pela realidade do cenário dentro da realidade suplementar da cena. Se há uma parede na construção do cenário imaginário não se pode atravessá-la impunemente. Pode-se, reconhecendo a existência da parede imaginária, transformar-se magicamente e atravessá-la então. Sair e entrar do palco é tomar a direção de sua fantasia e deixá-la fecundar a realidade e, ao mesmo tempo, deixar a realidade factual colocar limites à fantasia. É experimentar estar sempre com os pés dentro e fora, fora e dentro, podendo circular entre os dois mundos, sem cristalizar-se na esterilidade da realidade ou na impulsividade do espontaneísmo. 

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Tele, outra vez.

O grande desafio, penso eu, de quem pratica o Psicodrama é, a todo tempo estar atento ao núcleo da Socionomia Moreniana. O Homem é um ser em relação. Pensar relacionalmente não faz parte dos hábitos mentais. Geralmente nos pensamos como agentes independentes de nossa vida, sem considerar nem levar em conta como quem me relaciono. E isto no meio psicodramático ganha alguns aspectos curiosos. Por exemplo,  o conceito de TELE. Tele é relacional, algo que acontece no palco de uma relação. Na vigência de uma relação entre dois papéis pode haver um reconhecimento mútuo de sinais afetivos iguais, contrários ou indiferentes. Mas MÚTUOS. Quando isto acontece, aquele aqui agora relacional é Télico. Se porventura, esse reconhecimento não é mútuo ele é dito como uma relação Não-Télica. Com tudo isto que faz parte de nosso arsenal de conhecimentos Socionômicos, ainda assim ouvimos psicodramistas falando de tele como um atributo que alguns possuem e outros não, como alguém tendo mais ou menos tele.  Tele não é um atributo individual. Tele é um atributo de uma relação entre dois papéis.

domingo, 8 de outubro de 2017

Tele, empatia

Em Socionomia (Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama) há um conceito central que não é fácil para ser compreendido e utilizado. Tele. Essa palavra em Moreno enunciava o conceito de empatia em mão dupla. Em Fenomenologia, empatia é uma ação de procurar apreender a visão de mundo do outro colocando-se em seu lugar, sentindo (pathos) o fenômeno de dentro (em) do outro. Em Moreno, como a base, o fundamento de seu método é o Homem é um ser relacional, ele avança no conceito de empatia original acrescentando a bilateralidade do ato. O Psicodramista e o o paciente se percebem mutuamente. Esse reconhecimento Moreniano que a relação psicoterápica é de mão dupla cobrou a criação desse neologismo, TELE. Em toda relação, terapêutica ou não, temos que considerar que os envolvidos podem ter múltiplas combinações de percepções mútuas. Eu e você podemos nos perceber, amando ou odiando ou indiferente, com o mesmo sinal, a mesma visão. Isto seria uma relação Télica. Existe mutualidade nessa relação. Mas, se, alguém ama e sente que o outro o ama, mas na percepção, no sentimento do outro existe indiferença ou ódio, seria uma relação Não-Télica. Seria uma relação em que os projetos dramáticos de ambos não coincidem. É como se fossem dois atores em um mesmo palco, em que um atua uma tragédia e o outro uma comédia. Em uma relação Télica os dois atuam no mesmo palco, ou atuando na mesma peça ou reconhecendo que apenas dividem o palco, mas não estão na mesma peça, ou estão na mesma peça como inimigos ou indiferentes. Tele representaria, a grosso modo, a honestidade e transparência das relações.  Utópico? Possível?

terça-feira, 3 de outubro de 2017

amador, profissional

Andei pensando sobre amador e profissional. Em geral, o consenso é que profissional é aquele que cobra remuneração e amador o que faz por amor à arte. Curioso. É como se fossem coisas antípodas, impossíveis de conviver na mesma pessoa. Como ao se profissionalizar já não mais importasse amar o que se faz. Não é assim que penso. Profissional, para mim, é quem professa um compromisso de atendimento. Qualquer que seja ele. Compromisso ético. Isto é um profissional. E para se ter um compromisso ético com a atividade realizada penso ser fundamental ter amor à sua arte. Um profissional pleno é um amador de sua atividade. A remuneração de um vero profissional não é necessariamente grana: a estética do bem feito é que é o seu verdadeiro pagamento.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...