sábado, 19 de fevereiro de 2022

seriedades

Mais uma vez aprendendo com pacientes. Em um momento, veio à tona a palavra seriedade. aplicada  ao exercício da atividade profissional. "Sou um profissional sério". E aí me veio um questionamento/reflexão. "O que ele está definindo como sério?". Poderia ser  sério no sentido de comprometido e responsável ou poderia ser sério como sinônimo de sisudez, de "não brincar em serviço?". Lembro-me de uma capa da revista Chico Bento de Mauricio de Sousa (Ela está plastificada e anda comigo!). Não sei se conseguirei formar a imagem com as minhas palavras. Na capa estão Chico Bento e o pai. Na roça, trabalhando. O pai de Chico cavando o solo. E Chico Bento, em primeiro plano, cavalgando uma picareta como se fora um cavalinho, abanando o chapéu de palha, um sorriso largo no rosto. E a terra estava sendo trabalhada. Ele estava seriamente comprometido com o trabalho, cooperando com o pai. E não estava sério, sisudo, pesado, sofrido. Ele sorria e executava sua tarefa. Moreno, criador do Psicodrama, insistia de que o riso era tão importante quanto o choro. A alegria não pressupõe fatuidade (palavra complicada significando frivolidade, insensatez). Entretanto, no senso comum, "muito riso, pouco siso". A seriedade, ser sério, é pouco riso. Mesmo em nossa área, em Psicodrama, Psicologia, Psiquiatria, o riso não é bem visto. As catarses sempre levam a supor choro e dor. O riso catártico, aberto, destruidor de mitos e cristalizações, não é bem visto. Seriedade é compromisso e não sisudez. O riso e o choro são lados da mesma moeda, mas, às vezes, o riso pode ser mais libertador que o choro cristalizado e já conservado. 

"Moro em minha própria casa

Não imito ninguém

Rio-me de todos os mestres

Que nunca se riram de si"     NIETZSCHE

domingo, 6 de fevereiro de 2022

maturidade?

Pensava aqui com os meus botões como a maturidade afetiva, a madureza relacional, anda dissociada da maturidade intelectual. É tão frequente ver-se pessoas com conhecimento técnico, informações culturais, mas com atuação imatura, infantil. É curioso, mas a nossa cultura ocidental não privilegia, não estimula o amadurecimento afetivo. Há treinamentos, adestramentos, cursos para a área intelectual. Mas parece que há uma ideia subjacente à todos que o crescimento, o envelhecimento, traga junto o lado afetivo, "naturalmente". E a parte afetiva de nossa vida mental é quem nos dá a o modo de agir adequado, é quem possibilita o adequado desenvolvimento da espontaneidade e da criatividade. Sócrates, mestre da  filosofia grega, tinha um relacionamento bastante conturbado com sua esposa Xantipa. Então, se o desenvolvimento intelectual, a solidez cultural, a profundidade de pensamento, não levam à maturidade afetivo-relacional, o que o faz? Penso que o passo adiante foi dado por Moreno quando propôs o conceito de Tele: a condição relacional em que os envolvidos se reconhecem, na relação, com o mesmo sinal e intensidade de aceitação, rejeição ou indiferença. A inversão de papéis na relação propicia que conheça a relação do ponto de vista do outro. Acrescentando à visão e percepção próprias, a visão e percepção do outro:
"Então verei você com os seus olhos
E você me verá com os meus olhos".
Talvez, ainda assim talvez, a relação vincular possa atingir o estágio de maturidade em que, os os vinculados, possa mutuamente se fertilizar e crescer e gozar do encontro.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

"Eu sou egoísta"

 Na letra de "Eu sou egoísta", de Raul Seixas, há este verso: " O que eu quero é o que penso e o que faço". O pensar, o querer e o agir são as três vertentes de nossa aproximação ao mundo. Pensamento, Sentimento, Ação. São os nossos três braços que fazem o nosso mundo. Jnana, Bahkti, Karma: as três portas do templo. Afetividade, Cognição, Volição. Os Gregos deram o nome de Harmonia à filha de Ares (deus da guerra, violento e sanguinário) com Afrodite (deusa da beleza, amor). Então harmonia é o modo de conciliar, "harmonizar", opostos, contrários ou diferentes. Harmonizar o vinho com a comida é encontrar um ajuste "harmônico" entre o sabor do vinho e o sabor da comida. Parece que apenas a palavra "Harmonia" consegue transparecer o sentido e o conceito dela própria. Os sinônimos gramaticais não são sinônimos poéticos e, muito menos, existenciais. O que o Mestre Raul diz em sua letra é que o que ele quer (afetividade, desejo) corresponde ao que pensa (esfera cognitiva, nossos conceitos) e se ajusta à sua ação no mundo. Isso é harmonia. A minha harmonia. E, talvez por isso, Raul tenha intitulado de  "Eu sou egoísta". Mas, isto, tanto o santo iluminado quanto o pleno sacana podem sentir. Sentirem-se harmônicos, sem angústia, sem conflito, sem ruídos de engrenagem. Então, a essa harmonia entre as esferas da afetividade, cognição e ação há que se juntar, para separar o  pleno sacana do santo iluminado, a esfera ética: o modo como me conduzo em relação aos demais, como a minha harmonia pessoal não desarmoniza a harmonia do outro. Como a minha harmonia pessoal pode conduzir à harmonia do outro. Os Hindus tinham o conceito do Bodhisatva, aquele que desiste de sua iluminação pessoal, de alcançar o estágio de Buda, para permanecer entre aqueles que precisam de ajuda. O Psicodrama comporta a  esfera de ação clínica (O Psicodrama, propriamente dito), ação com grupos de papéis sociais (Sociodrama) e o Axiodrama, a nossa vertente que explora, revela, faz aparecer, a dimensão dos valores éticos. A verdadeira sabedoria é que a que ultrapassa a harmonia pessoal para fazer germinar a sabedoria grupal, coletiva.

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Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...