sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Inícios e fins

  O ano do calendário está se encerrando. Chegará, enfim, amanhã, o dia número 365. E depois o Dia 1 estará aí. O calendário diz que as coisas terminam e recomeçam. Todo ano há um fim de ano  e há um primeiro dia do novo ano. Mas, em nós, parece que vivemos como se a estrada da vida fosse uma linha reta de mão única. Parece-nos que os começos são novidades e os fins são definitivos. Talvez por isso a culpa esteja presente sempre em nós, como se o passado fosse sempre passado, irremediavelmente passado. E o futuro nos chega como sempre oportunidades únicas, irrepetíveis, o tal do cavalo selado que só passa uma vez. "Perdeu, playboy!". E se, realmente, olharmos para as coisas como se houvesse, sempre, a possibilidade, de fazer de forma diferente aquilo que se fez e não deu certo? E se pudéssemos experimentar novos erros, em lugar de imobilizarmo-nos na culpa penitencial? Na filosofia Moreniana que embasa o Psicodrama está sempre o presente, palco do passado e da expectativa do futuro. Mas sempre o presente. Onde, ajudados pela louca da casa, a imaginação, podemos experimentar a re-visão do passado e viver o futuro. E, por fim, sair da imobilidade da culpa e da dor (do passado) e da imobilidade do temor (do futuro). Psicodrama é mais do que exercício de técnicas psicodramáticas. Psicodrama é o exercício contínuo da flexibilidade como instrumento do viver. Que possamos cometer erros novos. Porque repeti-los não é inteligente, e não tê-los é estarmos imóveis e imobilizados na vida.

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Poetas

 Há uma grande música de Monarco e Ratinho, portelenses de raiz, chamada Coração em Desalinho: "Numa estrada dessa vida te encontrei". Há outra, de Renato Teixeira, gravada por Xangai, chamada "Pequenina": "São tão claros os presságios e os encontros dessa vida quando as partes combinadas surgem numa mesma estrada". O poeta florentino, Dante, inicia o Inferno, em sua Divina Comédia, dizendo: "Em meio da estrada dessa vida". Três poetas, mesma metáfora. A vida como estrada que tem início e tem fim. Dante chama a atenção do meio da estrada, do processo de amadurecimento, que não é no início nem no fim. Em meio à vida. Monarco e Ratinho dizem que a estrada-vida é o local de encontros. Renato Teixeira, enfim, diz "quando as partes combinadas surgem numa mesma estrada", quando pessoas por combinação, por acordo, aparecem, surgem, encontram-se na vida-estrada. Esses poetas psicodramáticos (ou o Psicodrama será a visão poética aplicada à saúde relacional?) definem o nosso Encontro Moreniano; Acontece no processo da vida, quando as partes da relação combinam, acordam em estar numa mesma estrada. E aí, prosseguindo a visão poético-psicodramática, acrescentamos um outro conceito, muitas e muitas vezes de difícil compreensão. Tele. Tele é quando as partes combinam, seja em seguir juntos numa mesma estrada, ou seguirem separados, em sentidos opostos, mas na mesma estrada. Ou há relação télica quando as partes estão combinadas, em estarem juntas ou estarem separadas. A mesma estrada é a estrada da com-preensão. Ambos com-preendem e con-cordam. A relação é não-tèlica quando "as partes" não estão combinadas, quando nem estão na mesma estrada. Estrada, sentido do caminho, acordo, desacordo, compreensão. A relação não-Télica resulta no "coração em desalinho". Obrigado aos poetas de sempre e de agora.

sábado, 24 de dezembro de 2022

Psicodrama e Natal

  A origem do Natal está nas comemorações do Solstício de Inverno no Hemisfério Norte. Solstícios são os pontos da trajetória terrestre em que os hemisférios estão mais próximos (verão) ou mais distantes (inverno) do Sol. Assim, para as tradições místicas do Hemisfério Norte, esse período era quando, em seu hemisfério, Dezembro, a inclinação da Terra em relação ao Sol, voltava a se aproximar, quando o Inverno anunciava o seu fim, quando as esperanças de um novo plantio, de um degelo, surgiam, respondendo à expectativa da espera. Nas tradições místicas isso era o símbolo da renovação, do anúncio de um novo tempo. Avatares e deuses eram comemorados nesse dia. Krishina, Mitra, por exemplo. Por isto a tradição cristã aproveitou-se desse simbolismo. E isso que tem a ver com o nosso Psicodrama/Teatro Espontâneo? Nada. E tudo. Moreno, o criador do Método Socionômico (Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama) era um judeu imbuído das tradições judaicas, principalmente da filosofia hassídica. E esse Hassidismo tinha por base a renovação, a fé na transformação, a esperança de um recomeço. Socionomia, Sociodrama, Psicodrama Morenianos são sempre fundados nessa atitude de mudança, transformação, um novo olhar, uma nova chance, um outro começo.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Walt Disney e J.L.Moreno

 Assistindo a um documentário sobre Walt Disney e seu projeto de Disneyland e Disneyworld, um dos participantes cita uma frase que o Walt sempre repetia e cobrava dos roteiristas e todos os Imagineers. Ele usava esse neologismo, junção de Imagine e engineer, e dizia: "A história tem que guiar a experiência". O roteiro precisava guiar a experiência do usuário dos parques. Assistindo, minha mente levou-me à Moreno. Ele dizia que, diferentemente do Teatro formal, no Psicodrama o protagonista/ator criava sua própria história a partir de sua própria experiência de vida. Para Disney, a História guia a experiência do usuário. Para Moreno o protagonista usa sua experiência existencial para criar sua história.

sábado, 3 de dezembro de 2022

Onirodrama, Mia Couto

 

Nenhum sonho se pode contar. Seria preciso uma língua sonhada para que o devaneio fosse transmissível. Não há essa ponte. Um sonho só pode ser contado num outro sonho. 

O outro pé da sereia- Mia Couto 

Esse livro de Mia Couto ainda não li, mas vi essa citação. E, por si só, me fez viajar. Mia chama a atenção para uma particularidade muito conhecida dos sonhos. Contá-los é bastante complicado. pela condensação das imagens, pelo ritmo, pelo anacronismo, pela superposição de cenas e personagens. Enfim, é uma experiência cotidiana que contar um sonho, transpor a linguagem onírica para a fala organizada é difícil. O Psicodrama tem uma forma de lidar que denominamos de Onirodrama. A característica principal, à semelhança do que diz Mia Couto, é dramatizar o sonho sonhado e transformá-lo em sonho que está sendo sonhado. Em lugar de contar o sonho o Diretor/Condutor pede que o protagonista construa seu local de dormida, com detalhes bem detalhados, como forma de aquecimento específico, assuma a posição habitual que assume ao deitar e inicie a atuar o sonho. As cenas vão sendo desdobradas. Cada elemento que aparece em cena pode ser explorado em outras cenas. O Onirodrama é a dramatização do sonho. É imperativo que o protagonista não inicie a narrar o sonho. Por que? Porque ao narrar nós impomos uma sequencia e uma lógica narrativa.É importante, é vital, para o Onirodrama que haja o frescor da cena atuada ex-novo, com o frescor da cena nova. Mia Couto tem razão.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...