terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Antevisão de Moreno

 “Minha filosofia tem sido mal entendida e desconsiderada em muitos círculos científicos e religiosos. Isto não me impediu de continuar a desenvolver técnicas provenientes da minha visão de como o mundo deveria ser estabelecido. É curioso o fato de que esses métodos – sociometria, psicodrama, terapia de grupo – criados para implementar uma filosofia fundamenta de vida subjacente, têm sido universalmente aceitos, enquanto a Filosofia é relegada aos cantos escuros das estantes das bibliotecas ou de todo esquecidas”.
 in Autobiografia

domingo, 25 de dezembro de 2016

Poema de Moreno - As Palavras do Pai

AS PALAVRAS DO PAI – XX
(Jacob Levy Moreno)

Esta é a minha oração:
Que todos os seres sejam benditos
Com um lugar no Universo,
Com um lugar no sol,
Ou um lugar na lua.
Não importa onde,
Se é um lugar onde possas criar-Me.
Eu consegui para todos
Um lugar no universo.
Vá e assume o teu.
Esta é a minha casa: o Universo.
Eu a dividi.
Que todos os seres sejam abençoados com um lar,
Um lugar no universo.
Que tu sejas bendito
Com um lar.
Que o Universo seja o teu lar.
Eu fiz espaços tão imensos
Para que todos possam encontrar
Um lugar nele.

Te desejo Vida

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Ato psicoterápico e ato pedagógico


Aprendemos cedo na escola que no enunciado de um problema a conjunção e traduz-se por + na linguagem matemática. Assim, 1+1 é igual a 1 e 1. Aprendemos também que não se pode somar quantidades heterogêneas. Deste modo o nosso título seria “Psicoterapia + Pedagogia” reconhecendo que não são quantidades heterogêneas. O que a matemática nos mostra de forma tão fácil e transparente necessita de muitas letras para ser demonstrado em linguagem verbal.
É costume colocar-se o ato pedagógico como sendo apenas do contexto educacional deixando o ato psicoterápico apenas no contexto terapêutico. Claro que colocar o aprendiz de psicoterapeuta em terapia pressupõe não apenas o aspecto terapêutico, mas, principalmente, o aprendizado de um papel por meio do seu complementar. Ao se colocar como cliente o aprendiz assume o papel complementar ao de terapeuta. Ele experimenta em si as ações daquele papel que, enfim, é o que busca. Aqui vemos um ato psicoterápico que se completa em um ato pedagógico. E o inverso? Um ato pedagógico pode se completar em um ato psicoterápico? Imaginemos um adulto analfabeto. Ele não compreende o que está escrito, as coisas lhe acontecem, de um letreiro de ônibus a um documento, sem que ele compreenda. Não consegue intervir naquele mundo onde tudo se baseia na linguagem escrita. Está, portanto, alienado deste contexto humano. Ao ser alfabetizado, um mundo se abre para ele, uma nova visão de mundo, um novo enfoque. Ele passa a ter instrumentos para intervir onde antes era alienado. Isto não é uma descrição de um processo psicoterápico? Propicia a desalienação e uma nova visão de mundo associadas à potência de ação, intervenção. Na alfabetização o processo é mais nítido por ser um gradiente maior: analfabeto X alfabetizado. Porém, qualquer acréscimo cultural tem algum grau de poder desalienador e libertador. E como tal, a intervenção pedagógica, o ato pedagógico, tem seu forte conteúdo terapêutico. A gangorra, agora, volta-se para o ato psicoterápico. Temos por base que psicoterapia não é apenas a remoção de sintomas. Seu objetivo maior é ajudar a produzir a desalienação do indivíduo, liberando sua espontaneidade criatividade para a sua efetiva afirmação no mundo. Isto, contudo, não se faz por ato do terapeuta. Quando numa terapia, o poder de mudança, de transformação alquímica pertence ao terapeuta ou lhe é dado pelo cliente, configura-se uma relação de dependência, de dominação, superior, talvez, a uma dependência química. O terapeuta não é o mágico que tira soluções da cartola para o cliente plateia. Terapia vem de uma raiz grega com o significado de ajuda, auxilio. Como o processo psicoterápico se torna terapêutico e não, iatrogenicamente, gerador de dependência? Quando o cliente aprende a fazer aquilo sozinho! Quando o cliente se transforma em seu próprio terapeuta! Tal qual o aprendiz de terapeuta quando faz sua terapia didática. A psicoterapia só se torna terapêutica quando ela é pedagógica.

Educação provém de uma raiz latina – ex-ducere - que significa conduzir para fora. Existe algo já dentro do indivíduo que o educador ajuda a fazer o parto (maieutica). O contrário disto é a instrução em que o saber vem do instrutor sendo introduzido no aluno. Similarmente, o ato psicoterápico ajuda aquilo que já existe no indivíduo a vir à luz. O modelo intervencionista, autoritário, em que o saber terapêutico pertence ao terapeuta é um modelo de instrução, não de educação: preserva o gradiente cliente aluno X terapeuta professor. A inversão de papéis cliente terapeuta jamais se concretizaria numa relação tão rigidamente posta e esse é o objetivo do ato terapêutico pedagógico: a inversão de papéis em que o cliente toma o papel de terapeuta, sendo seu próprio terapeuta, dispensando, finalmente, a ajuda do terapeuta parteiro. Em outro momento, outro papel, talvez novo parto se anuncie.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Personagens

E o que é uma personagem? Nas artes cênicas a personagem é constituída de vestuário e adereços, mímica corporal (pantomima), fala e suas tonalidades, conteúdo e coerência do discurso, conteúdo do pensamento, história pessoal com sua origem, eventos e relações afetivas. Mas a personagem nas artes é única, é ela é apenas o que é. O ser humano é diferente. Suas personagens são criadas e recriadas ao longo da vida. Cada ser humano é um palco onde podem estar em cena, simultaneamente ou não, múltiplas personagens. Identificar as personagens e suas histórias, descobrir sua gênese, reconhecer os papéis complementares, os cruzamentos de histórias no mesmo palco, as interferências entre personagens e histórias diferentes, as relações entre os papeis complementares de personagens diferentes. Isto é o palco psicodramático. Isto é Psicodrama.

sábado, 17 de dezembro de 2016

Calvino e a direção psicodramática


Andei relendo Ítalo Calvino em seu “Seis propostas para um novo milênio”. Neste seu livro, último livro e seu legado, ele trabalha com seis valores que considera essenciais para a literatura do novo milênio (o livro é de 85). São eles: LEVEZA, RAPIDEZ, EXATIDÃO, VISIBILIDADE, MULTIPLICIDADE E CONSISTÊNCIA. Penso se não serão estes os atributos de um Diretor de Psicodrama. Partindo do fim para o princípio, na ordem inversa de citação, temos o lastro teórico (CONSISTÊNCIA), a abertura para novas possibilidades (MULTIPLICIDADE), a capacidade de tornar visível o sub texto (VISIBILIDADE), a precisão técnica no momento adequado (EXATIDÃO), a capacidade de resposta breve (RAPIDEZ) e, essencialmente, a mão leve ao dirigir, a sutileza, a delicadeza de ação (LEVEZA). Ler Calvino é sempre muito bom.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Um pensar na Sociometria.

Sociometria é, em Psicodrama ou Socionomia, o estudo e medida das redes vinculares em um grupo. E o Teste Sociométrico, seu instrumento principal, é lastreado nas escolhas para um dado critério. Mas podemos olhar para a Sociometria por um angulo complementar. E mais simples para o trabalho terapêutico. Em qualquer escolha é fundamental desvelar em que critério a escolha foi feita. Quaisquer que sejam as escolhas é tarefa psicoterápica desvendar o critério oculto. A linguagem comum tende a falar de escolhas como se elas fossem universais. O pior colega. A mulher de minha vida. Traíra. Como se essa escolha definisse todos os critérios possíveis. É difícil se pensar que ser um cafajeste em um critério não pressupõe que o seja em outro critério. Pode não sê-lo. Em Filosofia aprendemos as falácias dos argumentos. Um deles é o argumento de autoridade. Ser uma autoridade reconhecida em um campo não serve para transferir essa autoridade para um outro campo diferente. Um atleta pode ser autoridade em seu campo de atuação, mas falar de um medicamento ou de um empreendimento imobiliário é um argumento de autoridade. O pensamento sociométrico leva a este questionamento: qual o critério que levou esta pessoa a ser escolhida? Para o bem ou para o mal, as pessoas se definem em cada relação.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

E outra vez Pessoa

Em “Autopsicografia” diz Fernando Pessoa: "O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem. Não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm.” Os participantes, quando não aquecidos, não envolvidos, sentem apenas a que eles não tem. O Protagonista finge (dramatiza) a dor que ele tem e estas são as suas duas dores: a sentida e a dramatizada.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Nietzsche

Em última instância, o homem não encontra nas coisas senão o que ele mesmo haja nela posto. Este voltar a encontrar, se chama Ciência; introduzi-lo se chama Arte.”

domingo, 4 de dezembro de 2016

o adoecer de uma relação terapeutica

O que constitui uma relação terapêutica? O que faz de uma relação qualquer ser reconhecida como terapêutica? O que é uma relação? E o que é adoecer? Se, e quando, precisamos refletir sobre um tema, uma boa forma é discutir os termos do pedido. Isto nos abre um guia e nos mostra um norte.
Estando duas ou mais pessoas em uma mesma situação a relação se estabelece quando há algum tipo de conexão, ligação entre elas. Com qualquer sinal afetivo. Mas com um sinal afetivo presente. Sem um sinal afetivo as pessoas apenas compartilham um espaço. E quando uma relação estabelecida, ou seja, uma conexão afetiva estabelecida, ganha a conotação de relação terapêutica? Quando existe uma relação de alguém em um papel diferenciado com outro em um papel indiferenciado. E se essa relação se estabelece entre um alguém em um papel profissional com alguém em um papel indiferenciado de paciente ou cliente, essa relação é uma relação psicoterapêutica. Indo a outro termo, temos o adoecer. Em linguagem médica adoecer é padecer de uma enfermidade. Em linguagem coloquial, o adoecimento é sinônimo de destrutividade: casamentos doentes, trabalhos adoecedores, comportamento doentio. Para Moreno, adoecer era perder a espontaneidade, a prontidão da resposta exata e adequada, é estar disponível (Espontaneidade) para a melhor resposta (Criatividade). E agora precisamos de outro termo já aqui citado. Moreno, em sua Teoria de Papeis, fala de diferenciação e indiferenciação. Paremos e olhemos e vejamos. Esses termos são claramente tirados da terminologia biológica. A célula inicial, o ovo, é dito indiferenciado. À medida do desenvolvimento dessa célula matriz ela vai se diferenciando, ou seja, vai se especializando em múltiplas funções. De uma célula inicial surge um filhote, uma criança. Tudo que está na criança formada já estava na célula matriz. Mas, uma célula é uma célula e uma criança é uma criança. O que as difere? A diferenciação celular, a múltipla especialização para tornar-se um organismo. E, também em Medicina, o Câncer é a multiplicação desordenada de células indiferenciadas. Estas não são produtivas, não são funcionais. E terminam por destruir o organismo. E Moreno era médico. E tinha conhecimento dessa terminologia. Ao, por analogia, nomear os papéis como diferenciados ou indiferenciados, estava usando nesse contexto. E o que são, finalmente, papeis assim denominados? Diferenciado está em um papel aquele que ao agir não age por impulsividade, guiado apenas pelo desejo, confusão, afeto momentâneo. Diferenciado está em um papel quando sua espontaneidade não está comprometida pelo não reconhecimento do afeto dominante. E o oposto para a indiferenciação. Alguém está indiferenciado no papel quando sua ação é espontaneísta, impulsiva. A Espontaneidade Moreniana sempre está associada à palavra adequação. Espontaneidade não é fazer o que lhe vem à cabeça no momento e inadequadamente. É poder fazer tudo e poder escolher o melhor. É aí que o Teatro Espontâneo nos auxilia a entender. A resposta do ator espontâneo há que ser pronta e rápida, mas tem que se adequar ao ritmo, ao contexto, à necessidade cênica. Ser Espontâneo é não estar proibido. Seja pelos agentes externos ou internos. A estes últimos, Boal chamava de O Tira (policial) na Cabeça. Ser Criativo é escolher a melhor resposta.
Juntando todos esses conceitos discutidos, repensemos o título da mesa. O ADOECER DA RELAÇÃO. Recoloquemos o título à luz do que já vimos. Como uma relação psicoterápica entre um profissional e seu paciente torna-se destrutiva? Como, por definição, uma relação psicoterápica é uma relação assimétrica, afinal um chega e outro está. Existe um movimento de busca por parte de um (o paciente) dirigido a outro. Um paga e outro recebe. Essa assimetria da relação prossegue no exercício terapêutico. Um está confuso, sofrendo, angustiado, nebuloso. O outro deverá estar em diferente estado. Como diria Fernando Pessoa “Sentir tudo de todas as formas”. Mas, saber o que está sentindo e ter a clara percepção a cada momento do que está dirigindo a sua ação. Se a necessidade cênica ou sua necessidade afetiva. Quando a necessidade afetiva do Psicoterapeuta, do Condutor de Psicodrama, dirige sua ação ele se não diferencia no papel. A relação psicoterápica deixa de ser assimetricamente terapêutica para tornar-se simetricamente doentia. A Espontaneidade Criativa do condutor de Psicodrama ou qualquer outra forma psicoterápica estará comprometida. Ele já não faz o que é necessário, faz o que apenas quer. E cabe ao terapeuta perceber o que está acontecendo. É função de seu papel. Mas, se porventura, é o paciente ou o grupo que percebe isto, nesse exato instante quem assume o papel terapêutico são eles. Mas isto se acontecer não pode ser uma rotina. Moreno dizia que o Diretor de Psicodrama é um membro do grupo em papel diferenciado. E ele continuará sendo enquanto se mantiver com esta nitidez de percepção. Se não, é o paciente/grupo que assumirá este papel.
Penso que uma relação psicoterápica adoece quando o psicoterapeuta indiferencia-se no seu papel quebrando a necessária relação assimétrica da terapia.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...