O que constitui uma relação
terapêutica? O que faz de uma relação qualquer ser reconhecida
como terapêutica? O que é uma relação? E o que é adoecer? Se, e
quando, precisamos refletir sobre um tema, uma boa forma é discutir
os termos do pedido. Isto nos abre um guia e nos mostra um norte.
Estando duas ou mais pessoas em uma
mesma situação a relação se estabelece quando há algum tipo de
conexão, ligação entre elas. Com qualquer sinal afetivo. Mas com
um sinal afetivo presente. Sem um sinal afetivo as pessoas apenas
compartilham um espaço. E quando uma relação estabelecida, ou
seja, uma conexão afetiva estabelecida, ganha a conotação de
relação terapêutica? Quando existe uma relação de alguém em um
papel diferenciado com outro em um papel indiferenciado. E se essa
relação se estabelece entre um alguém em um papel profissional com
alguém em um papel indiferenciado de paciente ou cliente, essa
relação é uma relação psicoterapêutica. Indo a outro termo,
temos o adoecer. Em linguagem médica adoecer é padecer de uma
enfermidade. Em linguagem coloquial, o adoecimento é sinônimo de
destrutividade: casamentos doentes, trabalhos adoecedores,
comportamento doentio. Para Moreno, adoecer era perder a
espontaneidade, a prontidão da resposta exata e adequada, é estar
disponível (Espontaneidade) para a melhor resposta (Criatividade). E
agora precisamos de outro termo já aqui citado. Moreno, em sua
Teoria de Papeis, fala de diferenciação e indiferenciação.
Paremos e olhemos e vejamos. Esses termos são claramente tirados da
terminologia biológica. A célula inicial, o ovo, é dito
indiferenciado. À medida do desenvolvimento dessa célula matriz ela
vai se diferenciando, ou seja, vai se especializando em múltiplas
funções. De uma célula inicial surge um filhote, uma criança.
Tudo que está na criança formada já estava na célula matriz. Mas,
uma célula é uma célula e uma criança é uma criança. O que as
difere? A diferenciação celular, a múltipla especialização para
tornar-se um organismo. E, também em Medicina, o Câncer é a
multiplicação desordenada de células indiferenciadas. Estas não
são produtivas, não são funcionais. E terminam por destruir o
organismo. E Moreno era médico. E tinha conhecimento dessa
terminologia. Ao, por analogia, nomear os papéis como diferenciados
ou indiferenciados, estava usando nesse contexto. E o que são,
finalmente, papeis assim denominados? Diferenciado está em um papel
aquele que ao agir não age por impulsividade, guiado apenas pelo
desejo, confusão, afeto momentâneo. Diferenciado está em um papel
quando sua espontaneidade não está comprometida pelo não
reconhecimento do afeto dominante. E o oposto para a indiferenciação.
Alguém está indiferenciado no papel quando sua ação é
espontaneísta, impulsiva. A Espontaneidade Moreniana sempre está
associada à palavra adequação. Espontaneidade não é fazer o que
lhe vem à cabeça no momento e inadequadamente. É poder fazer tudo
e poder escolher o melhor. É aí que o Teatro Espontâneo nos
auxilia a entender. A resposta do ator espontâneo há que ser pronta
e rápida, mas tem que se adequar ao ritmo, ao contexto, à
necessidade cênica. Ser Espontâneo é não estar proibido. Seja
pelos agentes externos ou internos. A estes últimos, Boal chamava de
O Tira (policial) na Cabeça. Ser Criativo é escolher a melhor
resposta.
Juntando todos esses conceitos
discutidos, repensemos o título da mesa. O ADOECER DA RELAÇÃO.
Recoloquemos o título à luz do que já vimos. Como uma relação
psicoterápica entre um profissional e seu paciente torna-se
destrutiva? Como, por definição, uma relação psicoterápica é
uma relação assimétrica, afinal um chega e outro está. Existe um
movimento de busca por parte de um (o paciente) dirigido a outro. Um
paga e outro recebe. Essa assimetria da relação prossegue no
exercício terapêutico. Um está confuso, sofrendo, angustiado,
nebuloso. O outro deverá estar em diferente estado. Como diria
Fernando Pessoa “Sentir tudo de todas as formas”. Mas, saber o
que está sentindo e ter a clara percepção a cada momento do que
está dirigindo a sua ação. Se a necessidade cênica ou sua
necessidade afetiva. Quando a necessidade afetiva do Psicoterapeuta,
do Condutor de Psicodrama, dirige sua ação ele se não diferencia
no papel. A relação psicoterápica deixa de ser assimetricamente
terapêutica para tornar-se simetricamente doentia. A Espontaneidade
Criativa do condutor de Psicodrama ou qualquer outra forma
psicoterápica estará comprometida. Ele já não faz o que é
necessário, faz o que apenas quer. E cabe ao terapeuta perceber o
que está acontecendo. É função de seu papel. Mas, se porventura,
é o paciente ou o grupo que percebe isto, nesse exato instante quem
assume o papel terapêutico são eles. Mas isto se acontecer não
pode ser uma rotina. Moreno dizia que o Diretor de Psicodrama é um
membro do grupo em papel diferenciado. E ele continuará sendo
enquanto se mantiver com esta nitidez de percepção. Se não, é o
paciente/grupo que assumirá este papel.
Penso que uma relação
psicoterápica adoece quando o psicoterapeuta indiferencia-se no seu
papel quebrando a necessária relação assimétrica da terapia.
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