domingo, 4 de dezembro de 2016

o adoecer de uma relação terapeutica

O que constitui uma relação terapêutica? O que faz de uma relação qualquer ser reconhecida como terapêutica? O que é uma relação? E o que é adoecer? Se, e quando, precisamos refletir sobre um tema, uma boa forma é discutir os termos do pedido. Isto nos abre um guia e nos mostra um norte.
Estando duas ou mais pessoas em uma mesma situação a relação se estabelece quando há algum tipo de conexão, ligação entre elas. Com qualquer sinal afetivo. Mas com um sinal afetivo presente. Sem um sinal afetivo as pessoas apenas compartilham um espaço. E quando uma relação estabelecida, ou seja, uma conexão afetiva estabelecida, ganha a conotação de relação terapêutica? Quando existe uma relação de alguém em um papel diferenciado com outro em um papel indiferenciado. E se essa relação se estabelece entre um alguém em um papel profissional com alguém em um papel indiferenciado de paciente ou cliente, essa relação é uma relação psicoterapêutica. Indo a outro termo, temos o adoecer. Em linguagem médica adoecer é padecer de uma enfermidade. Em linguagem coloquial, o adoecimento é sinônimo de destrutividade: casamentos doentes, trabalhos adoecedores, comportamento doentio. Para Moreno, adoecer era perder a espontaneidade, a prontidão da resposta exata e adequada, é estar disponível (Espontaneidade) para a melhor resposta (Criatividade). E agora precisamos de outro termo já aqui citado. Moreno, em sua Teoria de Papeis, fala de diferenciação e indiferenciação. Paremos e olhemos e vejamos. Esses termos são claramente tirados da terminologia biológica. A célula inicial, o ovo, é dito indiferenciado. À medida do desenvolvimento dessa célula matriz ela vai se diferenciando, ou seja, vai se especializando em múltiplas funções. De uma célula inicial surge um filhote, uma criança. Tudo que está na criança formada já estava na célula matriz. Mas, uma célula é uma célula e uma criança é uma criança. O que as difere? A diferenciação celular, a múltipla especialização para tornar-se um organismo. E, também em Medicina, o Câncer é a multiplicação desordenada de células indiferenciadas. Estas não são produtivas, não são funcionais. E terminam por destruir o organismo. E Moreno era médico. E tinha conhecimento dessa terminologia. Ao, por analogia, nomear os papéis como diferenciados ou indiferenciados, estava usando nesse contexto. E o que são, finalmente, papeis assim denominados? Diferenciado está em um papel aquele que ao agir não age por impulsividade, guiado apenas pelo desejo, confusão, afeto momentâneo. Diferenciado está em um papel quando sua espontaneidade não está comprometida pelo não reconhecimento do afeto dominante. E o oposto para a indiferenciação. Alguém está indiferenciado no papel quando sua ação é espontaneísta, impulsiva. A Espontaneidade Moreniana sempre está associada à palavra adequação. Espontaneidade não é fazer o que lhe vem à cabeça no momento e inadequadamente. É poder fazer tudo e poder escolher o melhor. É aí que o Teatro Espontâneo nos auxilia a entender. A resposta do ator espontâneo há que ser pronta e rápida, mas tem que se adequar ao ritmo, ao contexto, à necessidade cênica. Ser Espontâneo é não estar proibido. Seja pelos agentes externos ou internos. A estes últimos, Boal chamava de O Tira (policial) na Cabeça. Ser Criativo é escolher a melhor resposta.
Juntando todos esses conceitos discutidos, repensemos o título da mesa. O ADOECER DA RELAÇÃO. Recoloquemos o título à luz do que já vimos. Como uma relação psicoterápica entre um profissional e seu paciente torna-se destrutiva? Como, por definição, uma relação psicoterápica é uma relação assimétrica, afinal um chega e outro está. Existe um movimento de busca por parte de um (o paciente) dirigido a outro. Um paga e outro recebe. Essa assimetria da relação prossegue no exercício terapêutico. Um está confuso, sofrendo, angustiado, nebuloso. O outro deverá estar em diferente estado. Como diria Fernando Pessoa “Sentir tudo de todas as formas”. Mas, saber o que está sentindo e ter a clara percepção a cada momento do que está dirigindo a sua ação. Se a necessidade cênica ou sua necessidade afetiva. Quando a necessidade afetiva do Psicoterapeuta, do Condutor de Psicodrama, dirige sua ação ele se não diferencia no papel. A relação psicoterápica deixa de ser assimetricamente terapêutica para tornar-se simetricamente doentia. A Espontaneidade Criativa do condutor de Psicodrama ou qualquer outra forma psicoterápica estará comprometida. Ele já não faz o que é necessário, faz o que apenas quer. E cabe ao terapeuta perceber o que está acontecendo. É função de seu papel. Mas, se porventura, é o paciente ou o grupo que percebe isto, nesse exato instante quem assume o papel terapêutico são eles. Mas isto se acontecer não pode ser uma rotina. Moreno dizia que o Diretor de Psicodrama é um membro do grupo em papel diferenciado. E ele continuará sendo enquanto se mantiver com esta nitidez de percepção. Se não, é o paciente/grupo que assumirá este papel.
Penso que uma relação psicoterápica adoece quando o psicoterapeuta indiferencia-se no seu papel quebrando a necessária relação assimétrica da terapia.

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