terça-feira, 26 de setembro de 2017

O corpo no Psicodrama

Voltando à Autobiografia de um gênio, Moreno diz no prefácio:
"Alguns postulados para um ego criativo…(2) as ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato – qualquer que seja o meio – primeiro na forma bruta e espontânea em que elas apareçam. Em seguida, os estilhaços do momento devem ser recolhidos e feitos novamente, maiores e maiores a cada vez, reforçados por experiências espontâneas. Não deixe que a próxima vez saiba demais sobre as vezes anteriores. Cuidado com as conservas culturais". 
Agora vamos pensar sobre o período inicial. Ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato. A posição vigente em toda psicoterapia à época de Moreno, e ainda hoje, era, e é, que toda manifestação física, toda ação, era, e é, vista como uma "atuação". Tradução (má) do "acting out", expressão Moreniana. O que seria "atuar"? Seria expressar por meio de ações o conflito mobilizado pela psicoterapia. Para Moreno, para o Psicodrama, o que sempre se fez e continuaria se fazer, era "acting in". Toda ação era interna, expressa apenas verbalmente. Quando o neologismo "acting out" foi usado por Moreno era para dar sentido à proposta psicodramática. "Acting out" (atuar para fora, numa tradução simplória) para o Psicodrama, para Moreno, é criar condições para que o corpo esteja presente em todas as suas nuances no setting terapêutico. Ou dito nas palavras de Moreno: as ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato. E não apenas verbalizadas. O ser humano em suas relações está presente verdadeiramente em corpo, sangue e pensamento. Todas as nossas relações, atitudes, ações são encarnadas em um corpo. E esse corpo está presente sempre no Psicodrama. Expressando suas ideias, afetos, conflitos, em todas as suas nuances no espaço terapêutico.

sábado, 23 de setembro de 2017

Sim, mas não demais.

Em sua Autobiografia de um gênio, Moreno diz no prefácio:
"Alguns postulados para um ego criativo…(2) as ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato – qualquer que seja o meio – primeiro na forma bruta e espontânea em que elas apareçam. Em seguida, os estilhaços do momento devem ser recolhidos e feitos novamente, maiores e maiores a cada vez, reforçados por experiências espontâneas. NÃO DEIXE QUE A PRÓXIMA VEZ SAIBA DEMAIS SOBRE AS VEZES ANTERIORES. Cuidado com as conservas culturais." Sobre esse texto há muito o que pensar. Começando, nesse post, pelo fim. Cuidado com as conservas culturais. No dia a dia do psicodramista, frequentemente, ouvimos as pessoas referirem-se às conservas culturais de forma algo pejorativa. E o que são conservas culturais? O análogo às conservas alimentares. Algo preservado da ação do tempo, algo imutável, algo que sempre permanece o mesmo. Essa é a vantagem das conservas. E sua possível desvantagem. Nas conservas alimentares o objetivo, o desejo, aquilo que se quer, é que seja sim mesmo. Que daqui a um ano ela esteja preservada, igual a um ano antes. Moreno usou essa analogia das conservas alimentares para referir-se aos produtos da cultura. Eles são necessariamente conservados para fazer existir uma corrente contínua das conquistas e avanços culturais. Portanto, espera-se que algo seja preservado da ação do tempo. Mas também é seu risco. Precisa ser mantido, mas precisa estar aberto à mudança e alteração. De um lado espera-se que o tempo nada altere. E de outro lado, deseja-se que algumas coisas mudem. Por isto, Moreno alerta com a palavra cuidado. Toda ação psicodramática tem um eixo norteador: aquecimento, dramatização e compartilhamento/processamento. É a nossa conserva cultural, central ao nosso método. Mas, cuidado. Essa sequência existe e se conserva porque tem uma lógica. O aquecimento é vital para o desenrolar de qualquer atividade psicodramática. Seja ela psicodrama, sociodrama, teatro espontâneo ou axiodrama. Tenha natureza clínica,pedagógica ou lúdica. Entretanto, onde está o cuidado cobrado por Moreno? está expresso na frase anterior da citação: NÃO DEIXE QUE A PRÓXIMA VEZ SAIBA DEMAIS SOBRE AS VEZES ANTERIORES. Todo início é sempre um começo. Entrar em um grupo, ainda que conhecido, é sempre um começo. Sua configuração, suas relações, seu momento, sua história, nunca é igual à vez anterior. Repetir o já conhecido (conserva) num momento diferente é caminho certo para que o trabalho não se desenvolva. Moreno usa a palavra demais. Ou seja, claro que o que já sei sobre aquele grupo é importante para mim. Mas não que seja a ponto de congelar a minha espontaneidade criativa. E permita ler o presente não com olhos conservados  do passado, mas com olhos de presente.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Sujeito de, sujeito a

As preposições são engraçadas. Se não prestarmos atenção a elas. Há, também, uma palavra curiosa na língua portuguesa. Sujeito. O substantivo sujeito é o agente da oração. é o dono da história. O adjetivo sujeito é aquele que está entregue a, submetido a, condicionado a. E isso está expresso com as preposições. a regência da palavra.  Sujeito de. Sujeito a. Todo processo psicoterápico, o Psicodrama em particular, visa a substituição do Sujeito a pelo Sujeito de. Quando alguém procura psicoterapia ele está sujeito à sua vida, sujeito à sua história, sentindo-se vítima de um destino, submetido a um domínio. Todo objetivo psicoterápico, no Psicodrama fundamentalmente, destina-se a ajudá-lo a transformar-se  em Sujeito de sua vida, Sujeito de sua História, escolhendo como agente o direcionamento e o curso de sua vida.

sábado, 16 de setembro de 2017

Resgate e afogamento

Há coisas que sempre me intrigaram. Uma delas é a diferença entre entre segurança e insegurança. E aí faço um jogo de palavras: A pessoa segura pode se sentir insegura. A pessoa insegura não pode se sentir insegura. Uma pessoa qualquer sente-se segura em seu papel quando a falha, o erro, o equivoco, o engano, o esquecimento, não o destrói. A pessoa sente-se insegura em seus papéis quando não fazer o certo, o errar, o esquecer, o falhar, o equivocar-se, são vividos como destrutivos.
A desconstrução dessa obrigatoriedade ao acerto, a desconstrução da obrigação de saber-se de antemão a resposta correta, a desconstrução do medo destrutivo ao erro. Tudo isto é matéria efetiva do Psicodrama/Teatro Espontâneo: Resgatar a Espontaneidade afogada no mar do medo, da obrigação irreversível, da rigidez do certo e do correto.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Psicodrama: Um e vários ponto(s) de vista

Lá nos idos do 2º grau aprendi em Física algo chamado Paralaxe. Trata-se da mudança de perspectiva entre figura e fundo pela mudança de posição do observador. Algo que ocorre quando olhamos o dedo indicador com apenas um olho aberto e depois alternamos o fechamento dos olhos. Esta mudança de posição relativa entre dedo e o fundo é a Paralaxe. E o que tem de análogo com o Psicodrama? Aqui quando reencenamos uma história, quando experimentamos outro final para ela, quando fazemos um espelho, duplo, inversão de papeis, quando usamos todos estes instrumentos de trabalho psicodramático, sempre o fazemos com o objetivo de permitir ao observador participante (grupo e/ou indivíduo) uma ou várias outras miradas novas da mesma cena. Isto é o que se torna o verdadeiro instrumento terapêutico do Psicodrama: a possibilidade de que o grupo e/ou indivíduo possa sair da visão única, cristalizada (talvez até patologizada) que até então acontecia para um horizonte de outras formas de ver. Sim, fazer Psicodrama é ajudar a construir múltiplos pontos de vista, é descongelar a visão de mundo. É fazer um movimento de Paralaxe existencial em que, sem que nada mude na superfície, algo se altere profundamente.



sábado, 9 de setembro de 2017

Fernando Pessoa e Teatro Espontâneo

Em “Autopsicografia” diz Pessoa: "O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem. Não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm.” Os participantes, quando não aquecidos, não envolvidos, sentem apenas a que eles não tem. O Protagonista finge (dramatiza) a dor que ele tem e estas são as suas duas dores: a sentida e a dramatizada.
Em um apontamento de Fernando Pessoa, por ele atribuído a Ricardo Reis, ele diz que Poesia não é um derramamento de emoção, mas sim a emoção submetida à disciplina do ritmo e da métrica. Em outro poema - Isto – ele diz: “Dizem que finjo e minto tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração”. Não vejo melhor definição de Teatro Espontâneo. O protagonista sente com a imaginação e tem sua emoção sob a disciplina do ritmo e da estética. Este é o antídoto do espontaneísmo e da impulsividade histriônica.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Imaginação no passado?

Imaginar o futuro e imaginar o passado. A nossa memória não é um mero depósito de coisas passadas. A cada vez que acesso uma lembrança ela é modificada, interferida pelo que acontece no momento da rememoração. Por ser a nossa memória algo dinâmico e não estático, é possível pensarmos em imaginar o passado. Criar imagens sobre o passado tal como criamos imagens sobre o futuro. Imaginar o passado, imaginar o futuro. As cenas psicodramáticas podem antecipar um futuro ainda não existente, como podem imaginar um passado diferente do que aconteceu. Moreno dizia que "a segunda vez liberta a primeira". Na segunda vez dramatizada as intervenções realizadas na cena serão realocadas na memória com essas modificações ou novos pontos de vista. Imaginar o futuro, imaginar o passado.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Autoridade?

Força é autoridade? Alguém tem autoridade? A autoridade pertence a alguém? Ou será a autoridade e o respeito algo dado pelo seu papel complementar? Um pai tem autoridade sobre o filho ou o filho dá autoridade ao pai? Reconhece a autoridade de seu papel complementar? Um chefe tem autoridade ou são seus subordinados que lhe emprestam autoridade? Não se pode impor autoridade ou respeito. Pode-se impor a força. A autoridade e o respeito não são pertencentes a quem pensa que os têm. A autoridade e o respeito são reconhecimento do outro sobre mim. Não são meus. Eu posso construir as pontes para que o outro me reconheça como autoridade e me tenha respeito. Mas o poder final concedente é o outro. 

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...