sábado, 23 de setembro de 2017

Sim, mas não demais.

Em sua Autobiografia de um gênio, Moreno diz no prefácio:
"Alguns postulados para um ego criativo…(2) as ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato – qualquer que seja o meio – primeiro na forma bruta e espontânea em que elas apareçam. Em seguida, os estilhaços do momento devem ser recolhidos e feitos novamente, maiores e maiores a cada vez, reforçados por experiências espontâneas. NÃO DEIXE QUE A PRÓXIMA VEZ SAIBA DEMAIS SOBRE AS VEZES ANTERIORES. Cuidado com as conservas culturais." Sobre esse texto há muito o que pensar. Começando, nesse post, pelo fim. Cuidado com as conservas culturais. No dia a dia do psicodramista, frequentemente, ouvimos as pessoas referirem-se às conservas culturais de forma algo pejorativa. E o que são conservas culturais? O análogo às conservas alimentares. Algo preservado da ação do tempo, algo imutável, algo que sempre permanece o mesmo. Essa é a vantagem das conservas. E sua possível desvantagem. Nas conservas alimentares o objetivo, o desejo, aquilo que se quer, é que seja sim mesmo. Que daqui a um ano ela esteja preservada, igual a um ano antes. Moreno usou essa analogia das conservas alimentares para referir-se aos produtos da cultura. Eles são necessariamente conservados para fazer existir uma corrente contínua das conquistas e avanços culturais. Portanto, espera-se que algo seja preservado da ação do tempo. Mas também é seu risco. Precisa ser mantido, mas precisa estar aberto à mudança e alteração. De um lado espera-se que o tempo nada altere. E de outro lado, deseja-se que algumas coisas mudem. Por isto, Moreno alerta com a palavra cuidado. Toda ação psicodramática tem um eixo norteador: aquecimento, dramatização e compartilhamento/processamento. É a nossa conserva cultural, central ao nosso método. Mas, cuidado. Essa sequência existe e se conserva porque tem uma lógica. O aquecimento é vital para o desenrolar de qualquer atividade psicodramática. Seja ela psicodrama, sociodrama, teatro espontâneo ou axiodrama. Tenha natureza clínica,pedagógica ou lúdica. Entretanto, onde está o cuidado cobrado por Moreno? está expresso na frase anterior da citação: NÃO DEIXE QUE A PRÓXIMA VEZ SAIBA DEMAIS SOBRE AS VEZES ANTERIORES. Todo início é sempre um começo. Entrar em um grupo, ainda que conhecido, é sempre um começo. Sua configuração, suas relações, seu momento, sua história, nunca é igual à vez anterior. Repetir o já conhecido (conserva) num momento diferente é caminho certo para que o trabalho não se desenvolva. Moreno usa a palavra demais. Ou seja, claro que o que já sei sobre aquele grupo é importante para mim. Mas não que seja a ponto de congelar a minha espontaneidade criativa. E permita ler o presente não com olhos conservados  do passado, mas com olhos de presente.

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