terça-feira, 28 de novembro de 2017

Ter doença, ser doente

Ter uma doença, sentir-se doente, ser doente. Acredito não serem a mesma coisa. Ter uma doença, ter um déficit, ter uma privação qualquer, é algo da vida. Sentir-se doente, sentir-se incapacitado é algo do reino do vivenciar. Mas ser doente é um papel na vida de muitas pessoas. Um papel que se cristaliza e mantém-se cristalizado congelando o ser humano em um único personagem de um único papel. Embora, paradoxal e humanamente, ao cristalizar-se nesse papel de doente o ser humano adquire uma certa paz, uma certa tranquilidade.  Não mais será cobrado ou se cobrará enfrentar e lidar com os desafios do crescimento, da transformação ou de sua melhoria. Nada mais se espera dele, nada mais se deseja dele. Uma paz do nada, uma paz do vazio, uma paz do zero. Paradoxal e humanamente, crescer, desenvolver-se, escolher, decidir, agir, são passos e expectativas que se tornam tão pesadas que a paz niilista do ser doente torna-se atraente. Esse papel de doente talvez seja o nosso maior desafio ao lidar com alguém em psicoterapia.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Gavetas e Psicodrama

Quando vemos pessoas fazendo algo existem diferenças no seu como fazer. Há ações realizadas que atingem o seu resultado. E há outras ações que, além de atingirem seus objetivos, a sua realização é mais fluida, harmônica ou sei lá o que. Mas é diferente. Há atacantes de futebol que fazem gols. E há atacantes de futebol que fazem gols, mas o fazem de maneira e com uma qualidade diferente. Não sei definir direito isto. Mas vendo é fácil identificar formas de realização que, chegando aos seus objetivos, são mais redondos em sua operação. É como um móvel de madeira que não tem quinas agudas, a gaveta desliza sem ruído. Tudo está em seu lugar. Arte é fazer bem-feito, não só fazer. Em  Psicodrama, Teatro Espontâneo ou Sociodrama esse fazer bem-feito nitidamente diferencia uma direção de outra. E o fazer bem-feito faz as atividades psicodramáticas ou de teatro espontâneo,  como as gavetas, deslizarem melhor e que seu objetivo seja alcançado de forma mais potente e surpreendente e suave. 

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Tempo, Tempo, Tempo

"Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo".
                    Caetano Veloso, Oração ao Tempo

Tempo não é o tempo cronológico medido pelo relógio ou ampulheta, apenas. Caetano diz que ele compositor de destinos. É o tempo criador. Estamos aqui falando do tempo vivencial e não só o vivido e medido. Ao Tempo experimentado, vivenciado, Moreno chamava de Momento. Aquele instante em que se cruzam as experiências relacionais, que nunca pode ser cronometrado, apenas sentido, vivido, experimentado, vivenciado. Pediram a Einstein, um dia, para explicar mais facilmente  a sua teoria. Disse ele: Caso você sente-se ao lado de uma pessoa amada durante uma hora lhe parecerá um segundo. Mas, se você sentar-se um minuto em uma chapa quente, esse minuto lhe parecerá uma hora. O Momento é fugaz, profundo, transformador.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Psicodrama não é técnica

"Minha filosofia tem sido mal-entendida e desconsiderada em muitos círculos científicos e religiosos. Isso não me impediu de continuar e desenvolver técnicas provenientes da minha visão de como o mundo deveria ser estabelecido. É curioso o fato de que esses métodos - sociometria, psicodrama, terapia de grupo - criados para implementar uma filosofia fundamental de vida subjacente, têm sido universalmente aceitos, enquanto a filosofia é relegada aos cantos escuros das estantes e bibliotecas ou de todo esquecida."
Esse é um escrito de Moreno. E ele chama a atenção, já àquela época, que descolar o método da sua filosofia fundante é transformar o Psicodrama, em todas as suas formas, em um mero exercício de técnicas de mobilização grupal. As técnicas psicodramáticas são poderosas de per si. Elas, apenas, são nada mais do que isto: técnicas. Mas seu uso embasado na filosofia do Momento, na atitude não-interpretativa, na compreensão da teoria dos papéis, na confiança explícita no grupo, na confiança explícita no poder criativo inerente a cada pessoa, na busca do estímulo à espontaneidade e à criatividade, isto é que faz com que técnicas psicodramáticas possam ser vivenciadas como Psicodrama.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

3 D

Assistir a um filme em 3D costuma ser diferente e surpreendente. Aparecem detalhes não imaginados e inesperados, embora existentes. A vida é em 3D. A vida é, no mínimo, tridimensional. As psicoterapias verbais são como relatos em 2D. A dramatização psicodramática, o palco psicodramático, dá a terceira dimensão faltante às psicoterapias verbais. Essa dimensão faltante, é o próprio corpo presente em ação. Na ação dramatizada em um palco psicodramático toda a nossa linguagem analógica corporal está ´presente. Não apenas a linguagem verbal. O significado da palavra não é expresso tão só pela palavra em si, mas pela forma com que é dita e contexto onde é usada. Por isto, um mesmo texto teatral pode ser encenado como comédia, drama, tragédia ou farsa. O texto em si, a palavra em si, é a mesma, são as mesmas. Mas a prosódia, a entonação, o ritmo, a expressão corporal, são outros. E por serem outros, são outros os significados. O palco psicodramático, a cena psicodramática, o Psicodrama em qualquer forma, é o espaço da linguagem analógica dos corpos em ação.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

ocupar e aproveitar

Conversando com pacientes, escuto essa frase: "Preciso ocupar meu tempo. Me aposentei, estou com muito tempo livre e preciso me ocupar". Pedi a eles que delimitassem um espaço na sala. E depois pedi que o dividissem em dois. No primeiro pedi que ocupassem o espaço. Essa era a instrução. Colocaram almofadas, cadeiras, livros e foram empilhando coisas enchendo o espaço.. Quanto ao outro  pedi que aproveitassem aquele espaço. De início procuraram repetir o que haviam feito. Depois se deram conta e fizeram diferente; Um fez um jardim japonês, outro um acampamento, outro um estúdio de pintura, outro uma piscina. E aí perguntei sobre o grau de satisfação, de prazer em cada um dos espaços. Sentiram a brutal diferença: Ocupar o tempo é uma coisa,  aproveitar o tempo é outra.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Paulinho da Viola, Chico

Ouvindo um samba antigo de Paulinho da Viola, Dança da Solidão:

"Solidão é a lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão

Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você 
Na dança da solidão"

Muitas imagens me ocorrem. Mas há uma especial. Desilusão e solidão. Des-ilusão. O desfazimento de uma ilusão. Havia uma ilusão reconhecida, mas não assumida. O desvelar a ilusão é sentido e expresso como desilusão. E seguindo o poeta Paulinho da Viola, esse desvelar revela a solidão oculta, embora existente. A ilusão é que seria a forma de velar, esconder a solidão. Solidão, ilusão, desilusão, solidão. E a roda gira e gira, sem parar. E  solidão é diferente de estar só. O estar só é espacial. O sentir-se só, a solidão, é relacional, é a ausência ou fragilidade dos vínculos. Como diz Chico Buarque: “Os poetas, como os cegos, sabem ver na escuridão.”

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

quadrinhos, psicodrama...

Gosto de quadrinhos. Gosto de graphic novels, na linguagem atual. O universo fantástico me atrai. No Universo Marvel há o herói Thor. E lendo esses quadrinhos o mundo da mitologia nórdica veio a mim, mais uma vez. Nessa mitologia há referencia de trés mundos: o Asgard, mundo dos Deuses; Midgard, mundo dos seres humanos; Nilfheim, os infernos. E entre o mundo dos deuses, Asgard, e o mundo dos seres humanos, Midgard, existe uma ponte chamada Bifrost. Essa ponte, essa Bifrost, une o mundo da fantasia e o mundo da realidade. Permite o transito entre os dois mundos, dois universos. Acho uma bela alegoria do Psicodrama

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...