quinta-feira, 28 de junho de 2018

Como hoje, 28 de junho, é aniversário de nascimento de Raul Seixas (*1941) republico essa curiosa e profunda semelhança entre o poema Palavras do Pai de Moreno e a música Gita.

PALAVRAS DO PAI
Eu sou o arqueado
Que se curva ao te levar.
Eu sou a mesa posta
Para te alimentar.
Eu sou a semente que cresce
Para te multiplicar.
Eu sou o seresteiro
Que canta para te alegrar.
Eu sou o passarinho
Que voa a te inspirar.
Eu sou a estrela
que brilha ao te coroar. (MORENO, 1992, p. 42).
GITA
 Eu sou a luz das estrelas,
 Eu sou a cor do luar, 
 Eu sou as coisas da vida,
 Eu sou o medo de amar,
 Eu sou o medo do fraco,
 A força da imaginação,
 O blefe do jogador,
 Eu sou, eu fui, eu vou.
 Eu sou o seu sacrifício,
 A placa de contramão
 O sangue no olhar do vampiro,
 E as juras de maldição,
 Eu sou a vela que acende,
 Eu sou a luz que se apaga,
 Eu sou a beira do abismo,
 Eu sou o tudo e o nada.


Gita (Raul Seixas, Paulo Coelho)

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Gita e Psicodrama

"Às vezes você me pergunta, perguntas não vão lhe mostrar..." Esse é um trecho de Gita, música de Raul Seixas e Paulo Coelho. E isso me remete ao aprendizado vivencial da Socionomia. Na letra da música faz-se referência a um algo qualquer que não é transmitido pelas palavras; a um tipo de conhecimento que não vem nem das perguntas nem das respostas. Faz-se referência à experiencia, ao experimentar, ao vivenciar. Era a isso que Moreno se referia quando escreveu: "As ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato, qualquer que seja o meio, primeiro em forma não trabalhada e espontânea em que elas apareçam". O palco, a cena, o drama tudo isso são instrumentos para colocar o corpo no ato. Possibilitando que as perguntas e respostas surjam da ação e na ação dramatizada. 

sábado, 16 de junho de 2018

Ego Auxiliar

Quando não podemos fazer algo apenas por nós mesmos pedimos ajuda à instrumentos, objetos ou a outras pessoas. Aos míopes, o óculos é um instrumento que corrige algo que sozinho eles não conseguiriam. Às crianças, os pais cumprem essa função de proteção, subsistência, que, sozinhas, elas não conseguiriam. A essa função de suprir o que falta no palco psicodramático Moreno chama de Ego Auxiliar (Auxiliary Ego). O Ego Auxiliar entra em cena para auxiliar ao Protagonista  e também ao Condutor/Diretor. Ao tempo em que complementa os papéis desempenhados pelo Protagonista também serve de instrumento do Diretor/Condutor para interferir na cena. É uma função complexa: precisa ter sensibilidade em sua percepção e confiança em sua espontaneidade. Até certo ponto ele irá desempenhar os papéis seguindo as indicações do protagonista, mas suas intervenções espontâneas são vitais para a descristalização da mera repetição da cena dramática. Essa função pode ser desempenhada por uma pessoa específica treinada para isso ou, mais comumente, um membro do grupo escolhido pelo protagonista para desempenhar um papel. E essa escolha já envolve alguma outra coisa que é o Co-Inconsciente (depois falaremos disto). O Ego auxiliar escolhido a partir do grupo agrega uma vantagem terapêutica. Tanto o protagonista se beneficia quanto o escolhido para ego auxiliar. Muitas vezes ele atuará num papel que, para ele mesmo, será terapêutico por se tratar de papel ou relação conflituosa em sua própria vida. 

domingo, 10 de junho de 2018

Tele e Chico Buarque

Ela é dançarina (Chico Buarque)
O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina
Ou: quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina
Nas questões de casal
Não se fala mal da rotina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando caio morto
Ela empina
Ou: quando eu tchum no colchão
É quando ela tchan no cenário
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
O seu planetário
Minha lamparina
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim.
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina.
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço a Deus do céu uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando esquento a sopa
Ela cantina
Ou quando eu Lexotan
É quando ela Reativina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Viro o calendário
Voa purpurina
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

 Essa música de Chico que estava agora escutando me leva a pensar num conceito Socionômico/Psicodramático. O conceito de Tele. Acho que intelectualmente não é um conceito difícil de apreender. Todos conhecem o conceito fenomenológico de Empatia que em alemão é Einfühlung. Em patia sendo a capacidade de um observador penetrar no mundo interior do outro para assim ver e sentir o mundo a partir da posição do outro. Como a Teoria Moreniana é relacional, a Moreno interessava que essa possibilidade fosse bilateral. Que numa relação humana o s membros dessa relação pudessem mutuamente se perceber com o olhar do outro. Como se tratava de algo bilateral, ao contrário da Empatia que é dirigida do observador ao observado, Moreno criou esse neologismo: TELE. Uma empatia em mão dupla. Por trocadilho ele, em alemão chamou de Zweifühlung já que Ein é o numeral 1 e Zwei é o numeral 2. Einfühlung é Empatia, mão única. Zweifülung é TELE, mão dupla, recíproca.
E Chico Buarque? Ele traduziu poeticamente uma relação em que os dois envolvidos nela nunca estão compartilhando o mesmo palco. Existencialmente TELE é ter o mesmo projeto cênico no palco da vida. É poder, como os atores, pressentir a deixa do outro, é poder complementar o outro com sinais iguais. É atuar em papéis diferentes, mas na mesma peça e no mesmo palco. A bailarina e o funcionário não conseguem.  
"No ano dois mil e um, se juntar algum, eu peço uma licença, e a dançarina, enfim, já me jurou que faz o show pra mim."
         Talvez então.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Psicodrama, Fernando Pessoa

Em um apontamento de Fernando Pessoa, por ele atribuído a Ricardo Reis, ele diz que Poesia não é um derramamento de emoção mas sim a emoção submetida à disciplina do ritmo e da métrica. Em outro poema - Isto – ele diz: “Dizem que finjo e minto tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração”. Não vejo melhor definição de Teatro Espontâneo. O protagonista sente com a imaginação e tem sua emoção sob a disciplina do ritmo e da estética. Este é o antídoto do espontaneísmo e da impulsividade histriônica.  .Em “Autopsicografia” diz Pessoa: O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem. “Não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm.” O protagonista finge a dor que tem e estas são as suas duas dores: a sentida e a dramatizada. Os participantes, quando não aquecidos, não envolvidos, sentem apenas a que eles não tem. Em Medicina, quando se fala de alergia, há o conceito de Atopia: pessoas que, diante de estímulos comuns, de intensidade pequena, reagem de forma brusca e excessiva. O olhar poético é o olhar “atópico”. O poeta reage de forma marcante e profunda diante de estímulos banais ou simples ou comuns. Diante do grave, do pesado, todos reagem, mas diante do já visto e não enxergado, só o poeta. Mário Quintana diz: “O poeta não lê poesia. O poeta lê os classificados”.

sábado, 2 de junho de 2018

Alice e a Teoria Socionômica

"Eu…. eu…. Nem eu mesmo sei, nesse momento... eu... enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então." Esse é outro trecho de Alice no País das Maravilhas. E esse trecho me lembra umas das essências do Psicodrama, do Sociodrama, do Teatro Espontâneo, da Socionomia, enfim. O senso comum atribui à fixidez, à imobilidade, à constância, um valor mais do que significativo. Como se ser sempre a mesma pessoa fosse o objetivo a ser desejado. E atribui à metamorfose, à mudança, a alteração, ao deixar de ser, um valor negativo, algo a ser execrado. E à Teoria Socionômica tem valor fundante as ideias de poder ver e fazer de outra forma, flexibilidade, possibilidade de fazer o contrário. Do acordar ao dormir, da realidade da vigília à realidade do sonho, nos transformamos várias vezes. Alice tem razão.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...