Selfie ou autorretrato (quando falávamos português) é ver-se numa imagem fotografada por si. O que difere de uma foto tirada por outra pessoa? Penso ser o ângulo. Numa fotografia qualquer nos vemos como algo fora de nós. Vemo-nos como os outros nos veem. Num autorretrato (selfie) somos o agente e e o objetivo. Aquele que faz e, simultaneamente, é o centro da atenção. Estamos sempre mais próximos na selfie que numa foto comum. O olhar de quem fotografa é o olhar fotografado. E daí? Há esta ideia pairando em minha cabeça. A interpretação é como uma foto tirada de nós por outra pessoa. A experiência psicodramática é como uma Selfie, um autorretrato. Somos nós vendo a nós. O foco é dado por mim, O ângulo é orientado por mim. Sou autor e ator de minha foto: Selfie. Sou autor e ator de minha história: Psicodrama/Teatro Espontâneo
domingo, 27 de outubro de 2019
quinta-feira, 17 de outubro de 2019
Que viva o Teatro Espontâneo!
Interessante (ou doloroso) que o Teatro Espontâneo seja colocado como uma outra forma de instrumento de intervenção na Sociatria, denominação dada em Socionomia ao conjunto de Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama e TE. Na prática, no dia a dia, o TE é colocado como o filho meio cabeça de vento, criativo, mas pouco sério, sem muito futuro. As pessoas sérias, os psicodramistas sérios fazem Psicodrama, Sociodrama ou Axiodrama. TE não. TE é para artista, extrovertido, diversão. Bom de se ver. Apenas. E como isto tem sido ruim e danoso ao desempenho da direção de qualquer ato socionômico. O sempre lembrado, por mim e por muitos, Moysés Aguiar, costumava dizer que o Psicodrama tornava-se cada vez mais Psico e cada vez menos Drama. O nosso diferencial, nosso sustentáculo, nosso pilar, o palco, a cena estavam sendo deixada cada vez mais de lado em nome do enfoque Psico. E o que podemos com o TE? Teatro Espontâneo é bom, é necessário, é vital, para todos os que trabalham com a Sociatria e a visão Socionômica de vida. Não é só para a plateia que o TE é importante. mas para o profissional socionômico. E por que? Por que ao dirigir um TE aprende-se a construir e dramatizar histórias. Aprende-se a desenvolver o senso de história. Aprende-se a descobrir o que pode ser dramatizado e o que não pode. Aprende-se a manter atenção plena do aquecimento grupal, sob pena de nada acontecer. Aprende-se que a atenção à estética da cena aumenta, potencializa a eficácia da dramatização. Aprende-se que o ritmo da cena é tudo. Aprende-se que não levar o ritmo em conta compromete terrivelmente o aquecimento grupal. Enfim, fazer TE, para qualquer que seja o psicodramista, faz com que ele faça o que faz melhor e com maior potência. Teatro Espontâneo é o tronco central onde corre a seiva da Socionomia. Dele saem os ramos de Psicodrama (TE aplicado à clínica, a uma história individual), o Sociodrama (TE aplicado a temas de papeis sociais), o Axiodrama (TE em que o tema da sua história são valores éticos). E também ao lado pedagógico/organizacional. Tudo é Teatro Espontâneo, aplicado a situações especificas ou grupos específicos ou temas específicos.
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
As voltas que o mundo dá: A estrada enevoada
Motivo: Teatro Espontâneo (TE) na Jornada de Psicodrama da PROFINT. Espaço: Uma sala cheia de obras de arte deixando um espaço central para o palco. Público: Estudantes de Psicodrama, estudantes de Psicologia, profissionais. Todos expectantes. Pouquíssimos haviam experimentado um TE. Sentimento prévio da Direção: Privilégio e temor. Privilégio pela beleza do espaço e temor pela possibilidade de dano a alguma peça pela movimentação dos participantes. Fala o Diretor: propõe um aquecimento minimalista evitando grandes rompantes físicos. Depois de algumas ações aparece uma imagem escolhida pelos participantes: Uma estrada enevoada. Apenas isto. E é esta imagem que conduz o resto do trabalho. O Diretor pede quatro voluntários para “fazer qualquer coisa”. Risadas depois, surgem os quatro atores. Constrói-se uma primeira cena experimental. Caminhoneiro e ajudante numa estrada esburacada. Os dois atores, desaquecidos, são caricaturalmente engraçados. Cena congelada. Ao grupo é perguntado a sensação, o sentimento do momento. “Perdida, não sei aonde vai dar”: O sentimento mais presente no grupo naquele instante. Peço que compartilhem histórias com este clima de se estar perdido, não se ver à frente, não ver saída. Aparecem várias histórias. Uma com forte intensidade emocional: Mãe falece, filhas em casa, filho, único homem, é obrigado a retornar de outro estado, abandonando a vida já construída para cuidar de tudo o que ficou. Clima pesado. Peço ao dono da história para usá-la como enredo inicial de nosso TE.
O grupo escolhe dois personagens, André (o filho) e Ana (a filha). Uma atriz espontânea escolhe ser André, 30 anos. Outra atriz espontânea escolhe ser Ana, 18 anos. Espaço e tempo: Quarto de Ana, dia seguinte ao sepultamento da mãe. Ana chorosa na cama. André tenta animá-la e a consolar: “Você precisa voltar à realidade, encarar a realidade”. Diz isto em voz baixa e contida, com gestual discreto. Ana responde aos gritos: “Eu perdi a minha mãe!”. A cena prossegue com André pouco incisivo, com argumentos racionais, balançando a cabeça de um lado ao outro, lentamente. Peço-lhe seu solilóquio. “Estou sem saber o que fazer, eu também sofro por ela ter só 18 anos, mas ela devia compreender!”. O incômodo da plateia é perceptível. Congelada a cena, peço um duplo da plateia para o personagem que quisesse. “Estou irritado, muito irritado com você! “, fazendo o duplo de André dirigindo-se a Ana. Com a cena congelada pergunto se alguém quer ocupar algum lugar na cena. A primeira pessoa entra no palco com muita disposição. Entretanto, quando a cena começa ela começa a diminuir o ritmo e a repetir o mesmo gesto de balançar a cabeça. Seu solilóquio: “Não sei mais o que fazer”. Em seguida, o dono do duplo “estou irritado” se apresenta. Entra no quarto, dirige-se a Ana deitada, chorando e fala em tom autoritário e incisivo: “Você não só tem 18 anos, você já tem 18 anos”. “Só temos nós agora”. Ana retruca com violência: “eu perdi minha mãe ontem, você que mais o quê?”. Este dialogo é congelado pela violência das palavras, intensidade emocional e proximidade física das personagens. E é pedido que continue em câmara lenta gestual, mas acentuando a intensidade verbal. Uma pessoa entra, no papel de uma vizinha, D. Maria. Ela entra no quarto, no palco, abruptamente, dirigindo-se a Ana. André grita:”Como você entrou, o que você está fazendo aqui?”. .D. Maria abraça Ana, a beija, a conforta. Peço a André seu solilóquio: “O que esta mulher está fazendo, este problema é só nosso, que invasão é essa!” Diz isto balançando a cabeça veementemente. Pergunto se mais alguém quer experimentar e uma pessoa ocupa o lugar de Ana. Recomeça a cena da briga, sem a vizinha. Mas agora Ana agride a André: “Você não estava aqui, você foi fazer sua vida longe daqui, eu estive aqui, eu fiquei com minha mãe!”. A cena continua com Ana acuando a André: “Você quer que eu fique logo bem para poder voltar a sua vida!”. André a olha sem resposta. Seu solilóquio: “Não tenho saída”. Solilóquio de Ana: “Te peguei!”. Paro a cena aqui e olhando a plateia há uma participante francamente comovida, tremendo. Diz em seu solilóquio:”Foi isso que vivi quando meu irmão foi assassinado”. Chora muito, mas dá-se por satisfeita com a continência grupal. Dirijo-me ao dono da história e ele diz: “Foi sofrido e doloroso ver tudo de novo, mas foi bom para poder continuar lidando com tudo”. A vizinha Maria diz ter pedido o pai há dois meses e não suportar ver uma família desfeita. O primeiro André compartilha sua grande necessidade de controlar e controlar-se, de manter o equilíbrio. A primeira Ana (estudante de Psicodrama) conta ser sua primeira vez que se dispõe voluntariamente para entra em um papel e ficou surpresa em perceber que tudo era real para ela. O “irritado” André, o segundo André, fala de sua própria experiência quando ele teve que ser o “André” durante uma crise familiar, “escondendo o que sentia para ajudar aos outros”. A última Ana conta sua história de abuso, bullying e incapacidade de reagir diante de agressões. O grupo me pergunta: “Tom, você não vai compartilhar?”. Conto-lhes, então, ser esta também minha história. Também fui ”André”, também tive que engolir o sofrimento em função de lidar com a situação, também fui obrigado a deixar coisas para fazer coisas, em um tempo de minha vida. A plateia olha-me com perplexidade e simpatia.
Tudo isto que aconteceu durou uma hora e 15 minutos.
E agora? O que é TE (Teatro Espontâneo)? É a alma-mater da Sociatria. No método socionômico as intervenções são agrupadas no título Sociatria. Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama. Geralmente aí é incluído o TE, como se fora outro instrumento de intervenção grupal. O que proponho é não ser o TE um outro instrumento sociátrico, mas, sim, o verdadeiro tronco de onde se originaram os ramos Psicodrama, Sociodrama e Axiodrama. Ou como Moysés Aguiar dizia, um guarda-chuva sob o qual estavam as modalidades citadas. Desta maneira de ver, um TE em que a história e o papel protagônico são desempenhados pelo representante grupal, ou dito de outra forma, quando o enredo pertence ao ator, tem-se um Psicodrama. Se o TE é tematizado em papeis sociais, num grupo em que o foco está nesses papeis sociais, na história daquele grupo, teremos um Sociodrama. Se enfim, o TE está centrado em temas de natureza ética, valores éticos, aí teremos um Axiodrama.
Mas, o que é TE? É a dramatização de uma historia criada pelo grupo. É uma obra coletiva na criação e execução. O aquecimento leva a imagens, histórias. Ao grupo cabe transformá-las em narrativas dramatizáveis. Isto é o fundamento do TE. Recriar, retomar, a capacidade infantil de criar e contar histórias. O senso de história: início, desenrolar, conflito, resolução. Em nosso TE vivenciado naquela Jornada Sergipana, após o aquecimento o grupo escolhe sua imagem-tema daquela tarde: uma estrada cheia de neblina. A primeira encenação foi literal. Uma estrada, a neblina, um caminhão, dois personagens. Em seguida a esta cena, o grupo diz-se, sente-se, demonstra estar perdido, sem saber aonde ir. O clima de desnorteamento passa pelo grupo. Essa primeira ação dramatizada produziu o aquecimento necessário para a dramatização de outro tipo de estrada enevoada, a estrada da vida. Como este era o tema protagônico daquele grupo, naquele momento, houve consonância e ressonância da plateia. Em cada instante em que havia um ponto de tensão maior, um ponto de paralisia de ação, ao grupo era devolvido a possibilidade de intervir, introduzindo atores novos ou personagens novos. O aparecimento da personagem Maria, elemento salvador no triangulo dramático (perseguidor-vítima-salvador); dos novos André, da nova Ana conduzem a um clímax dramático. E no TE, como em qualquer manifestação artística, cabe ao espectador, à plateia, dar sentido, dar significado àquilo mostrado e vivenciado.O grupo coloca a legenda na foto.O grupo no TE ou o protagonista no TE chamado de Psicodrama. A primeira imagem escolhida , da estrada enevoada, pode ser a legenda dos gestos desesperançosos de balançar a cabeça dos André, na fala “não sei mais o que fazer”, na violência da impotência.
“No meio da estrada da vida”. Assim começa a Divina Comédia de Dante Alighieri. O filme de Fellini “A estrada” tem o mesmo tema. Na maturidade ou em qualquer momento, a estrada pode tornar-se cheia de neblina. Em que tudo parece incerto e duvidoso. Em que não se vê propriamente o caminho. Quando os sentimentos vigentes são de perdição, impotência, raiva.
Assim foi o nosso TE. Assim é o Teatro Espontâneo.
“Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro.” Mensagem, Fernando Pessoa
terça-feira, 8 de outubro de 2019
Felicidade?
Estava lendo um livro besta, policial. Mas, neste livro, apareceu um conceito que me deixou intrigado. Lá estava numa fala de um personagem: "A felicidade é resultado de uma relação entre expectativa e realidade". Ou seja, pensando um pouco, quanto menor a expectativa e menor a realidade, menor será a felicidade? Uma pessoa dentro de seu mundo delirante, em que a realidade compartilhada pelos outros não é vivenciada por ela, sua expectativa é limitada pela sua realidade delirante, apenas. Ou uma pessoa com zero expectativa quanto a si, caso sua realidade lhe oferte cem por cento, ele será feliz? E afinal de contas o que seria felicidade? O poeta Rilke tem um verso em que diz: "todos conhecem a espera angustiosa diante de um palco vazio: ergue-se o pano sobre o cenário de um adeus". Martinho da Vila diz: "Felicidade, passei no vestibular, mas a faculdade é particular". Vinícius, o poetinha Vinícius: "A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, gira tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar". Felicidade não é um conceito da área PSI. Felicidade é um conceito existencial. "Pursuit to happiness" . Perseguir, buscar a felicidade, ir atrás, é dar concretude a algo que é resultado de algo e não causa de alguma coisa. Buscar felicidade é esquecer que felicidade é o resultado de uma ação. Não é a condição para a ação. Desta forma de pensar, felicidade não é objetivo para psicoterapia ou psiquiatria. Pode-se ser assintomático e infeliz. E vice-versa, sintomático, mas feliz.
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