quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Inícios e fins

 O ano do calendário está se encerrando. Chegará, enfim, amanhã, o dia número 365. E depois o Dia 1 estará aí. O calendário diz que as coisas terminam e recomeçam. Todo ano há um fim de ano  e há um primeiro dia do novo ano. Mas, em nós, parece que vivemos como se a estrada da vida fosse uma linha reta de mão única. Parece-nos que os começos são novidades e os fins são definitivos. Talvez por isso a culpa esteja presente sempre em nós, como se o passado fosse sempre passado, irremediavelmente passado. E o futuro nos chega como sempre oportunidades únicas, irrepetíveis, o tal do cavalo selado que só passa uma vez. "Perdeu, playboy!". E se, realmente, olharmos para as coisas como se houvesse, sempre, a possibilidade, de fazer de forma diferente aquilo que se fez e não deu certo? E se pudéssemos experimentar novos erros, em lugar de imobilizarmo-nos na culpa penitencial? Na filosofia Moreniana que embasa o Psicodrama está sempre o presente, palco do passado e da expectativa do futuro. Mas sempre o presente. Onde, ajudados pela louca da casa, a imaginação, podemos experimentar a re-visão do passado e viver o futuro. E, por fim, sair da imobilidade da culpa e da dor (do passado) e da imobilidade do temor (do futuro). Psicodrama é mais do que exercício de técnicas psicodramáticas. Psicodrama é o exercício contínuo da flexibilidade como instrumento do viver. Que possamos cometer erros novos. Porque repeti-los não é inteligente, e não tê-los é estarmos imóveis e imobilizados na vida.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Star Wars e a Loja Mágica

 Há alguns dias estava assistindo a Império Contra-Ataca, Star Wars. E Yoda, Mestre Jedi, ao ser perguntado por Luke o que encontraria na caverna, responde: "Você encontrará o que você levar com você". Hoje, cedo, li uma provocação de um velho amigo Jorge Augusto (Gina) sobre uma técnica muita conhecida do Psicodrama, a Loja Mágica. Esse jogo dramático é simples. Alguém assume uma loja e todos do grupo podem vir pegar o que quiser e levar. Mas, há uma condição: tem que deixar algo em troca que talvez outro pegue. Se, imaginariamente, pretendo levar "criatividade", preciso escolher  o que deixar. Impulsividade, p. ex. Mas, talvez o próximo que viesse buscar  paz, escolha a impulsividade deixada pelo outro e explique :"Percebi que preciso é de mais ação, movimentar-me mais, deixar de ficar à espera". Não é certo e errado, não é bom ou ruim. É sobre perceber o que se tem e de que se precisa. É sobre sair do pensar estereotipado. Talvez haja sido o que Mestre Yoda queria fazer Luke perceber: Se não sabemos o que temos e carregamos encontraremos sempre isto pelo caminho. Ao Psicodrama/Teatro Espontâneo cabe a perspectiva do explorar, experimentar dramaticamente, de possibilitar sair dos caminhos antigos e, por isso, conhecidos e repetidos. Falando psicodramaticamente, a forma de sentir, pensar, ver e agir conservadas, tornadas conservas, fixas e imutáveis, podem ser (e são!) atingidas e modificadas pela experiência psicodramática.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

De Solstícios e Anos Novos

 Como a órbita da Terra é elíptica e o globo terrestre ocupa um dos focos da elipse, em dois períodos do ano o dia é mais longo (Solstício de Verão) ou mais curto (Solstício de Inverno). E em dois períodos, os dias e noites têm a mesma duração (Equinócios de Primavera e Outono). Nos tempos antigos esse eram sinalizadores de tempo para os seres humanos. O Equinócio de Primavera marcava o inicio do ano, do plantio. No Hemisfério Norte corresponde a meados de Março. O Solstício de Verão (meados de Junho) no Norte era comemorado com fogueiras. E o Solstício de Inverno (meados de Dezembro), como era a noite mais longa do ano, marcava o fim da trajetória de Inverno e o início da caminhada do Sol em direção à Primavera. Essa data sempre foi considerada no hemisfério Norte como a data de nascimento de grandes guias da humanidade. Krishna, Mitra, e posteriormente, Jesus, por anunciar o retorno à vida depois de  inverno rigoroso. Para nós do Hemisfério Sul prece contraditório por termos herdado a cultura do Norte. Mas, independentemente da geografia, o simbolismo permanece. O tempo sempre foi cíclico para a humanidade. Após inverno, o renascimento da primavera. Após gelo e penúria, pode-se esperar o plantio e a abundância. O tempo mítico sempre foi cíclico. Nossa cultura competitiva é que criou o tempo linear, de sucesso ou fracasso, ganhar ou perder, ser o primeiro ou ser derrotado. O fim do ano, o fechamento do ano gregoriano, traz embutido a sensação de nova chance, novos planos, novas oportunidades. "Promessas de ano-novo". Essa possibilidade de fazer de outro jeito, de experimentar outros caminhos, de fechar um ciclo e abrir novos ciclos, de sair do imobilismo trágico, é a filosofia Moreniana do Psicodrama. Que seja um feliz Solstício (Verão ou Inverno) e que seja uma nova Primavera. Que seja um novo ano!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Pra você

 Em 1970 o cantor e compositor Silvio Cesar (os mais antigos lembrarão!) lançou a música Pra Você, sucesso estourado à época. No final há esse verso: "Ah, se eu fosse você, eu voltava pra mim". Solução poética maravilhosa. E, psicodramaticamente, também. O conceito de Inversão de Papéis, não só uma das três técnicas fundamentais do Psicodrama, como é, também, o grande objetivo relacional da Socionomia. .A possibilidade de inverter os papéis numa relação permite que os dois envolvidos acrescentem a visão de mundo do  outro à sua própria. Quanto mais inversões de papéis aconteçam nos vínculos, mais eles se tornam estáveis. Menos monólogos alternados e mais diálogos reais. No verso de Sílvio César, imaginemos a cena em um palco psicodramático: o casal, o par, e um diz: "eu quero voltar para você". Invertem os papéis. Aquele que escutou a frase é quem a diz agora:: "eu quero voltar pra você". Aquele que o diz agora, ao retornar a seu papel original, tem a chance de perceber, "de dentro", como o outro se sente. Não apenas o que diz, mas como sente. Isto significa que haverá "happy end"? Não. Significa que os dois podem decidir com base na experiência do outro, acrescida à sua. Silvio César, os poetas, a arte, os artistas, como sempre, chegam primeiro e mais esteticamente bem resolvidos, aos conceitos relacionais que nós, profissionais da área penamos em descobrir.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

prurido na língua

Talvez a maior dificuldade para um psicodramatista é deixar de ter a postura e expectativa interpretativa. Essa é natural do ser humano. Perguntar "Por Que?" Pressupor o Por Que?. É quase algo instintivo, responder-se a qualquer comentário de alguém com um "por que vc fez?", por ex. A mudança que o Psicodrama cobra inicia-se no próprio psicodramatista. Aprender a ver, enxergar e propor uma cena em que o protagonista, por ele mesmo, veja e enxergue e conclua o que puder concluir. Abster-se do prurido na língua de dizer algo inteligente, mas que é sua conclusão, sua interpretação, seu ponto de vista. E não de quem, essencialmente, será o próprio agente de sua mudança: o Protagonista.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

engrenagens e vínculos

 

Assistindo mais uma vez a Tempos Modernos com Charlie Chaplin. A imagem das engrenagens girando permanece em mim. Carlitos girando preso nelas, embora com um sorriso no rosto. Olhando, o que vemos são rodas denteadas rodando em velocidades diferentes, com tamanhos diversos, com número de dentes variados. Girando ritmicamente. Pensando num sistema de engrenagens, quando uma delas muda seu passo todas as outras mudam também. Ou rangem, ou fazem barulho ou quebram. As relações humanas, nossos vínculos, são algo como sistema de engrenagens, Tal como essas, aquelas. Os vínculos tem seu tempo de amaciamento, em que as engrenagens no atrito mútuo, vão-se desgastando, amaciando-se, para que girem sem ruídos. Também os vínculos precisam de um tempo de cessões mútuas. E se uma delas altera seu passo, sua engrenagem complementar necessita alterar-se. Uma mudança em uma das pontas do vínculo obriga a mudança na outra ponta. Assim como na mecânica: não sendo feito o ajuste do passo, do ritmo, haverá ruído, barulho, rompimento, quebra. Estendendo a analogia, se uma das engrenagens é feita de uma material maximamente duro e e rígido, ela não se desgastará no processo de amaciamento. Não haverá ruído nem rangido, mas às custas do desgaste unilateral da engrenagem complementar, de sua destruição mesmo. Nos relacionamentos, a inflexibilidade, a rigidez, o autoritarismo de um dos lados promoverá o desgaste unilateral da engrenagem-vínculo complementar. Não haverá ruído nem rangido nem barulho. E tudo isto ás custas da destruição de um dos lados do vínculo. A paz dos cemitérios.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Duplo, dublagem

Dirigindo um encontro de Psicodrama/Teatro Espontâneo, em um momento precisei intervir com um Duplo (Dublagem). Algumas pessoas que não conheciam o Psicodrama perguntara, ao fim, o que era aquilo. Explicar a técnica de Duplo ou Dublagem não é muito fácil. Usar essa técnica é ainda mais difícil do que explicá-la. Vamos lá. Imaginemos uma cena. Alguém faz uma pergunta ao protagonista. Esse emudece, dando mostras fisionômicas de angustia. O Diretor pede a  um dos ego-auxiliares para fazer um Duplo. O Ego-Auxiliar aproxima-se do protagonista, assume sua postura e diz algo. O que é esse algo? Aí é o difícil de explicar e fazer. Não é uma interpretação, não é uma ajuda, não é o que o Ego-Auxiliar acha que deve dizer, não é a interpretação do Diretor. Então, o que é? Vamos a outro conceito. Outro conceito difícil. Co-Inconsciente grupal. Não é Inconsciente Coletivo Junguiano, Moreno nunca precisou esse conceito, nunca o definiu claramente. Mas, no exercício do psicodrama percebe-se o fenômeno. Quando o agrupamento de pessoas reunidas transforma-se em um grupo pelo aquecimento inespecífico, esse grupo construído funciona como um individuo. cada um dos membros do grupo é parte e parcela do grupo. Portanto, o que perpassa o grupo, perpassa cada  um dos presentes. Então, quando o Diretor pede a um Ego-Auxiliara um duplo do Protagonista, ao fazê-lo ele estará emitindo algo que pertence ao Protagonista. Não pertence ao membro que faz o papel de Ego-Auxiliar. Não é uma escolha racional, pensada. Ao se colocar na mesma posição, estando aquecido para o papel, ele "abre a voz e o tempo canta" (Chico Buarque). Neste caso, em vez do tempo, quem fala é o grupo. Por isso, a Palavra Dublagem seja uma tradução mais compreensível para "Double". O Ego-Auxiliar coloca outro texto na boca do protagonista, e esse texto advém de do Co-Inconsciente grupal. Parece mágica, mas é a resultante da coesão grupal.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...