quarta-feira, 24 de agosto de 2022

vaidade existe?

 Como fica a vaidade humana na pele do Diretor de Psicodrama, condutor de grupo? Há um sinônimo que é fatuidade, cuja definição, "qualidade do que é efêmero, pouco importante", talvez explique melhor nosso problema.  O Diretor/condutor de um grupo é o primeiro membro do grupo a estar presente, é o membro do grupo que se torna o ponto focal para o aquecimento grupal, organizador, produtor e analista do grupo. Portanto, um papel essencial, fundamental. Mesmo em grupos autodirigidos, alguém se destaca, por estar mais aquecido, para lidar com a situação. Nesses grupos autodirigidos apenas não há o papel previamente determinado, de diretor. Mas o papel existe. Quando me refiro à vaidade, fatuidade de quem exerce o papel de Diretor grupal psicodramático, estou-me referindo ao poder inerente à função. É um poder efêmero, mas não é pouco importante. Penso ser sempre necessário a quem conduz grupo ter em mente isso: Não se deixar levar pelo brilho, poder ou, simplesmente, prazer em manipular o grupo. Moreno foi sábio quando insistiu em que o Diretor faz parte do grupo, é atravessado pelas mesmas correntes daquele grupo. O que o coloca no papel de Diretor, e o mantém, é estar diferenciado o suficiente para perceber todas as nuances de fluxo, contrafluxos, ocultamentos, dificuldades, expressas pelos membros do grupo e pelo próprio grupo. Esta postura crítica e diferenciada em relação a si, deixar-se ser atravessado e perceber o atravessamento, ajuda a ser o contraponto da natural vaidade humana. E isso, além do Psicodrama, também se refere a todos os outros grupos humanos.

sábado, 13 de agosto de 2022

Psiquiatria e Psicodrama

 Quando uso um adjetivo, sua função é a de delimitar e qualificar um substantivo. Um navio verde não é todos navios, é apenas o navio verde. Quando digo que sou Psiquiatra Psicodramatista, não estou dizendo que sou Psiquiatra E Psicodramatista, dois substantivos separados. Estou dizendo que ao modo de exercer o papel de psiquiatra agrego um modificador, um qualificador: Psicodramatista. Todos os papéis sociais têm um denominador coletivo e um diferenciador subjetivo. Neste caso o diferencial é a atitude, o olhar psicodramático.

A prescrição, a medicação, a possível internação, a vigilância, o diagnóstico, nada disto é diferente do psiquiatra não psicodramista. O que difere é o como. Reconhecer que mesmo investidos de um poder aparente (muitas vezes real) continuamos a ter no paciente psiquiátrico uma outra pessoa, em um papel complementar, com seus quereres e haveres. Ter claro que se trata de um vínculo assimétrico (eu prescrevo, ele ingere) mas que continua sendo um vínculo complementar. Naquele momento, naquele contexto, naqueles papéis, estamos estabelecendo uma relação. O psiquiatra dá o remédio mas é o paciente quem o toma. E que mais é o remédio psiquiátrico que um Ego Auxiliar químico? Por algum tempo, por muito tempo ou por todo o tempo, o remédio irá suprir o paciente com algo que neste instante ele não o tem. Ela, a medicação, nem é Deus nem o Diabo na Terra do Sol.
Antes da prescrição, entretanto, há a consulta. De regra, o paciente psiquiátrico não vem à consulta. Ele é trazido, levado, empurrado, obrigado. Quase nunca desejoso de ali estar. Como, então, estabelecer um vínculo com ele? A minha primeira pergunta, sempre, ao paciente é: “Como você se sente agora neste consultório psiquiátrico?” É a partir daí que pode se estabelecer nossa relação. Neste instante aparecem as dúvidas, os preconceitos, os medos, as imposições e chantagens familiares, as piadas. Posso passar, e às vezes passo, quase toda a consulta discutindo sobre este tema ainda sem perguntar a razão da vinda ou da “trazida”. Quando ultrapassamos este ponto, sempre ou quase sempre, já teremos criado uma relação vincular. “Eu conheço Psiquiatria mas você conhece a sua Vida”. É assim que manifesto a assimetria de nosso vínculo.
Ele sabe mais de si do que eu. Eu sei mais de doenças que ele. O que proponho é que juntemos os nossos conhecimentos e transformemos nosso encontro em alguma coisa útil e prazerosa. Neste encontro uso todos os recursos que o Psicodrama nos dá. Seja pedindo seu solilóquio em um momento de silêncio, seja dando voz a um gesto significativo, seja realizando um duplo em um outro silêncio. Principalmente, é não ficando preso à cadeira de médico. A mobilidade corporal do Diretor Psicodramático incorporada no psiquiatra aparece numa ida à janela com o paciente, em uma caminhada pelo consultório durante a entrevista. Ele sabe mais de si do que eu. Eu é que preciso me esforçar para suprir esta lacuna. E nisto está a questão da confiança. Ela não é dada, é construída. Por que deve um paciente contar a uma outra pessoa que nunca viu e sabe apenas que é médico (quando sabe!), detalhes íntimos, perturbadores, vergonhosos, pessoais? Por que o paciente tem que falar tudo ao médico psiquiatra? “Ele é seu amigo, conte tudo a ele”. Assim falam os acompanhantes. Por isso, nestes momentos da consulta, eu me apresento, digo a ele quem sou, onde e como me formei, quais meus pontos de vistas sobre psiquiatria. No papel social de psiquiatra, abro e exponho ao paciente que psiquiatra sou eu. Tenho uma biblioteca em meu consultório. Frequentemente peço ao paciente para ir lá ver o que tem e trazer algo que lhe interesse. Às vezes um livro, às vezes um objeto de decoração, uma revista. “Veja a minha biblioteca e você vai conhecer um pouco de mim”. Quando voltam, nós temos algo em comum, já podemos falar “nós”.
Sou Psiquiatra psicodramatista para aqueles que me procuram no papel de paciente psiquiátrico. Posso ser, entretanto, Psicodramatista Psiquiatra quando no curso de uma relação psicoterápica configura-se uma síndrome psiquiátrica. Se concluirmos, eu e ele, e entendermos eu e ele, que o remédio será uma utilidade, uma necessidade, haverá a prescrição e o acompanhamento clínico se dará como mais um dos fatos da vida do paciente que trabalharemos no palco psicodramático.
Finalizando e resumindo, o exercício da Psiquiatria Clínica pode ser profundamente enriquecido, sem que se transforme em uma psicoterapia “selvagem”, com a visão Psicodramática do Encontro, do Vínculo, da Complementaridade de Papéis e da Corresponsabilidade.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Analogia

 Fernando Pessoa diz em Mensagem que o "O mito é o nada que é tudo". Pegando essa afirmação talvez possamos dizer que uma analogia é um nada que é tudo. Analogia é uma relação de proporcionalidade que, entretanto, só existe nessa relação proporcional. "Uma tampa de caneta está para uma caneta assim como um chapéu está para uma cabeça". Essa é a parte desenvolvida da analogia "cadê minha tampa de minha cabeça" ao procurar meu chapéu. Exemplozinho meio fajuto, mas talvez, dê para entender. Não há nenhuma relação concreta e real entre tampa e chapéu. São coisas diferentes. Mas, ao estabelecermos uma analogia, criamos uma relação que é real enquanto dure. No Psicodrama e todas as atividades socionõmicas, as dramatizações são analógicas. Elas não são "reais'. Ali, no palco, durante a cena, se estabelece uma relação de proporcionalidade, de analogia, entre o que houve, entre o que se teme, e aquela cena. E nesse momento faz sentido. Há uma verdade poética, como dizia Moreno. A cena psicodramática é "um nada que é tudo".

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Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...