sábado, 27 de abril de 2024

Filme

Assisti ao filme Guerra Civil (aquele com Wagner Moura). E hoje lembrei-me dele. E de tudo que tem de impactante no filme, há esta frase emblemática: "Que tipo de americano você é?". Essa frase poderia ser mais ampla ainda: "Que tipo de ser humano vc é?" Ou ainda: "E você é ser humano?". Lembrei-me do título do livro de Moreno: "Quem sobreviverá?" Lembrei-me do tema do nosso XXIV Congresso Brasileiro de Psicodrama: "Que mundo nós queremos? Eu, Tu, Nós". No fundo esse é o nosso problema. Nós e Eles. Essa constante dicotomia. Quem não está comigo está contra mim. Outra era e é a ideia fundante do Psicodrama:  O ser humano é um ser em relação. Ou seja, ele se constitui na relação com o outro. O Outro não é o nosso oponente. É o nosso constituidor. Por isso a pergunta do filme, para mim, é tão impactante. Não há tipos de seres humanos. De alta categoria ou baixa categoria, ser humano de verdade ou sub-humano.  Não há gradações de importância para ser um ser humano. Desumanizar, tirar o status de humano, é o passo facilitador para pura eliminação dos seres ditos não-humanos. Ser humano e pronto. Apenas e tanto. Merecedor de vida, dignidade e respeito. Por ser humano.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Solidão vendida

 Vi uma propaganda do mercado imobiliário cujo título era: "Exclusividade é Sublime". A par do mau gosto de usar um adjetivo referente a um sofisticado sentimento (sublime), essa ideia de exclusividade ser a meta é discutível à luz da teoria Socionômica de Moreno. Tirando esse uso torpe da palavra sublime, vamos olhar a palavra exclusividade. "Qualidade do que pertence unicamente a uma pessoa". Sob essa ótica a solitária de uma penitenciária poderia ser vendida com a mesma propaganda. Mas, veja, na penitenciária é punição máxima, estar excluído do convívio de todos, estando totalmente só. Mas, como? Estar só é visto corretamente no sistema prisional como punição máxima. E é realmente. Mas, para vender um produto isto passa a ser desejável? Ser único, não ter com quem compartilhe. Assim também são vendidas ilhas, condomínios, peças de roupa. E a ideia de que o ser humano é um ser relacional? Que só existe na relação entre as pessoas? Ideia Moreniana que os tempos desfizeram. Vendem exclusividade e a pessoas compram solidão.

domingo, 14 de abril de 2024

Professor, Estudante

 Há alguns dias um grupo de estudantes de Psicologia me procurou porque querem fazer uma intervenção grupal usando o teatro espontâneo. Eles fizeram o trabalho intelectual, leram livros do mestre Moysés Aguiar, treinaram entre si. Enfim,  nos reunimos, presencialmente, como foi uma demanda minha. Durante cerca de três horas estivemos juntos experimentando o Psicodrama. Ao final, quando lhes peço o compartilhamento da noite, recebo algumas observações: "Não esperava que fosse assim, pensei que seria uma aula", Há no Sufismo (uma corrente mística muçulmana) uma expressão que diz: "Ensina-me a aprender." No papel complementar ao de professor não está o de aluno e, sim, o de estudante. Aluno é passivo na relação com quem ensina, apenas deixa-se encher e preencher com aquilo que vem do professor. Estudante é papel ativo, ele busca o conhecimento, não espera que ele venha até ele. Educação, Maestria são profundamente diferentes de instrução. Instrução é alguém pegar seu conhecimento e colocá-lo dentro do instruído/aluno. Educação, etimologicamente ex-ducere, conduzir para fora. Ajudar a trazer de DENTRO do Estudante o que lá está ou pode estar, a seu modo e tempo. Construir com ele o conhecimento. E aí ambos aproveitam e crescem em conhecimento. Um complementa o outro. Papéis complementares assimétricos.  Professor - Estudante.

sábado, 6 de abril de 2024

Sagan, Heráclito, Medusa, Conserva Cultural

 Carl Sagan era um astrônomo dedicado à divulgação do pensar científico, que se contrapõe ao pensar dogmático das crenças. Em uma de suas inúmeras palestras captei esta frase: "As nossas preferências não determinam o que é verdade." Não é porque gosto ou não gosto, me contraria ou não, me agride ou não, que os fatos são ou deixam de ser verdadeiros. Ciência é sempre e sempre uma aproximação de uma verdade. Jamais será uma verdade absoluta. A essência da Ciência é a dúvida. Não a dúvida da descrença. mas a dúvida metódica, que abre novos caminhos, que não se satisfaz com: "É assim e pronto!", que aguça a curiosidade. Aliás, esta palavra curiosidade, tem sua raiz etimológica na palavra latina "CUR", que significa  "Por Que?". Ciência é pergunta, é curiosidade, é desafio ao já sabido, é o antidogma. E isso me lembra muito à Moreno e a postura e atitude psicodramática. Moreno referia-se às "Conservas Culturais", ao conhecimento cristalizado e imóvel. É o nunca questionar, é o nunca perguntar-se " e por que não?", é o " E se experimentarmos diferente?", é o "se fizermos diferentes?", é o "vamos experimentar e ver?". No palco psicodramático chagam histórias de vida prontas. Tom Zé diz em "parque Industrial": "É somente requentar e usar". Isso é conserva Cultural. Requentar e usar. mas, cuidado. às vezes tem-se que usar e comer a comida requentada. Mas, e se experimentássemos, na própria comida requentada descobrir um sabor novo, comê-la de outra maneira, perceber o verdadeiro sabor do prato, mesmo requentado? A Conserva Cultural não é o objeto, a palavra. A Conserva Cultural propriamente dita é a nossa atitude conservadora, strictu sensu, que paralisa a vida. Heráclito já dizia: "Não se entra duas vezes no mesmo rio". A Vida, o Mundo, são mutantes, flexíveis. O olhar de Medusa é que petrificava. É o nosso olhar, a nossa forma de experienciar o mundo que petrifica e o torna uma conserva Cultural.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...