quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O sapato de cristal

Por que o sapato de cristal da Cinderela não desaparece à meia  noite? Tudo o mais volta ao que era. O outro sapato, a carruagem, o vestido, os cavalos. Tudo. Mas o sapatinho de cristal unicamente permanece. Algo do reino da fantasia invade o reino do real. Não somente invade, mas é o que permite o encontro final. Ir ao mundo da fantasia, deixar-se conduzir pela imaginação. E, ao voltar, trazer consigo o fator transformador, o sapatinho de cristal do conto de fadas. Se isto não é uma bela alegoria do potencial transformador do Psicodrama e Teatro Espontâneo...

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Corpo e mente

Li em algum lugar da obra de Moreno: "O corpo lembra o que a mente esquece". A memória da ação persiste. A coreografia da dança executada continua impressa no corpo. Quando, por meio do aquecimento bem realizado, conseguimos como Diretores de Psicodrama/Teatro Espontâneo, que a ação seja realmente espontânea isto recupera a memória inscrita no corpo. É como se o aquecimento destravasse o controle racional permitindo que as memórias inscritas, a nossa coreografia existencial, pudesse enfim voltar ao palco.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Ação, atividade

Lendo um livro do grande biólogo contemporâneo Richard Lewontin, A Tripla Hélice. Nesse livro há esse trecho: "O ambiente não é apenas uma propriedade da região a que pertence. Ambiente é o espaço definido pelas atividades dos organismos." Essa citação refere-se a ambiente na perspectiva biológica. Porém, podemos usá-la para pensar em termos psicodramáticos, socionômicos. Como o nosso método socionômico é lastreado na ação acho que cabe a extensão da reflexão. Ação, atividade não são mera movimentação física. Andar à esmo, mover-se simplesmente, não é ação. Ação, atividade são movimentos com finalidade. É movimento com intenção. Não é mera cinesia, é praxia. Então, a ação, a atividade pode ir de um movimento de aproximação de caça, de cortejo  a um olhar  de interesse. Falar, nesse contexto, é uma ação. O silêncio pode ser ação. Daí porque o Psicodrama/Teatro Espontâneo não prescinde da fala. O discurso e o silêncio são ações da linguagem verbal. Como a mímica e a pantomima são ações da linguagem corporal. Então, o nosso ambiente, o nosso palco, é construído pelas nossas ações, pela nossa atividade.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Ver em Psicodrama

É bastante comum de se ouvir: "A escuta terapêutica". Quanto pensamos em Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama, essa expressão precisa ser repensada. O Psicodrama adveio do Teatro. Teatro em Grego significa "lugar de onde se vê". Portanto, Teatro é Cena vista pela Plateia. E o ver em Teatro inclui o escutar e amplia o escutar. Em Teatro, vendo da Plateia, tudo se vê, tudo se percebe. Amplificado pelo Palco. O palco amplifica, aumenta todo significado do gesto, da postura, da voz, da prosódia, das relações corporais. O Palco, em Teatro, é uma lente de aumento. Assim, ver Teatro é muito mais do que olhar uma imagem. É ver. Tanto em Português quanto em Inglês, o verbo Ver/To See tem um sentido de compreender, saber, perceber. Ver Teatro é ver, perceber, compreender. Ver em Psicodrama é ver, perceber, compreender. Talvez possamos introduzir outra diferença entre a escuta comum e o olhar psicodramático. Como em todas as outras formas psicoterápicas o escutar é do Psicoterapeuta. A ele cabe o Escutar. Em Psicodrama, o foco da visão, percepção, compreensão está na Plateia Grupal e no Protagonista, não somente no Diretor. Não há no Psicodrama a intenção de interpretar a Cena.  A intenção fundamental da Socionomia (Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama) é permitir ao Protagonista e ao Grupo alcançar a sua própria visão da Cena. 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Fantasia e Realidade

Lendo um artigo de Susan Sontag. Nele há uma citação do autor teatral Eugène Ionesco: "O Teatro é um instrumento que, pela distorção da realidade, agudiza o sentido do Real". Que maravilha de sinalização para o Teatro Espontâneo! Agudizar alguma situação é levá-la ao limite, torná-la extrema. E o nosso sentido do Real anda tão amortecido, tão sem graça, tão mais do mesmo, tão anestesiado. A distorção da realidade de que fala Ionesco, essa distorção é a imaginação, a fantasia. Eis uma situação, aparentemente, paradoxal: precisamos da fantasia, da imaginação, dessa distorção da realidade, para que possamos maximizar, intensificar o nosso sentido do Real. 

"Sem a loucura que é o homem 
Mais que a besta sadia, 
Cadáver adiado que procria?"
                          in  Mensagem, Fernando Pessoa


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

sociedade comercial x sociedade afetiva

Sempre é preciso ter-se cuidado como analogias. Mas elas podem nos fazer ver com mais facilidade situações carregadas de peso afetivo. Esse é um exemplo. Sociedade significa vínculos entre sócios. Sócio em Latim é Socius: companheiro, parceiro. E, voltando, Sociedade é uma relação vincular entre sócios, entre parceiros com uma mesma finalidade. Então, a sociedade afetiva, a relação afetiva, é uma parceria entre sócios afetivos, parceiros afetivos. O capital que financia e sustenta essa sociedade afetiva é o capital afetivo. Tal como numa sociedade comercial, não é só porque uma sociedade foi constituída formal ou informalmente que funcionará. Qualquer consultor empresarial dirá que existe um tempo de maturação de qualquer empresa, de alguns anos antes que comece a dar retorno. Nesse tempo entre o início da sociedade empresarial ( e da sociedade afetiva) e sua maturação os sócios têm que continuar investindo, empenhando-se em fazê-la funcionar. As sociedades empresariais por não serem românticas têm essa clareza mais facilmente. As sociedades afetivas ainda muito preenchidas de um romantismo fantasioso, imaginam que apenas porque querem estar juntos isto será o suficiente para fazer essa sociedade funcionar. E mesmo com empenho as sociedades podem não mais serem lucrativas, serem um bom negócio. E ao se romperem essas sociedades costumam dar mais problemas do que para se constituírem. Mesmo porque há mais para se repartir. E esse a mais para repartir, se for lucrativo aguçará a ambição. Se for prejuízo, dano, estimulará a rivalidade também. Penso que para nós que lidamos com gente em relação afetiva é necessário desconstruir uma visão romântica. Essa visão romântica de que dar certo, funcionar bem, é magia, é mágica, é certeza, é obrigação. Sem investir continuamente nenhuma sociedade se sustenta e evolui.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Dar e receber

Numa sessão psicoterápica sobre dar e receber. "Sou muito generoso". "Me sinto mal, dependente, quando minha mulher paga algo para mim". Qual a relação complementar entre o papel daquele que dá e o papel daquele que recebe? É uma complementação assimétrica. ou simétrica? Aí torna-se útil o conceito de TELE em Socionomia (Psicodrama, Sociodrama). Pensemos em cena.  Numa relação de complementação simétrica, na imagem correspondente os dois estariam se olhando horizontalmente, no mesmo nível. Solilóquio dos personagens: "obrigado", "valeu", o que recebe. "Acho que fui útil","que bom que pude ajudar!", aquele que deu. Numa relação assimétrica, posta em imagem, aquele que dá olha para baixo e aquele que recebe está ajoelhado olhando para cima. Solilóquio dos personagens nesta cena: "arrogante", "está me humilhando", diz o que recebe. "Por que não se sustenta só? "Fraco e dependente!" diz aquele que dá. Explorar esses meandros das relações interpessoais mediados pelos atos de dar e receber no Psicodrama torna-se mais visível pela força da imagem representada.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...