domingo, 21 de outubro de 2018

Millôr, Alcantara

"Para sonhar de verdade
 É preciso encarar a
 Realidade."                       
Li esse Hai-Kai de Millôr Fernandes há muito tempo. Mas reli há pouco tempo. Da primeira vez achei apenas interessante. Dessa vez seu profundo sentido fenomenológico existencial brilhou para mim. A atitude fenomenológica toma a realidade como ela é, como ela se apresenta, sem idealizá-la e procurando evitar e depurar os pre-conceitos. E isso é a base do Psicodrama, do TE, da Socionomia, enfim. Entrar em ação dramática, sem hipóteses, sem pressupostos, sem objetivos. Criar condições para que o grupo, a pessoa, encontrem e construam seus próprios caminhos. 
"Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; 
Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar". 
Versos do grande poeta de Sevilha Antonio Machado. O andar faz o caminho. A ação encontra sua rota, a ação encontra seu caminho. Não há rotas já estabelecidas, há modos de andar e ritmos de caminhar. Dois poetas, dois ensinamentos, dois alertas. 

domingo, 14 de outubro de 2018

Reflexões sobre uma palavra. Ainda.


Muito frequentemente precisamos usar algumas palavras para referirmos-nos ao que acontece no palco psicodramático. Dizemos, então, dramatização ou encenação. Mais raramente e, sempre, com cuidado, a palavra representação. Dramatizar, encenar, representar ou mesmo teatralizar, são sinônimos, caso estejamos nos referindo a teatro. Porém, a palavra dramatizar traz em si a raiz Drama que na linguagem coloquial relaciona-se a exagero. Assim, além dos sinônimos teatrais, há também, outros sinônimos, como exagerar, tornar melodramático, fingir.
Agora vamos ver do ponto de vista psicodramático. Apesar de Moreno não ter o inglês como língua-mãe, ele conhecia o Inglês. Quando nos seus inícios de teatro terapêutico, em seu livro Teatro da Espontaneidade, ele quer se referir ao que acontece no teatro espontâneo ele cria um neologismo em Inglês. ACTING OUT. Investiguemos um pouco. To Act traduz-se simplesmente por representar, atuar. É o que o ator faz: The actor acts. O ator atua. Moreno queria algo mais. Ele queria uma palavra além da mera atuação, repetição de texto já pronto. Ele queria, por oposição, uma palavra que significasse “vivencia expressiva” (palavras de Moreno). “Um agir do interior para o exterior”, um ex-pressar por meio de ação. A ação vista como forma de comunicação. Esse neologismo ganhou, entretanto, conotação pejorativa no jargão psicanalítico como um agir impulsivo, uma passagem ao ato. Isto tem uma profunda diferença na maneira de lidar com o ato espontâneo. Mas Moreno coloca um limitador à possível impulsividade presente no Acting-out. E aí percebemos porque o palco psicodramático é um dos instrumentos capitais do fazer psicodramático. Não o palco necessariamente como um tablado, fisicamente real. Mas, o palco como espaço claramente delimitado de separação entre a realidade e fantasia. Só esta nítida delimitação, até aqui é real, a partir daqui imaginação, pode fazer o Espelho funcionar como recurso. Ao usarmos o Espelho, usamos a regra do jogo fantasia/realidade; em pleno momento intenso convidamos o protagonista a sair de cena e se ver em cena. E de onde ele olha? Ele olha de fora do palco, do seu real para a sua fantasia. E, dentro do palco, ação advém de dentro, espontaneamente, mas não impulsivamente. Porque ela necessita se adequar ao projeto cênico em curso. O nosso ACTING OUT é um atuar de dentro para fora, expressar o interno, o privado, o subjetivo, mas dentro da regra do palco, sujeito à adequação criativa em relação a cena.
Este, com certeza, foi o pulo do gato para Moreno intuir a potência terapêutica da expressão cênica. Por isto, dramatizar, atuar, encenar, soa algo empobrecido comparando com o seu profundo significado psicológico e terapêutico. Talvez, em falta de outra palavra, o melhor seja utilizar psicodramatizar, psicodramatização para acentuar esta profunda diferença.

domingo, 7 de outubro de 2018

Radical, superficial

Sempre é bom investigar-se a etimologia das palavras. É fundamental que tornemos claro a que se refere, originalmente, aquela palavra. Ou seja, o conceito que é definido pela palavra. Radical. Radical advém do Latim Radice, raiz. Numa estrutura vegetal à raiz é reservado um papel vital. Ela fixa a planta, a segura, a mantém em seu ligar. Mas também é responsável pelo suprimento das necessidades alimentares. Para isso, as raízes estão mais ou menos profundas na terra. Ela se aprofunda pela necessidade de buscar nutrientes. Se os encontra mais perto da superfície, ótimo. Mas, em situações adversas, as raízes se aprofundam mais e mais. Em busca de água e nutrientes. Então, as raízes guardam duas propriedades: Fixam, mantém estável a planta e buscam aprofundar-se para suprir as necessidades do vegetal. Os animais, diferentemente, locomovem-se para buscarem, em outros locais, o alimento e água de que são carentes. Analogia é sempre uma faca de dois gumes e dela nos servimos com cuidado. As  plantas são fixas, suas raízes tendem a ser profundas. Os animais são móveis, sem raízes, trocam a necessidade de profundidade pela diversidade de opções. Saindo da Botânica e Zoologia, usamos a palavra radical quando nos referimos à seres humanos. E usamos essa palavra, geralmente, muito mais no sentido de fixidez, imobilidade, do que de profundidade. Em geral, colocamos radical como sinônimo de "cabeça-dura, teimoso, cego à argumentação". E vemos a diversidade de opções como sinônimo de superficialidade. Como humanos poderíamos usufruir desse dicotomia biológica. Poderíamos ter a mobilidade que traz a diversidade junto com a profundidade que traz a consistência.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

diretor, psicoterapeuta

Pensava aqui comigo que o Diretor em Psicodrama/Teatro Espontâneo também é uma personagem. E como uma personagem ele tem seu script, sua mis-en-scène, sua marcação de palco, sua linguagem, seu timing de atuação. E sua personagem é o Diretor/terapeuta psicodramático. Então, dirigir Psicodrama ou Teatro Espontâneo não é apenas ter conhecimento da teoria psicodramática. Dirigir psicodrama, seja grupo seja bipessoal, dirigir TE, exige que a pessoa saiba usar as ferramentas cênicas. Essas ferramentas são o diferencial da Sociatria (Sociatria é a parte de intervenção da Socionomia). mesmo em atendimento bipessoal, o terapeuta psicodramático continua dentro de uma personagem cênica. O diretor, o terapeuta psicodramático se diferencia de outros recursos terapêuticos por usar esses instrumentos (como chamava Moreno) cênicos.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...