domingo, 14 de outubro de 2018

Reflexões sobre uma palavra. Ainda.


Muito frequentemente precisamos usar algumas palavras para referirmos-nos ao que acontece no palco psicodramático. Dizemos, então, dramatização ou encenação. Mais raramente e, sempre, com cuidado, a palavra representação. Dramatizar, encenar, representar ou mesmo teatralizar, são sinônimos, caso estejamos nos referindo a teatro. Porém, a palavra dramatizar traz em si a raiz Drama que na linguagem coloquial relaciona-se a exagero. Assim, além dos sinônimos teatrais, há também, outros sinônimos, como exagerar, tornar melodramático, fingir.
Agora vamos ver do ponto de vista psicodramático. Apesar de Moreno não ter o inglês como língua-mãe, ele conhecia o Inglês. Quando nos seus inícios de teatro terapêutico, em seu livro Teatro da Espontaneidade, ele quer se referir ao que acontece no teatro espontâneo ele cria um neologismo em Inglês. ACTING OUT. Investiguemos um pouco. To Act traduz-se simplesmente por representar, atuar. É o que o ator faz: The actor acts. O ator atua. Moreno queria algo mais. Ele queria uma palavra além da mera atuação, repetição de texto já pronto. Ele queria, por oposição, uma palavra que significasse “vivencia expressiva” (palavras de Moreno). “Um agir do interior para o exterior”, um ex-pressar por meio de ação. A ação vista como forma de comunicação. Esse neologismo ganhou, entretanto, conotação pejorativa no jargão psicanalítico como um agir impulsivo, uma passagem ao ato. Isto tem uma profunda diferença na maneira de lidar com o ato espontâneo. Mas Moreno coloca um limitador à possível impulsividade presente no Acting-out. E aí percebemos porque o palco psicodramático é um dos instrumentos capitais do fazer psicodramático. Não o palco necessariamente como um tablado, fisicamente real. Mas, o palco como espaço claramente delimitado de separação entre a realidade e fantasia. Só esta nítida delimitação, até aqui é real, a partir daqui imaginação, pode fazer o Espelho funcionar como recurso. Ao usarmos o Espelho, usamos a regra do jogo fantasia/realidade; em pleno momento intenso convidamos o protagonista a sair de cena e se ver em cena. E de onde ele olha? Ele olha de fora do palco, do seu real para a sua fantasia. E, dentro do palco, ação advém de dentro, espontaneamente, mas não impulsivamente. Porque ela necessita se adequar ao projeto cênico em curso. O nosso ACTING OUT é um atuar de dentro para fora, expressar o interno, o privado, o subjetivo, mas dentro da regra do palco, sujeito à adequação criativa em relação a cena.
Este, com certeza, foi o pulo do gato para Moreno intuir a potência terapêutica da expressão cênica. Por isto, dramatizar, atuar, encenar, soa algo empobrecido comparando com o seu profundo significado psicológico e terapêutico. Talvez, em falta de outra palavra, o melhor seja utilizar psicodramatizar, psicodramatização para acentuar esta profunda diferença.

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