segunda-feira, 30 de março de 2020

Os saltimbancos

Há cerca de trinta anos apareceu o musical "Os saltimbancos". Aqui no Brasil a versão das músicas foi feita por Chico Buarque. A musica principal tinha, e tem, essa letra:
"Todos juntos somos fortes,
Somos flecha e somos arco,
Todos nós no mesmo barco,
Não há nada pra temer.
Ao meu lado há um amigo
Que é preciso proteger.
Todos juntos somos fortes
Não há nada pra temer."
O Psicodrama, o método Socionômico, baseia-se nessa ideia relacional. O outro me constitui enquanto eu o constituo. E Isso numa relação entre papéis. Esse fundamento é o grupo. E como vamos reconhecer o estado grupal? Quando usamos o "nós". A sensação, o sentimento de pertinência, de pertencimento, constitui o grupo. Não há eu nem eles. Há nós. E quando escutamos o nós, bendita palavra, o que escutamos é a expressão de pertencimento a um grupo. E, para Moreno, criador do Psicodrama, também temos que ficar atentos a que, aquilo que pode acontecer a uma pessoa, eu versus ele, pode acontecer a grupos. Nós versus eles, o outro grupo. E nisto Moreno depositava sua esperança: que o Psicodrama tivesse como meta não apenas a sua aplicação psicoterápica, mas que fosse de aplicação mundial. Em sua utopia, a meta seria um grupo mundial, o grupo de seres humanos, "nós, seres humanos. Nós, habitantes do mesmo planeta (todos nós no mesmo barco...). Mas, como diz um provérbio chinês (de verdade), "antes de salvar o mundo dê três voltas dentro de sua casa". A atividade principal do Psicodrama é grupalizar. É criar, ajudar a criar, o "nós". E isso pode ser feito. Sendo ou não psicodramatistas.

sábado, 28 de março de 2020

Psicodrama e Solipsismo

O que é o normal? O que é normalidade? Normal, é o habitual. Normal, é maioria. Normal é a média. Normal é o segmento de reta que cai a 90° sobre outra. E quando se fala de estado mental? O que visualizamos como normal? Será o meu jeito, o meu comportamento, a minha história, o padrão que uso para determinar a normalidade? Se assim for, e assim é, estarei vendo o mundo exclusivamente pelos meus olhos. A realidade será, sempre, a minha realidade. Sendo essa a corrente principal, o que podemos fazer para sai desse solipsismo (palavrinha chata, mas que resume bem)? A proposta do Psicodrama, da Socionomia Moreniana, é que a dramatização ajude a produzir uma verdadeira inversão de papéis. E aí "eu lhe verei com os seus olhos e você me verá com os meus olhos". Como resultado, sairemos de nossa bolha pessoal para acrescentar à nossa visão de mundo, a visão de outros seres humanos.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Dia do Teatro

Hoje é comemorado o Dia Mundial do Teatro. E como dizia Augusto Boal, "Todos somos Teatro. Alguns fazem Teatro". Como sou parte de um método psicoterápico, o Psicodrama, que tem suas raízes fincadas no Teatro, pensarei aqui como Psicodramatista no Dia do Teatro. Em geral, o texto das peças ou sua forma de execução são denominados de forma diferentes. Drama, tragédia, comédia, farsa, tragicomédia, burlesco. O texto ou a forma de execução. Um texto pode ser criado, escrito, para ser tragédia, mas pode ser montado como farsa ou comédia. No Psicodrama, de resto, não usamos essa terminologia classificatória. O texto e a dramatização, no Psicodrama, são do protagonista e criado por ele. A forma com que se desenrola essa dramatização pode ser ser sugerida pelo Diretor (o coordenador do grupo) ou ser desenvolvida pelo próprios atores (egos-auxiliares, no Psicodrama) e protagonista. Mas, o protagonista  não é quem se coloca na linha de frente em primeiro lugar. É quem encarna e vive, em sua história, a história-tema daquele grupo, naquele momento, Assim, o protagonista é alguém que emerge do grupo, mas leva o grupo em sua dramatização. Mesmo sendo algo pessoal, naquele momento, caso ele seja o protagonista, todo o grupo sente-se contemplado. O grupo vê-se no palco. Aquela história, é sua história. Se assim não for, ele será um falso protagonista, até um bode expiatório. Estará no palco embora não sendo a voz do grupo, encarnada. No Dia Mundial do Teatro, numa época em que não está claro que tipo de cena está no palco, reverencio essa forma profundamente humana de ser. E sinto-me honrado, como Psicodramatista, de ter tão nobre origem.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Solidão e Alceu Valença

A solidão é fera, a solidão devora
É amiga das horas, prima irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração
Solidão
A solidão dos astros
A solidão da lua
A solidão da noite
A solidão da rua 
                Solidão, Alceu Valença
Escutava hoje essa música de Alceu. E pensei. Existem decisões de mandatos que a lógica manda cumprir. Mas é necessário levar-se em conta que tudo tem preço. No caso dessa pandemia e o consequente isolamento como medida extremamente necessária, há preços para os velhos, não só, mas para todos. E falo agora de preços emocionais. O ser humano é um bicho relacional. Ou seja, ele se constitui em relação com o outro. Aliás, esse é o pilar da filosofia Moreniana, a Socionomia. E essa relação é construída pelos vínculos. O vínculo, em latim e italiano é sinônimo de corrente, elo. O vínculo une as duas pontas da relação entre papéis. Então, há diferenças enormes entre estar só  e sentir-se só. Estar só é espacial. O isolamento nos põe sós. Sentir-se só é não ter vínculos que se sustentem na ausência física. Estar só é espacial. Sentir-se só é de natureza vincular. O que está sendo cobrado é que fiquemos sós, isolados. Mas, o velho, principalmente, mas não unicamente, necessita muito e muito de não se sentir só. Ele pode estar só , mas precisa da atenção afetiva. No afã de proteger o corpo do velho (não somente eles), podemos estar agredindo seu coração. Como bem diz Alceu Valença:
A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas, prima irmã do tempo.
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração.
Solidão

segunda-feira, 23 de março de 2020

agrupamento e grupo

Quando em Psicodrama ou qualquer outra atividade Socionômica, iniciamos sempre com o aquecimento grupal. O aquecimento em Psicodrama tem a mesma função do aquecimento na atividade física: preparar o grupo ou o músculo para a atividade em si  para evitar uma distensão, no caso do músculo, ou a impossibilidade de dramatização, na caso do Psicodrama. Mas, no Psicodrama, tem um outro objetivo: grupalizar aquelas pessoas que, até então, estão em seus papéis sociais. Só depois da grupalização, quando todos sentem-se pertencentes a um grupo, com objetivos em comum, é que poderemos mesmo realizar a ação psicodramática. Enquanto o agrupamento de pessoas não se organiza em grupo cada um estará perseguindo objetivos pessoais e não, grupais. A crise atual mostra isso. Pessoas isoladas defendendo sua vida pessoal, sem nenhuma atenção ou olhar, ao outro. Esse agrupamento "cada um por si" se opõe ao comportamento grupal em que cada qual sente-se parte e parcela constitutiva do resultado grupal.

sábado, 21 de março de 2020

Inversão de papéis

Os tempos atuais são de crise. Mas na crise é possível se aprender algo. Os psicodramatistas, os socionomistas, falam de papéis. Aqueles, que em nossa cultura, surgem do encontro de pessoas em determinadas relações. Como a terminologia psicodramática adveio do teatro, o termo papel engloba tudo aquilo que em teatro se refere a papel. Uma personagem, um script, um vocabulário, uma expressão corporal. Agora, aparece uma coisa curiosa. O papel parental, pai e mãe, se caracteriza pela preocupação de segurança e pensar no futuro. O papel de filho é o do tempo presente e da liberdade. Hoje o diálogo de pais e filhos em tempos de pandemia mostra o que é em Psicodrama, Socionomia, a inversão de papéis. "Cuidado, não saia. Se proteja. Vc é teimoso, Tem que se cuidar". Esse texto pertence ao papel parental. Mas quem está falando, hoje, esse texto, são os filhos, mas em seu papel parental. E os pais, em seu papel filial, dizem, "preciso sair, tenho o que fazer, não aguento mais ficar em casa". Isso, repito, é um exemplo claro de inversão de papéis. No Psicodrama, Socionomia, isso se torna fonte de ampliação do conhecimento do papel do outro, do papel complementar. Sem que deixemos de pensar e agir dentro de nosso papel, o enriquecemos ao vivenciar o papel de de seu complementar. Pais(filhos), Filhos (pais).

quarta-feira, 18 de março de 2020

baianos e gregos

Ontem conversando com uma paciente, ela me disse: "Em minha cabeça o tempo passa muito rápido". Pedi-lhe que fechasse os olhos e quando passasse um minuto abrisse os olhos. Quando ela abriu, havia se passado 27 segundos. Esse é um exemplo da dissociação do tempo vivenciado e do tempo cronometrado. Há uma expressão, bem baiana, quando vamos reclamar do atraso de alguém e dizemos: "Estou esperando há uma hora de relógio!". Isso é sempre motivo de gozação por quem não é baiano. Mas, nós baianos, somos Morenianos, sabemos que o tempo cronométrico, "de relógio", é um e o tempo que nos vivenciamos é outro. Moreno criou o conceito de MOMENTO para se referir ao tempo vivenciado. O tempo cronológico para os gregos era Chronus. O tempo vivenciado é Kairós. Baianos, gregos, ansiosos, todos percebem a distinção necessária entre o tempo medido e o tempo vivido.

segunda-feira, 16 de março de 2020

Sócrates

Quando Sócrates usava a expressão "Só sei que nada sei" tinha um claro objetivo. Partir do zero, sem conhecimentos ou ideias ou conceitos prévios para investigar "ab ovo' (do início, do começo). Com isso sua tarefa investigatória ele a  chamava de Maiêutica (arte de parturejar, dar à luz, fazer nascer). Seu método levava ao nascimento de ideias, livrando-se de conceitos existentes. O Método Socionômico, o Psicodrama, têm muito da Maiêutica socrática. "Throw away the script" dizia Moreno. "Joguem fora o roteiro". A cena psicodramática deve ter seu significado na própria cena. O Diretor psicodramático ajuda, partureja a cena, para que nasça no protagonista uma nova compreensão. Mas uma percepção, uma compreensão apreendia pelo protagonista. Jamais imposta pelo Diretor. A ele, Diretor, cabe, ajudar a dar à luz.

sábado, 14 de março de 2020

Tele e Pequenina

Escutava uma música de Renato Teixeira, cantada por Xangai de nome "Pequenina". E nela há esse verso de beleza absurda:
"São tão claros os presságios
E os encontros dessa vida
Quando as partes combinadas
Surgem numa mesma estrada."
Esses três últimos versos me leva a pensar no conceito de TELE em Psicodrama/Socionomia. Quando as partes combinadas surgem juntas numa mesma estrada. Se vierem de sentidos contrários se aproximando ou se distanciarem por tomarem sentidos diferentes, ainda assim estarão numa mesma estrada, a relação será télica. Mas, se um se aproxima e outro se distancia ou se estão em estradas diferentes, será uma relação não-télica.

quarta-feira, 11 de março de 2020

Idiota

Acabei de ler um livro, presente de uma paciente. É um livro de citações e ilustrações. Algumas delas me chamaram a atenção, neste momento:
"A mãe dos idiotas está sempre grávida". 
É um provérbio francês de domínio público. E o que chamamos de idiotas nesse contexto? É quem não concorda conosco? É quem nos contraria? É quem não gostamos? Se assim fosse seria uma mera ofensa ou infantilidade. Idios, em grego, significa "o mesmo, o próprio". Penso que, nessa acepção, o idiota é aquele que se torna monolítico no pensar e falar, quem não estabelece um clima de discussão, quem se fecha na sua visão de mundo, é quem não abre a possibilidade de respeitar a contradição. Por isso, Moreno considerava a inversão de papéis como tão importante para o ser humano. Não para haver um pensamento hegemônico. Mas, sim, para cada um poder "ver você como seus olhos e você me ver com meus olhos". Não é para simplificar. É para ampliar o universo perceptivo da realidade.

quarta-feira, 4 de março de 2020

encontros e leituras

Estou indo a São Luis do Maranhão para fazer uma atividade de Psicodrama. Este é o resultado de pequenas e espontâneas coisas que aconteceram ao longo de dois anos. A primeira foi a mensagem de uma pessoa de São Luis, estudante de Psicologia, interessada em ter uma orientação para uma apresentação de equipe sobre psicodrama. Aí se estabeleceu uma ligação que frutificou no Encontro Norte-Nordeste. Desse encontro nasceu a ideia que agora se concretiza. E daí? Para que este relato? Tudo começa com um sim. Um pedido e um  sim. Desenrola-se como aquecimento inespecífico. Uma aproximação. O  Encontro da Paraíba torna-se um aquecimento específico. Já há personagens envolvidos. E esse próximo encontro poderíamos dizer será a dramatização (trabalharemos histórias) e compartilhamento (da experiência em si e processamento da parte técnica).  Esse é um exemplo de como a leitura psicodramática da vida pode fazer-nos entender o próprio método socionômico.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Vivência

O Psicodrama, o método Socionomico, traz conceitos, termos e visões de mundo muitas vezes radicalmente diferentes das outras abordagens. Iniciar-se no Psicodrama pelo aspecto teórico apenas frequentemente redunda em desilusão ou desistência. Na palavra escrita parece ou mágica ou teatrinho ou superficial. Por isto, experienciar diretamente o Psicodrama por meio de vivências grupais prepara o terreno para a apreensão e compreensão da visão teórica trazida por Moreno. As vivências grupais são atos psicodramáticos únicos, não processuais, utilizando a sequência habitual do método, aquecimento, dramatização, compartilhamento/processamento, sendo o processamento a compreensão teórica daquilo que foi vivenciado. Sempre o experimentar do método conduz ao interesse pelo método. Aí sim, o aprofundamento teórico torna-se possível eu interesse permanente.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...