quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Só, sozinho revisitado

 Assistindo ao filme clássico Fogo contra fogo, com os grandes Al Pacino e  Robert De Niro, há uma fal da personagem de De Niro: "I'm alone, but I'm not a lonely man". "Sou sozinho, mas não sou um solitário". E isso me pôs a pensar. Estar só, sentir-se só. Sozinho, solitário. Estados de espírito não iguais, muito diferentes. Estar só é algo espacial, geográfico. É não ter pessoas em volta. Apenas isto. Sentir-se só é outra coisa. Nada tem a ver com quantidade de pessoas. Sentir-se só é consequência  de uma pobreza relacional. Solidão é não ter vínculos com nada. Uma pessoa isolada geograficamente vive e sobrevive das certezas de seus laços afetivos, das lembranças e desejos. Sentir-se só, o estar em solidão, é reconhecer a inexistência, é sentir o peso da ausência de vínculos que o ancore com o mundo.

"Eu 'tava só, sozinho

Mais solitário que um paulistano

Que um canastrão na hora que cai o pano" 

Zeca Baleiro

"É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,

É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte"

 Fernando Pessoa

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Figura e fundo

 Durante uma atividade online psicodramática de supervisão surge uma história de uma primeira visita, quando estudante, de um hospital psiquiátrico. A pessoa conta que foi abordada por um "paciente" e não sabia o que falar e ficou muda, calada. Proponho a recriação da cena. No momento que a personagem-paciente surge perguntando onde fica o ponto de ônibus, interrompo a cena e peço seu solilóquio. Diz ela: "não sei o que devo e se devo falar. ão sei se piorarei ele com o que disser". Peço-lhe para fazer essa cena em outro ambiente. Numa rua comum. E uma pessoa, desempenhada pelo mesmo ego-auxiliar, lhe pergunta onde fica o ponto de ônibus mais próximo. Ela responde naturalmente, dando as indicações necessárias. Proponho um espelho das duas cenas e lhe pergunto a diferença. O contexto, o cenário. Num cenário de hospital quem não é funcionário, é paciente. Num contexto, num cenário de rua, são pessoas se encontrando. O contexto, o cenário, criam pressuposições que direcionam nossa ação. O fundo interfere na percepção da figura. E o nosso Psicodrama ajuda a perceber isso ao recriar e criar cenários e contextos e cenas.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

con-fusão de papéis

Uma das coisas mais ouvida, ultimamente, é que as pessoas estão cansadas, irritadas, exauridas e exaustas. E o Psicodrama tem algo para dizer. 

Todos nós desempenhamos múltiplos papéis na vida. Parceiro afetivo, pais, profissionais, torcedor de time, membro de partido político, membro de uma religião, pais, filhos etc. Cada papel desses tem seu papel complementar mediados por um vínculo afetivo. E cada papel desses ,também, tem seu espaço, seu palco,seu cenário, seu tempo. ainda que  pudéssemos estar sobrecarregados de papéis sociais no mundo pré-pandemia, agora, durante a pandemia, a situação sofreu alterações. Os papéis sociais continuam a existir. Aqueles que já tínhamos, continuamos a tê-los. Mas agora é diferente. Agora, durante este tempo pandêmico, todos os papéis sociais estão sendo desempenhados no mesmo locus, no mesmo cenário, ao mesmo tempo. Um pai, trabalhando, online,responde ao filho que está tendo aula online, sentados na mesma mesa onde tomaram o desjejum e aguardamo o almoço. A mãe, também sentada à mesa, trabalhando online, responde como mãe à discussão entre pai e filho, enquanto responde à colega de trabalho no Zoom. O cenário não mudou,os tempos se superpõem os papéis se mesclaram, as respostas afetivas estão mais confusas que anteriormente. A demanda de solicitações simultâneas e múltiplas está produzindo exaustão e tédio. A semana tinha sete dias, com fisionomias diferentes. Hoje a semana semana se compõe de um único dia ´prolongado, onde tudo acontece, mas tudo é monotonamente repetitivo. Os atores desempenham várias peças, sem mudar de cenário, e misturando as falas de cada personagem.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...