quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Poetas, Psicodrama, Perdas

 Um comentário de uma amiga, Luiza Barros, numa postagem sobre as perdas recentes de ídolos musicais de toda uma geração, ela disse:"a tristeza será companheira de quem sobrevive". essa frase não me deixou dormir sem refletir muito. é verdade, o preço de estar vivo é ser testemunha de perdas. Há um conto antigo de Jorge Luis Borges em que ele fala do encontro com grandes figuras do passado que tinha ficado eternas. E essas figuras relatavam o quão duro é permanecer quando os nossos outros passam. Li, em algum lugar, que há culturas que consideram a morte apenas quando não há mais memória de quem foi, quando não há lembrança mais. Fernando Pessoa diz: "Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada". Ver, rever, lembrar, ter lembranças, recordar, para os que ficam é a forma e maneira de manter vivos os que que já não são. Ou estão. No palco do Psicodrama é possível lidar com as perdas, em tempo real, na realidade suplementar da verdade dramática, e estabelecer diálogos e ações impossíveis na realidade real. Os poetas falam dos que foram. O Psicodrama fala com quem está.

"Não tenho preferências para quando não puder ter preferências. O que for, quando for, é que será o que é" A. Caeiro/F.Pessoa

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Só, sozinho

  Assistindo ao filme clássico Fogo contra fogo, com os grandes Al Pacino e  Robert De Niro, há uma fala da personagem de De Niro: "I'm alone, but I'm not a lonely man". "Sou sozinho, mas não sou um solitário". E isso me pôs a pensar. Estar só, sentir-se só. Sozinho, solitário. Estados de espírito não iguais, muito diferentes. Estar só é algo espacial, geográfico. É não ter pessoas em volta. Apenas isto. Sentir-se só é outra coisa. Nada tem a ver com quantidade de pessoas. Sentir-se só é consequência  de uma pobreza relacional. Solidão é não ter vínculos com nada. Uma pessoa isolada geograficamente vive e sobrevive das certezas de seus laços afetivos, das lembranças e desejos. Sentir-se só, o estar em solidão, é reconhecer a inexistência, é sentir o peso da ausência de vínculos que o ancore com o mundo. seguindo Zeca Baleiro, o canastrão, ao contrário do ator verdadeiro, não cria vínculos entre sua personagem e a platéia. Por isso, ao cair do pano, o ator tem os aplausos e o sentimento vindo da plateia. Está só, mas não se sente só. O canastrão está sozinho. E solitário.

"Eu 'tava só, sozinho

Mais solitário que um paulistano

Que um canastrão na hora que cai o pano" 

Zeca Baleiro

"É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,

É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte"

 Fernando Pessoa

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Papéis, subjetivo, objetivo

 Há palavras em Psicodrama que uso frequentemente, mas acho que poderiam ser mais frequentemente usadas. E compreendidas. Um dos conceitos fundamentais em nosso método  e ponto de vista existencial, o Psicodrama Moreniano, é o conceito de Papel. Percebo que muitas vezes quem utiliza talvez não alcance a profundidade do conceito. Em inglês, a palavra é Role. Fica mais fácil entender sua origem. Em começo, no Teatro, tudo da personagem, texto, gestual, expressão verbal, adereços, estavam escritas e guardadas em Rolos de papel. Daí, do francês obsoleto roule veio o Role inglês. Então, a palavra e conceito advém do teatro. Texto a ser atuado pela personagem, como todas as indicações para seu melhor desempenho. Moreno, apaixonado por teatro, puxa essa palavra e amplifica e aprofunda o conceito que essa palavra representa. Do ponto de vista Moreniano todas as relações se fazem por meio de papéis. Não ná um contato real e atual entre os dois Eu de uma relação. Ele, Moreno, diz serem os papéis a parte tangível do eu. Tangível é o que toca ou pode ser tocado. Então, se as relações se estabelecem entre papéis, e se o papel é a totalidade de texto, adereços, entonação, afetos, da personagem, quando nos relacionamos os papéis podem e devem flutuar. A personagem é a mesma, porém desempenha papéis diferente. A personagem Pai pode estar no papel de protetor, cobrador, autoridade, suporte, companheiro, confidente e tantos  outros. Mesmo nos papéis profissionais em que a flexibilidade é menor (e isto acontece porque a relação médico paciente, p.ex., se faz nessa demanda, especificamente), é possível que a dimensão subjetiva do papel possa burilar e revestir o papel profissional de outras características. Daí essa ideia moreniana de perceber os papéis como tendo uma dimensão objetiva, socialmente prescrita, e uma dimensão subjetiva, que traz em si, inscrita em seu corpo, toda a sua história pessoal. Isso é que faz com os desempenhos dos mesmos papéis sejam tão diferentes dependendo da personagem que o exerce.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...