Lendo Alice através do Espelho, de Lewis Carrol, vi esta passagem: “O que você acharia de morar na Casa do Espelho, Kitty? Será que lhe dariam leite lá? Talvez o leite do Espelho não seja gostoso… mas, oh, Kitty! agora chegamos ao corredor. Só se consegue dar uma espiadinha no corredor da Casa do Espelho deixando a porta da nossa sala de estar escancarada: é muito parecido com o nosso corredor, até onde se pode ver, só que adiante pode ser completamente diferente. Oh, Kitty, como seria bom se pudéssemos atravessar para a Casa do Espelho! Tenho certeza de que nela, oh! há tantas coisas bonitas! Vamos fazer de conta que é possível atravessar para lá de alguma maneira, Kitty. Vamos fazer de conta que o espelho ficou todo macio, como gaze, para podermos atravessá-lo." Não há como não lembrar de uma das três técnicas fundamentais do Psicodrama: o Espelho. Sinteticamente, o protagonista passa a ser plateia e um ego auxiliar reproduz sua cena que ele a verá de fora. Aqui Alice tem a curiosidade de ver além do corredor que não está visível de onde ela está. Ela atravessa o espelho e diz:" É muito parecido com o nosso corredor, até onde se pode ver, só que adiante pode ser completamente diferente. " Ela abre a possibilidade de ver além do que já foi visto. É tudo que esperamos do Psicodrama. Dar e dar-se uma nova chance de ver além do corredor.
segunda-feira, 25 de setembro de 2023
sábado, 16 de setembro de 2023
Dostoievski e Moreno
Relendo Crime e Castigo de Dostoievski me deparei com essa passagem: ""Porque exiges de mim um heroísmo que talvez não tenhas? Isso é tirania, é uma violência!". Vem-me à cabeça muitas coisas. Uma, é sempre mais fácil dizer ao outro o que deve ser feito. Outra, de fora não se tem a dimensão subjetiva de nossas ações. Moreno dizia que nossa cabeça não é transparente para os outros. Esse trecho do grande russo mostra também o caráter tirânico do conselho compulsório. E aí, não há como não lembrar do nosso Psicodrama. O dr. J.L. Moreno (como ele gostava de ser chamado) colocou a Inversão de Papéis, uma das três técnicas fundamentais, como aquele que está no seu poema considerado Divisa do Psicodrama: "Então ver-te-ei com os teus olho e tu ver-me-ás com os meus". Isso é inversão de papéis. Incluir o ponto de vista do outro aliando-se ao meu ponto de vista. Aí saímos do do impasse dostoievskiano. Nós poderemos sugerir admitindo o sentimento e visão de mundo do outro. Deixando a ordem (assim é sentido) tirânica e ditatorial e passando a uma ajuda ou sugestão mais sintônica e harmônica com a posição existencial daquele que está em sofrimento. Psicodrama ontem, hoje e sempre.
sábado, 9 de setembro de 2023
Sonhos impossíveis
Realizando um Psicodrama Público (Diadema), o tema era a canção do musical "Homem de La Mancha", "Sonhar, sonhar mais um sonho impossível". Muitas pessoas, muitos psicodramatistas, estudantes de quarto semestre de Psicologia (Disciplina Psicodrama). Cada pessoa escolheu um verso para si. Solicitamos que nos trouxessem uma imagem ou cena para a qual aquele verso pudesse ser a legenda. Três apareceram. "É minha lei, é minha questão", "Se esse chão que beijei for meu leito e perdão" e "Sonhar mais um sonho impossível". As três cenas foram dramatizadas. É sempre bom escutar a experiência de quem participa pela primeira vez. "Não esperava, me surpreendeu", "Não gosto de me expor, mas aqui me senti acolhida. Sinto estar em algo maior do que eu, mas eu faço parte disso", "Gostaria de ter tido mais coragem, veio uma cena, mas tive vergonha. Da próxima vez não perderei a oportunidade". Uma psicodramatista, repetindo o caso Dora, diz "sempre faço papéis de boazinha, hoje fiz de uma vilã, foi diferente". Quarenta anos depois uma cena encontra uma nova perspectiva. "Minha autoestima sem crítica destrutiva, aumentou". Duplos, solilóquios, interposição de resistência, inversão de papéis. entrevista no papel, catarse de integração. Múltiplas técnicas. Mas o Psicodrama está além e acima do exercício de técnicas. Confiança no grupo, confiança no Método, deixar o protagonista ser guia de sua história, não pretender ou supor que há necessidade de dar soluções ao fim e ao cabo. Aceitar o timing da cena e da vida.
Mais um sonho impossível
O inimigo invencível
A tortura implacável
A incabível prisão
Num limite improvável
O inacessível chão
Se é terrível demais
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
segunda-feira, 4 de setembro de 2023
Ah, a música!
Realizamos uma atividade aberta para o Congresso Iberoamericano de Psicodrama. O tema era "A Ponte e a Ilha". A trilha sonora era sobre isso, mas a música que se revelou o tema protagônico foi de Lenine e Lula Queiroga, A Ponte. Nela há há três versos, entre tantos, que nos chama a atenção psicodramática. Uma é "Como se faz para lavar a roupa? Vai na fonte". Outra "A ilha é uma maravilha, mas como se faz para sair da ilha? Pela ponte". E o terceiro, "A ponte não é para ir nem para voltar, é somente para atravessar". Esses três versos são o resumo do Psicodrama. O primeiro, referindo-se ao óbvio ( e necessário) lembrete, para se lavar uma roupa, vai-se na fonte. Buscar a fonte de cada cena desdobrada, ou em psicodramtiquês, o Status Nascendi (O ovo, a cena em seu estado de nascimento) de cada cena: É na fonte que lavamos a roupa. O segundo verso, sobre a ilha ser uma maravilha, mas é uma ilha. Isolada, sem contato com o continente. Físico, na geografia. Relacional, em nosso caso humano e psicodramático. As relações em corredor, simbióticas, podem ser uma maravilha, mas são estéreis relacionalmente, isoladas. Lagoa Azul. E como se faz para sair de uma ilha que é uma maravilha? Pela ponte. Pela construção de vínculos outros. Em outros e múltiplos papéis. Cada ponte construída é um vínculo novo criado. O terceiro verso define o exercício do Psicodrama: Não é para ir nem voltar. É para atravessar. Sair da ilha relacional ou conceitual, estabelecer pontes-vínculo novos. Sai da imobilidade da conserva, ainda que maravilhosa. Atravessar é um verbo de movimento, É dado aos Papas o título de Pontifex, construtor de pontes. Para seu papel de líder religioso é inteligível. O Psicodramatista é um Pontifex.
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