domingo, 21 de julho de 2024

duplo/dublagem e outras coisas

 Lendo alguns escritos e em algumas direções, percebi uma certa confusão, importante confusão, entre a técnica fundamental do duplo e a tomada de papel. Vamos ao começo. O  Duplo ou dublagem (em inglês, double).remete ao primeiro Universo, à fase de total indiferenciação entre a criança e o outro. Nessa fase, o caos primitivo, há uma completa mescla entra a criança e o papel parental. Portanto, a criança e a mãe, p.ex., são fundidos pela indiferenciação. Dessa forma, a mãe pode sentir o que a criança sente, porém ela PODE expressar verbalmente. Uma experiência cotidiana nos papéis parentais. O Duplo remete a essa fase. Então, não é um pensamento, uma interpretação racional, não é uma sugestão, um ensinamento, que o diretor/terapeuta ou o ego auxiliar pensa que é o melhor para o protagonista da cena. Mas, assumindo sua postura, abrindo-se à espontaneidade do momento, deixar vir a si o que o protagonista PODE estar sentindo e não expressa. É a isso que Moysés Aguiar chamava de dublagem. Tal como em um filme, o texto é a fala do ator dita em uma língua que não entendemos, apenas o diretor ou ego auxiliar o dubla para a linguagem verbal. Não é uma interpretação ou racionalização do protagonista, mas verdadeiramente uma dublagem em outra língua. Mas, como os italianos diriam traduttori, traditori - tradutor, traidor. Após a dublagem/duplo é necessário, imprescindível, perceber a validação ou não validação pelo protagonista. Por um gesto de concordância ou negação, por uma verbalização confirmatória ou não. O Duplo/Dublagem não se valida por si, pela "sapiência" do diretor/terapeuta. É como um tradutor de um texto ter que perguntar ao autor do texto se apreendeu o sentido real do que escreveu. É um caminho proposto pelo diretor/terapeuta,  trilhado pelo protagonista. 

sábado, 6 de julho de 2024

Analogias e metáforas

Lendo um filósofo espanhol, Ortega y Gasset: Ele descreve um passeio por um bosque/floresta. E vai descrevendo os sons. Um canto de pássaro lhe chama a atenção, sobrepondo-se aos outros sons. E, no momento seguinte, ele dirige a atenção para os sons que haviam se tornado fundo, tornando-os figura. E, aí acontece o toque genial. Todos os sons ali estão, todos são simultâneos. Mas, somos nós que, ao intencionalmente, dirigir a atenção para um determinado objeto, ou lembrança, ou desejo, os tornamos figura ou fundo. Bela metáfora para a psicoterapia. E, em especial, para o Psicodrama. Tudo está sempre aqui conosco. É nossa direção do olhar, a nossa intenção, que torna algo aparente ou oculto, superficial ou profundo. Lembro que Verdade em grego é Aletheia. Literalmente Não Esquecimento.. As verdades não são inventadas.  São desvelamento, revelação, reencontro, dar-se conta, olhar em outra perspectiva, trazer o fundo para figura e deixar a, até então, figura, no fundo, transformando-as de imagens fixas em cenas móveis. Todas as psicoterapias assim fazem, cada uma com seu método. Mas, o Psicodrama, ao tridimensionalizar em cena, ao permitir que o protagonista veja com seus olhos a sua cena, potencializa essa transformação de algo fixo e imutável em algo dinâmico

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Uau!

 Hoje, 3 de Julho, é data de nascimento de Franz Kafka, Em 1883. Lendo um de seus Aforismos, há este: "Há dois pecados humanos capitais, dos quais se derivam todos os outros: impaciência e indolência. Por impaciência foram os humanos expulsos do Paraíso; por indolência não regressaram. Entretanto talvez haja somente um pecado capital: a impaciência. Por impaciência foram expulsos, por impaciência não regressaram." Claro que essa é a história do ser humano. mas, acho que podemos, à luz de Kafka, olhar as ações de direção do Diretor/Condutor psicodramático. Impaciência e indolência. E, novamente, impaciência. Vamos iniciar pela indolência ou preguiça ou acomodamento. Isso nos conduz, ao dirigir, a estabelecer planos rígidos, pré-determinados, que nos desobrigariam (que ilusão!) da faina de encontramo-nos com o imprevisto, de lidar o aqui e agora. E a impaciência? Impor o tempo do Condutor ao grupo é impaciência. Urgir pela dramatização, é impaciência. Forçar um protagonista, é impaciência. Atropelar o aquecimento, é impaciência. E essa última observação kafkiana, de que a impaciência sozinha é responsável por todos os outros pecados? Trazendo a nosso mundo psicodramático, diria, de maneira escatológica,, que "toda merda PODE se tornar adubo". Essa é a maneira que expresso em grupos de psicodrama publico ou teatro espontâneo, a minha visão de que não há erros irreversíveis numa direção psicodramática, não há pecados de direção, desde que possamos nos abrir a que todo acontecimento pode ser a próxima cena em status nascendi, pode ser o germe da próxima dramatização. Só se tornará uma "merda" se nos ativermos à aparência, à frustração, à impotência. Dando-se uma funcionalidade de aquecimento, de experimentação, de possibilidade de um novo rumo, de se escutar o que o grupo deseja, a alquimia escatológica, merda em adubo, se fará.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...