Uma das coisas que me incomodam e surpreendem nas redes é a contínua cobrança de que tudo é possível, tudo só depende da pessoa, que a derrota é sempre consequência de inação pessoal. Surpreso porque uma das coisas importantes num trabalho psicoterápico é o reconhecimento dos limites. Claro, esses limites podem ser imaginários, serem criações pessoais. Mas há os limites impostos pela realidade. Reconhecer o limite não é ser limitado por eles, necessariamente. Simplesmente, é saber contra o que está brigando. A falta do limite gera o espontaneísmo das ações. No Psicodrama, onde a fantasia é estimulada, o próprio palco exerce um limite à ação espontânea. Fora do palco é a realidade "real". No palco é a realidade dramática, a nossa chamada realidade suplementar. Ao se montar uma cena delimitando-se, por exemplo uma parede, podemos atravessá-la por uma ação magica, mas sabemos que há uma parece. Se por ventura, o protagonista a ultrapassa, impulsivamente, a cena será remontada para incluir a solução espontânea, porém adequada ao real. O que vemos nas redes é um estimulo à ação impulsiva junto à culpabilidade pela não obtenção do que deseja. Como se dissesse: você pode tudo, se não consegue é por fraqueza, falta de persistência, falta de vontade. Ou seja, o mundo é onipotentemente seu. E o contrário, o antônimo de onipotência é impotência, é a sensação de fracasso. Por isso volto ao mestre Gilberto Gil: "A agulha do real nas mãos da fantasia", em A Linha e o Linho. É isto.
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
segunda-feira, 19 de agosto de 2024
"Capricho"
Há expressões de minha infância: "Ser caprichoso", fazer as coisas "No capricho". Significava ser cuidadoso no que fazia, fazer o melhor possível, não ser desleixado, alinhavando as coisas. E há o perfeccionismo. "Não consigo nem pensar em errar!", frase de uma paciente O temor de cometer um erro torna-se tão grande que o perfeccionista torna-se lento, fazendo e refazendo, tornando-se, na prática, improdutivo ou pouco produtivo. E isso é o oposto de ser "caprichoso", "cuidadoso". A rigidez e imobilidade são sempre, em a natureza, sinônimos ou indicadores de não vida. A Vida é mudança, flexibilidade. O "caprichoso" sente o prazer do fim de sua obra, goza de sua ação. E as pessoas presas do medo do erro, perfeccionistas, são ou tornam suas vidas rígidas, imóveis, desnaturadas. E com isso não usufruem do prazer do ato bem feito, do ato realizado. Estão sempre esperando algo melhor do que conseguiram, estão sempre deixando de se gratificar, vivendo num contínuo do "podia ser melhor". E, se me perguntarem em que o Psicodrama (ou qualquer outra forma psicoterápica) poderia ser útil? Permitir que aquela pessoa perceba ou descubra seu temor de errar, sua necessidade de se proteger da crítica antecipada, sua permanente necessidade de controlar o futuro. Tarefa que, por ser impossível, torna o perfeccionista um candidato à experiência de sentir-se derrotado, ao longo de sua vida.
terça-feira, 6 de agosto de 2024
Propaganda e Psicodrama
Gosto de observar propaganda. Elas, como são destinadas a vender um produto, captam a essência do Zeitgeist , do espírito do tempo, de forma pragmática. Vi um outdoor (em português (???), em inglês seria billboard). Lá estava: "Qual a diferença entre homens e ícones". O produto a ser vendido era um curso para transformar as pessoas em celebridades (?), em "ícones". Estava de carona e tive tempo de ler e pensar. Ícone em grego é imagem, estátua. Na igreja Bizantina aqueles quadros são chamados de Ícones. E pensei. No Psicodrama privilegiamos a flexibilidade, a mudança, e chamamos de conservas culturais àquelas situações que são tomadas sempre de uma mesma maneira, não são recriadas. A conserva é o que se mantém inalterado, fixo, estável. A Espontaneidade Criatividade permitem que se reelabore a conserva, lhe dê uma novo uso, uma nova saída, uma nova e adequada resposta, em lugar da mera repetição. A conserva cultural cria a cultura ( Que aliteração!), mas sem ser renovada e recriada conduz à imobilidade. Aí ela se torna uma questão psicodramática. As respostas emocionais e comportamentais conservadas constituem (Outra aliteração!), os sintomas, as nossas queixas humanas. E aí? que tem a ver com o outdoor? Uma imagem é uma conserva cultural. Algo fixo, preservado, sempre o mesmo, mas submetido ao desgaste temporal. O que me vem à cabeça é a cena bíblica da mudança da mulher de Lot em uma estátua de sal. Imóvel no tempo, sem ação, sem vida, sem autonomia. Uma condenação pela violação de uma ordem. E, hoje buscamos nos transformar em ícones. Presos à nossa imagem exposta e consumida nas chamadas redes sociais (redes comerciais). De punição tornou-se meta, símbolo de sucesso. Ser condenado a uma eterna e imutável imagem, sem escolha, sempre presos a si, sem vínculos. Para o Psicodrama, seria o nosso antidestino.
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