Pensava comigo que estamos perdendo o uso de palavras e nos deixando, cada vez mais, usar palavras extremas. esquecendo as nuances intermediárias. Isso veio à mente ao ler poesia e como o poeta consegue construir, em nós, o estado de espírito análogo ao dele ao escrever. Palavras, neologismos, formas diversas de pintar essa paisagem mental, como dizia Fernando Pessoa. Quando vamos rarefazendo nosso vocabulário pessoal, ao mesmo tempo, vamos retirando as nuances de cor e vendo cada vez mais em preto e branco, ou tons de cinza. O discurso pobre em palavras é pobre em nuances, e aglutina coisas variadas numa mesma caixa. O médico clínico, o psiquiatra , o psicoterapeuta, percebe como a autodescrição ou contação de uma história torna-se superficial. Nosso Psicodrama, com o recurso da Psicodramatização ou da simples formação de imagens, pode trazer ao protagonista uma visão de tonalidades diferentes, não descritas antes pela linguagem mais sumária. "Não é bem isso", "não é bem assim", "não, não, é muito menos ou muito mais". A poesia, a literatura, a arte, acrescenta mais nuances e variações à descrição da paisagem mental de Pessoa.
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
Palco
"Minha alma cheira a talco, como um bumbum de bebê". Ao falarmos a palavra palco essa musica de Gil vem à cabeça. O palco no psicodrama é um dos instrumentos fundamentais para seu exercício pleno. Pode ser um palco como o de Moreno em Beacon, pode ser um praticável, um espaço delimitado fisicamente ou consensualmente. Mas um palco. Existe uma intencionalidade no uso do palco, similar ao Teatro: O palco amplifica a cena, torna-a o centro das atenções, dá relevo, profundidade ao desenrolar cênico. porém, além disso, há um plus fundamentado na teoria socionômica moreniana. No palco prevalece a verdade dramática, a verdade poética, a fantasia, a realidade suplementar. Na plateia prevalece a realidade objetiva, a consensual do grupo, a "real". Assim, entrar e sair do palco numa atividade Socionomica tem um significado muitíssimo mais profundo. É entrar e sair da Realidade Suplementar, é atravessar a fenda, a separação entre realidade "real" e realidade dramática. É poder, como adultos, voltar a transitar entre esses dois mundos. A nossa pretensa maturidade, mais que uma fissura, cria um verdadeiro abismo intransponível entre o mundo que vivemos e o mundo fantástico, suplementar. Só tendo um palco e conhecendo seu poder instrumental poderemos usar adequadamente o recurso do Espelho. Ao sairmos do palco e vermos a nossa cena reencenada, a vemos da plateia, a vemos do mundo "real", a vemos como um outro qualquer a veria. Ou seja Nos vemos em ação. Cheira a talco, cheira a bebê, nos remete à infância, à origem de tudo, ao status nascendi de nossas cenas. Palco.
segunda-feira, 7 de outubro de 2024
Puxa!
Voltando a um tema algo complicado no Psicodrama. Há algum tempo usa-se a palavra empatia com muita frequência. "Vc não tem empatia", "vc precisa desenvolver empatia". a forma como é dita e cobrada lembra um atributo moral ou uma virtude ou m defeito em sua ausência. etimologicamente, empatia vem do grego em (dentro) + pathos (sentimento). O que seria "sentir de dentro" uma tradução aproximada. Até hoje em Grécia é usada nesse sentido. A capacidade de colocar-se no lugar no outro sentindo aproximadamente o que ele (o outro) sente. Em fenomenologia não não é usada como um atributo ou virtude moral. É uma ferramenta de investigação. E essa ferramenta pressupõe um preparo para ser exercida. esse preparo é uma profunda e honesta depuração dos prejulgamentos, dos preconceitos. com isso feito no maior rigor pode ser exercida como ferramenta diagnóstica. Mas, isso sempre exige que haja uma validação por parte do investigado. Foi dessa forma que o psiquiatra e filósofo Karl Jaspers trouxe para a psiquiatria o conhecimento da fenomenologia. E Moreno? Ele estava desenvolvendo um conceito de empatia, mão dupla. Essa empatia recíproca, base da relação entre papéis, ele chamou de Tele. Algo que, à distância permitia que duas pessoas em relação pudessem se perceber com mais nitidez. Ele expressou isso num poema escrito muito tempo antes do próprio conceito: Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face, e quando você estiver perto arrancarei seus olhos e os colocarei no lugar dos meus; arrancarei os meus olhos e os colocarei no lugar dos seus; então verei você com os seus olhos e você me verá com os meus olhos. Essa empatia dupla de Moreno, a Tele, não seria mais um instrumento investigatório, mas sim a base de compreensão do das escolhas soicoométricas. Ou seja, é a possibilidade de nos reconhecermos com os mesmos sinais que possibilita uma relação saudável. Isso significa que se eu e outra pessoa nos vemos e nos percebemos como inimigos, p.ex., isso é télico. porque seria pouco saudável se o vejo como inimigo e ele como amigo, simplificando. Para que não se transforme em um atributo que uns têm e outros não, que uns têm muito e outros o têm pouco, Moysés Aguiar nos ajudou trazendo a ideia de projeto cênico comum. Ou seja, numa peça, em um palco, os personagens precisam se complementar. nas relações, caso eu esteja num drama romântico e a outra pessoa em uma comédia satírica seria um projeto não télico. É algo da construção das relações, não é uma qualidade pessoal. As relações é que podem ser télicas ou não télicas, e não as pessoas envolvidas.
terça-feira, 1 de outubro de 2024
E, finalmente, o que é Psicodrama?
Hoje estive com uma turma de psicologia para fazermos uma manhã de Psicodrama. A maioria nada conhecia de Moreno e Psicodrama. Como manhã de informação e formação foi muito produtiva. mas, ao final, duas pessoas me questionaram sobre a palavra adequação que leram sobre espontaneidade e criatividade. A dúvida deles: É algo de enquadramento em normas? É para ajustar as pessoas às normas sociais? Pena que foi entre nós três e a professora que me convidou. Pena que os outros já haviam saído. Mas, como talvez eles estejam me lendo em algum momento, e como sei, que essa questão sempre e sempre perpassa quem entra em contato com Moreno e Cia, parece ser agora um bom momento. O pensamento do psicodramatista é na Cena. Não apenas na cena desenrolada em um palco explícito, não apenas no palco psicodramático. Sempre que os papéis entram em relação, nós temos uma cena. E quando nos referimos á capacidade de reagir ou agir de forma adequada, absolutamente não é pensando numa adequação moral. Mas, à cena que está se desenrolando naquela relação. O espontaneísmo seria a resposta impulsiva, levando em conta, tão somente, os desejos pessoais. A reação ou ação criativa leva em conta o outro em sua resposta. É a mais adequada àquela cena naquele encontro. Daí porque Moreno referia-se à respostas cristalizadas, conservadas (no jargão psicodramático). A resposta tornada habitual, fixa, imutável. A ação repetida sem outras razões que a repetição. A história contada numa narrativa imutável. A Socionomia Moreniana busca que criemos e experimentemos outros pontos de vista, outras formas de agir. A Socionomia visa IN-Comodar. Sair da comodidade conservada, do angulo de mirada fixo, da opinião congelada, do sentimento fossilizado. Esse é o objetivo. Nada tem de moralizante, normalizador, nem estímulo à impulsividade. É o espaço do experimentar e refletir.
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E assim é.
Experimentar e refletir. Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo. Há mais de trinta anos...
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Quando não podemos fazer algo apenas por nós mesmos pedimos ajuda à instrumentos, objetos ou a outras pessoas. Aos míopes, o óculos é um in...
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