sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Ato psicoterápico e ato pedagógico


Aprendemos cedo na escola que no enunciado de um problema a conjunção e traduz-se por + na linguagem matemática. Assim, 1+1 é igual a 1 e 1. Aprendemos também que não se pode somar quantidades heterogêneas. Deste modo o nosso título seria “Psicoterapia + Pedagogia” reconhecendo que não são quantidades heterogêneas. O que a matemática nos mostra de forma tão fácil e transparente necessita de muitas letras para ser demonstrado em linguagem verbal.
É costume colocar-se o ato pedagógico como sendo apenas do contexto educacional deixando o ato psicoterápico apenas no contexto terapêutico. Claro que colocar o aprendiz de psicoterapeuta em terapia pressupõe não apenas o aspecto terapêutico, mas, principalmente, o aprendizado de um papel por meio do seu complementar. Ao se colocar como cliente o aprendiz assume o papel complementar ao de terapeuta. Ele experimenta em si as ações daquele papel que, enfim, é o que busca. Aqui vemos um ato psicoterápico que se completa em um ato pedagógico. E o inverso? Um ato pedagógico pode se completar em um ato psicoterápico? Imaginemos um adulto analfabeto. Ele não compreende o que está escrito, as coisas lhe acontecem, de um letreiro de ônibus a um documento, sem que ele compreenda. Não consegue intervir naquele mundo onde tudo se baseia na linguagem escrita. Está, portanto, alienado deste contexto humano. Ao ser alfabetizado, um mundo se abre para ele, uma nova visão de mundo, um novo enfoque. Ele passa a ter instrumentos para intervir onde antes era alienado. Isto não é uma descrição de um processo psicoterápico? Propicia a desalienação e uma nova visão de mundo associadas à potência de ação, intervenção. Na alfabetização o processo é mais nítido por ser um gradiente maior: analfabeto X alfabetizado. Porém, qualquer acréscimo cultural tem algum grau de poder desalienador e libertador. E como tal, a intervenção pedagógica, o ato pedagógico, tem seu forte conteúdo terapêutico. A gangorra, agora, volta-se para o ato psicoterápico. Temos por base que psicoterapia não é apenas a remoção de sintomas. Seu objetivo maior é ajudar a produzir a desalienação do indivíduo, liberando sua espontaneidade criatividade para a sua efetiva afirmação no mundo. Isto, contudo, não se faz por ato do terapeuta. Quando numa terapia, o poder de mudança, de transformação alquímica pertence ao terapeuta ou lhe é dado pelo cliente, configura-se uma relação de dependência, de dominação, superior, talvez, a uma dependência química. O terapeuta não é o mágico que tira soluções da cartola para o cliente plateia. Terapia vem de uma raiz grega com o significado de ajuda, auxilio. Como o processo psicoterápico se torna terapêutico e não, iatrogenicamente, gerador de dependência? Quando o cliente aprende a fazer aquilo sozinho! Quando o cliente se transforma em seu próprio terapeuta! Tal qual o aprendiz de terapeuta quando faz sua terapia didática. A psicoterapia só se torna terapêutica quando ela é pedagógica.

Educação provém de uma raiz latina – ex-ducere - que significa conduzir para fora. Existe algo já dentro do indivíduo que o educador ajuda a fazer o parto (maieutica). O contrário disto é a instrução em que o saber vem do instrutor sendo introduzido no aluno. Similarmente, o ato psicoterápico ajuda aquilo que já existe no indivíduo a vir à luz. O modelo intervencionista, autoritário, em que o saber terapêutico pertence ao terapeuta é um modelo de instrução, não de educação: preserva o gradiente cliente aluno X terapeuta professor. A inversão de papéis cliente terapeuta jamais se concretizaria numa relação tão rigidamente posta e esse é o objetivo do ato terapêutico pedagógico: a inversão de papéis em que o cliente toma o papel de terapeuta, sendo seu próprio terapeuta, dispensando, finalmente, a ajuda do terapeuta parteiro. Em outro momento, outro papel, talvez novo parto se anuncie.

Um comentário:

  1. querido tom, estou animada pelo que já li até agora.
    desde que me encorajou a escrever sobre psicodrama e vida tenho me posto a pensar por onde começo.
    você trouxe essa analogia com a pedagogia com sabedoria e leveza, foi assim que chegou em mim.
    agradeço pela sua disponibilidade de oferecer ouro puro.
    logo menos compartilho com você meus escritos, abraço!!
    nataxes

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Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...