segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Equiíbrio estático e equilíbrio dinâmico

Em múltiplas conversas fico com a impressão de que existe uma certa dicotomia existencial entre pessoas que privilegiam, desejam, buscam, a segurança e estabilidade de um lado. E de outro lado, pessoas que privilegiam, desejam, buscam, a liberdade de ação. Dito de forma complementar: Há pessoas que temem terrivelmente a instabilidade de seu futuro. E há outras pessoas que temem terrivelmente a sensação de estagnação, de paradeiro, de horizonte sempre igual. Identificar, ao longo da vida, seu temor e seu desejo, torná-los claramente definidos, assumi-los como seus, ajuda a não dar murros em ponta de faca, ao se medir por parâmetros alheios. Tentar ser empreendedor tendo um perfil de estabilidade leva a angústia e dor de estômago, Tentar concurso público  com perfil de liberdade é criar uma angústia insolúvel de aprisionamento. É a mesma diferença que existe em Física entre equilíbrio estático e equilíbrio dinâmico.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Autonomia, independência

Há muito tempo escutei duas palavras que até então julgava ou sinônimas ou quase sinônimas. Autonomia e independência. Indo à etimologia das palavras. Autós, em grego, significa próprio; nomos, em grego, significa lei, norma. Assim, autônomo é aquele que faz as suas próprias escolhas, segue sua norma pessoal. Independente é aquele que não depende. Deixando o pensamento livre para brincar com os conceitos e palavras faço uma distinção. E esta distinção é muito importante em Psicodrama. Independência ou dependência tem a ver com os aspectos objetivos, segurança material, sustentação financeira. Nesse ponto de vista, depender ou independer se refere à capacidade de viver ou sobreviver por conta própria. Enquanto autonomia refere-se à capacidade de fazer escolhas, reconhecer as próprias normas, a sua própria lei. Em um ambiente psicodramático, seja ele clínico ou teatro espontâneo,é possível colocar no mesmo palco essas duas cenas. A capacidade objetiva e suas limitações para viver e sobreviver, de um lado. A viagem pessoal de descobrir suas escolhas, suas leis, do outro lado. O encontro das limitações à autonomia interna de escolha (perda da espontaneidade) com o reconhecimento das limitações à sobrevivência objetiva faz com que trabalhar-se a cena como um todo conduz, possa iluminar e propor experiências de adequação ou confronto produtivo.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Realidade Virtual Psicodramática

Estava assistindo a um programa sobre realidade virtual. E o que é realidade virtual? Ao pé da letra é vivenciar como se fosse real uma experiência qualquer. E isto feito por uma tecnologia digitalizada específica. Pensando, pensando sobre isso. E não precisa pensar tanto. Psicodrama é Realidade Virtual. Toda o instrumental existente no Psicodrama é baseado não em tecnologia digital, mas sim em tecnologia analógica. E a nossa tecnologia analógica é a imaginação. A imaginação é o nosso instrumento do como se. O aquecimento, warming-up, em Psicodrama é a forma de ligar esse instrumento. A imaginação necessita de um tempo de aquecimento para atingir sua plenitude tecnológica. Sem esse aquecimento inicial e mantido o instrumento permanece desligado. E a Realidade Virtual Psicodramática não acontece e não acontecerá. 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Ambiente e cena

"Ambiente não é apenas a região geográfica a que pertence um organismo. É o espaço criado pelo organismo em suas atividades." Esse trecho é de um eminente biólogo, Richard Lewontin. "A espontaneidade entra no nascimento e criação de uma criança, na criação de obras de arte e tecnologia, na criação de novos ambientes sociais." Esse trecho é de Moreno, criador do Psicodrama. Esse atributo da Espontaneidade assinalado por Moreno, ressalta a própria ideia do Psicodrama, da Socionomia, serem instrumentos de intervenção não apenas no intrapsíquico do indivíduo, mas na mudança e criação de formas de relação interpessoais, ambientes sociais novos e adequados. Voltando àquele biólogo citado acima, Richard Lewontin,também diz: "Se queremos conhecer o ambiente devemos consultar ao próprio." Moreno concordaria totalmente com esta visão. Se ambiente é resultado de interação, só podemos nos aproximarmos do conhecimento das relações humanas consultando a própria relação. Daí o olhar fenomenológico psicodramático não ser preconcebido, ele consulta a cena. A cena é a reconstrução do ambiente relacional onde e quando o protagonista e o grupo podem consultar, assinalar e intervir sem hipóteses subjacentes.

sábado, 13 de janeiro de 2018

Moreno, modernidade, psicoterapia...

Existe na indústria de consumo algo chamado de obsolescência planejada. Esse quase palavrão quer dizer desatualização programada. Isto força, previsivelmente, busca pelo novidade, pelo novo. Isto se infiltra em toda a atividade humana. Iniciou-se pela indústria, mas vemos hoje essa busca frenética pelo novo em todos os setores de atividade humana. Até naqueles onde o peso da tradição era seu fundamento, como nas religiões. Essa planejada desatualização usa como mecanismo gerador a desqualificação da tradição, do clássico. Duas palavras hoje inimigas da modernidade suposta: tradição e clássico. O novo torna-se melhor por apenas ser novo.Trazendo para nossa área de atuação, o campo da psicoterapia, da socionomia, do psicodrama, do sociodrama, observamos a mesma desatualização planejada, a mesma desqualificação do clássico em função do apenas novo. Moreno, já há muitos anos, fazia a diferença entre novidade e criatividade. A novidade é apenas uma embalagem nova cujo conteúdo, muitas e muitas vezes, não conta. A novidade fruto dessa obsolescência planejada necessita de uma credulidade enorme, para possibilitar que a irrelevância e  falta de conteúdo não seja percebida. Moreno buscava a criatividade, a resposta nova e adequada para uma situação antiga ou uma resposta adequada para uma situação nova. Mas ele sabia que não se reinventa a roda toda as horas, todos os dias. A novidade em sua esmagadora maioria é mais do mesmo, não é uma resposta original, criativa e adequada. A novidade tende a não ser original. É uma resposta à enorme influência que a ideia de mercado tem sobre todos. 

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Ligações e correntes

Na cidade de Roma há uma igreja chamada Igreja de S. Pedro Acorrentado em que há uma imagem desse santo preso em correntes. Em italiano é San Pietro in Vincoli. acorrentado em italiano é in vincoli. A palavra vínculo em português vem dessa mesma origem latina. Vinculo significa aquilo que ata, liga, une, prende. Vincular é, assim, atar, prender, ligar, unir. Em Psicodrama, na Teoria Moreniana da Socionomia, existe o conceito central de Papel. E que todas as relações interpessoais se dão por meio de papéis, acontecem entre papéis. Alguém no papel de pai se relaciona com alguém no papel de filho. a mesma coisa com todos os papéis ao se complementarem numa relação. E aquilo que une, ata, liga, prende os dois papéis complementares é o vínculo. As duas faces do conceito estão presentes na palavra. Unir e atar. Ligar e prender. Vincular-se a algo ou alguém tem sempre envolvidos esses dois lados da moeda. cada vínculo restringe algum grau de liberdade da ação autônoma. O vínculo pressupõe a perda do prender, do atar e  o ganho da união, da ligação.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Hamlet

Relendo Hamlet encontro novamente o monólogo do to Be or not to Be. E pensando nesse monólogo e nos monólogos teatrais pensei na Teoria dos Papéis de Moreno. Nessa teoria ele explicita que os nossos papéis são a parte tangível do nosso Eu. Ou seja, nós entramos em contato uns com os outros com relações que se estabelecem entre papéis. E os papéis são formas de ação e reação que surgem nessa relação. Portanto, todo vínculo pressupõe o papel complementar. Tudo sempre acontece entre dois papéis, todas as relações vinculares acontecem entre papéis. Assim ao ouvirmos "alguém é dominador, imediatamente vem a questão: o papel de dominador necessita do papel de dominado. Dessa forma, o Psicodrama, O Sociodrama, o Teatro Espontâneo, enfim o modelo Socionômico, coloca na relação entre papéis, no reconhecimento dos papéis exercidos, criativamente ou de forma conservada, repetitiva, o eixo do trabalho terapêutico. Saindo de um papel bastante frequente, o de queixoso. Que repete infinitamente a queixa e não exercita a mudança. E Hamlet? O que ele tem a ver com tudo nisto? Nada. É que os monólogos teatrais, ator único em cena, "monologando", são uma forma de entendermos algo da teoria de Papéis Moreniana. Os monólogos teatrais são monólogos, apenas objetivamente. porque sempre há um papel complementar oculto em cena. Ele não está visível em cena, mas está presente na relação com o protagonista. Todo o conteúdo de qualquer bom monólogo teatral pressupõe o outro. Embora ausente fisicamente, embora não estando em cena, o vínculo com o papel complementar  está totalmente explícito na fala. Também isto acontece nas relações terapêuticas. Tornar explícito o contra papel, o papel complementar que está aparentemente ausente nos monólogos queixosos: objetivo psicodramático.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...