Algo que aprendi há muito tempo é que o instrumento sozinho nada é. A mão que o utiliza é que determina se será um instrumento eficaz ou não, construtivo ou não. Assim é na Medicina. Em grego Farmakon significa remédio e veneno. Porque ele pode ser ambos. Uma cirurgia não é feita pelo bisturi e sim pela mão do cirurgião. O remédio auto prescrito pode ser grandemente lesivo à saúde paciente. O ECT pode ser um instrumento heroico para um paciente com depressão refratária e ideação suicida presente. O ECT foi usado nos Gulags como instrumento de repressão. Se no uso do instrumento médico de tratamento não estiver envolvido vieses religiosos, morais ou de outras matizes, o profissional é responsável pelo seu uso. No âmbito da área psiquiátrica há os remédios e outras terapias biológicas que têm fundamentação científica e os que não a têm. No âmbito das psicoterapias, quase todas elas não foram criadas com a determinação de serem validadas. A validação é um processo que exige replicabilidade, protocolo de uso e outras exigências que quase todas as psicoterapias não podem cumprir. Mas, como as psicoterapias são mais destinadas aos seres humanos que são portadores de problemas psiquiátricos e não, propriamente, aos sintomas e sinais psicopatológicos, aquele que as utiliza precisa conhecer o terreno que está pisando para lidar com suas ferramentas psicoterápicas. A exceção à essa quase regra é a TCC por ter sido criada por Aaron Beck com a a meta de ser validada, ajustando-se às exigências formais. O Psicodrama, como todas as formas psicoterápicas não é uma camisa de força terapêutica. Ele não é aplicado independente do que o paciente apresenta. Como todas as formas psicoterápicas, a ajuda (terapia em grego é ajuda e não cura) ao ser humano caminha lado a lado com os tratamentos mais responsivos sintomaticamente. O conhecimento nunca é suficiente. O que atrapalha são as pretensões de conhecimento hegemônico. Em toda atividade profissional há profissionais com conhecimento dos efeitos e limites de seu instrumento e profissionais que só superficialmente conhecem seu próprio instrumento e seus limites. Essa é toda a diferença.
sexta-feira, 31 de março de 2023
segunda-feira, 27 de março de 2023
Hoje é comemorado o Dia Mundial do Teatro. E como dizia Augusto Boal, "Todos somos Teatro. Alguns fazem Teatro". Como sou parte de um método psicoterápico, o Psicodrama, que tem suas raízes fincadas no Teatro, pensarei aqui como Psicodramatista no Dia do Teatro. Em geral, o texto das peças ou sua forma de execução são denominados de forma diferentes. Drama, tragédia, comédia, farsa, tragicomédia, burlesco. O texto ou a forma de execução. Um texto pode ser criado, escrito, para ser tragédia, mas pode ser montado como farsa ou comédia. No Psicodrama, de resto, não usamos essa terminologia classificatória. O texto e a dramatização, no Psicodrama, são do protagonista e criado por ele. A forma com que se desenrola essa dramatização pode ser ser sugerida pelo Diretor (o coordenador do grupo) ou ser desenvolvida pelo próprios atores (egos-auxiliares, no Psicodrama) e protagonista. Mas, o protagonista não é quem se coloca na linha de frente em primeiro lugar. É quem encarna e vive, em sua história, a história-tema daquele grupo, naquele momento, Assim, o protagonista é alguém que emerge do grupo, mas leva o grupo em sua dramatização. Mesmo sendo algo pessoal, naquele momento, caso ele seja o protagonista, todo o grupo sente-se contemplado. O grupo vê-se no palco. Aquela história, é sua história. Se assim não for, ele será um falso protagonista, até um bode expiatório. Estará no palco embora não sendo a voz do grupo, encarnada. No Dia Mundial do Teatro, numa época em que não está claro que tipo de cena está no palco, reverencio essa forma profundamente humana de ser. E sinto-me honrado, como Psicodramatista, de ter tão nobre origem.
sábado, 18 de março de 2023
MPB, Moreno, Corpo
Há uma belíssima música/letra do grande cantor e compositor e esquecido Taiguara chamada Hoje que diz em sua letra:
"Hoje
Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo"
Há um ensinamento de Moreno, contado por Zerka Moreno, que diz:
"O Corpo lembra quando a mente esquece"
Tanto o poeta quanto o psicoterapeuta perceberam a mesma coisa: Em nosso corpo as vivências se inscrevem. "Quero ficar no seu corpo feito tatuagem" (Tatuagem, Chico Buarque). Augusto Boal dizia ser o corpo o nosso palco. Por isso, baseado nisso, as dramatizações podem alcançar um nível profundidade de uma vivência mais amplo que a recordação verbal dela. No Onirodrama, Moreno sugeria que a pessoa não contasse o sonho, mas assumisse a mesma postura ao dormir, iniciasse a contar e passasse a atuar o sonho e não contá-lo. O corpo vai agindo, lembrando sem lembrar. Nas dramatizações o mesmo acontece. Uma história contada tende a ser repetida de forma cristalizada. Ao se transpor para o palco, o corpo estando presente traz consigo a memória inscrita dos movimentos e, ao serem atuados, trazem de volta algo da vivência original, o que permite a Moreno dizer que "as segunda vez libera a primeira".
quinta-feira, 9 de março de 2023
utopias
Pensando aqui sobre a palavra Utopia. Neologismo criado por Thomas More. Significando U (nenhum, não existente) Topos (lugar). Seu livro fala de um país justo, igualitário, de modo racional de vida. Mas, com o tempo, o adjetivo Utópico passou a ter a conotação de ilusório, irreal, fora da realidade. Deixou de ser uma esperança para ser uma crítica pejorativa. O ideal deveria existir como fonte alimentadora de projetos e não como fonte de desânimo.
Vejam essas citações de Moreno:
"No todo, por conseguinte, o experimento sociométrico é ainda projeto do futuro."
"O experimento principal foi visualizado como projeto mundial – esquema bem próximo da utopia, em termos de conceito –, ainda que deva ser chamado à nossa atenção, repetidamente, a fim de que não seja excluído de nossa agenda de tarefas diárias, mais práticas, da sociometria."
"O experimento sociométrico acabará por tornar-se total, não apenas em expansão e extensão, mas também em intensidade, marcando, assim, o início da sociometria política."
Ele coloca, claramente, que seu projeto é utópico, mas (Importante!), ele não pode ser separado das ações cotidianas, "das tarefas diárias". Há um ditado chinês que diz: "Antes de salvar o mundo dê três voltas dentro de casa". Essas são as nossas primeiras tarefas diárias: Nossas relações. A Utopia Moreniana se realiza na construção de relações interpessoais télicas. Do Interpessoal para o Grupal e daí para o Social. Pois, "Que adianta se ganhar o Mundo e perder a alma?". (Marcos,8:36). A alma Moreniana é relacional. Eu sou com Você. Ubuntu. Nós nos construímos e nos constituímos. A Utopia Moreniana, talvez ao contrário da Utopia de More (lugar que não existe num tempo ignorado), seguindo os passos Psicodramáticos, ela se realiza nas "tarefas diárias, práticas", no Aqui e Agora.
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