quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Lentes, instrumentos e outras coisas

Olhar uma cena psicodramática ou qualquer cena implica em usar dois instrumentos de naturezas opostas. Duas lentes diferentes. Grande angular e teleobjetiva. Telescópio e microscópio.Talvez não sejam analogias perfeitas, mas é  ver o detalhe e ver o contexto. Ver o micro gesto e ver o grupo. Ver o ritmo do protagonista e o aquecimento do grupo. Qualquer um dos dois isolados perde sua eficácia e cria certezas anômalas. Indivíduo e grupo. Dirigir Psicodrama com lentes complementares.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Zen, Psicodrama...

Uma expressão ZEN pergunta: uma árvore caindo sozinha numa floresta sem nenhum ser humano, faz barulho? Na época antiga em que isto foi escrito não havia microfone ou gravador. Apenas o ouvido humano. Mas, a dúvida se impõe. Sem a interação com o ouvido humano ou seus substitutos modernos, há barulho? Não. Barulho é interação. Entre o agente que faz o ruído e alguém ou algo que ouve. Essa expressão ZEN está inteiramente dentro do espírito psicodramático. Ao Psicodrama importa o que acontece na interação entre o objeto que cai (árvore) e o ouvido que ouve, resultando em um barulho. É a isto que Moreno colocava como pedra fundamental: o ser humano é um ser em relação. Árvore, ouvido são distintos, juntos criam o barulho. E há ainda a AÇÃO de cair. Sem a ação nada há. Nada haverá.

sábado, 26 de novembro de 2016

Ainda surpreende!

Interessante como, mesmo depois de muito tempo, é surpreendente que o método psicodramático seja tão potente, eficiente e eficaz. Em uma supervisão de caso e em uma vivencia estendida do papel de agente de saúde mental. O mero falar e falar sobre algo, sem a experiência direta, sofre uma sacudidela quando exposto ao fazer dramatizado. É isto que surpreende: quem vivencia uma dramatização tem o aprendizado desde seu interior, construído e exibido na sua relação com o outro.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Novamente Pessoa

  • Em “Autopsicografia” diz Fernando Pessoa: O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem. “Não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm.” O protagonista finge a dor que tem e estas são as suas duas dores: a sentida e a dramatizada. Os participantes, quando não aquecidos, não envolvidos, sentem apenas a que eles não tem.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Difícil, mas possível.

Olhar o mundo dentro da visão psicodramática, socionômica não é fácil. Nosso hábitos, nossas conservas culturais, nos fazem pensar como se o mundo fosse construído a partir de mim, por mim e para mim. E mesmo dentro do mundo psicodramático, fora do palco e às vezes dentro do palco, nas discussões teóricas, aparece sempre o viés explicativo, causal. O fundo fenomenológico não surge no dia a dia do socionomista, psicodramista. Pensar em termos psicodramáticos implica em mudar radicalmente a nossa forma de ver. Implica em que o conceito de ser em relação, é mais do que um conceito. É sair da perspectiva individualista e incluir o outro necessariamente. O outro nos constitui tanto quanto constituímos o outro. Em termos psicodramáticos dizemos que as pessoas se vinculam por meio de papéis. E os papéis só existem porque existem os contra papéis, os papéis complementares. Não existe o papel de médico enquanto ele não está vinculado a alguém que assume o papel de paciente. E vice-versa. Só há o papel de paciente se houver quem assuma o papel de médico. O resultado de se vivenciar isto, e não apenas saber teoricamente, é, diante de cada situação, esclarecer ou desvelar a relação de papel - contra papel. Moreno dizia que o intrapsiquíco é importante, mas ao Psicodrama importava o interpsiquico, o que acontecia na relação interpessoal. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Palco

O palco é um instrumento vital ao Psicodrama. E palco não é o tablado, mas o espaço cênico. Pode não haver um praticável, uma elevação qualquer. Mas, os limites entre o palco e a plateia precisam ser delimitados. E para que? O espaço cênico, o palco, a cena, é o reino do papel psicodramático, da verdade poética. É lá que é seu locus. Fora do palco é o reino da verdade factual, da realidade real. Entrar e sair do palco implica em entrar e sair do mundo do "como é" para o mundo do "como se". Por isto o Diretor/Condutor não deve ficar nesse palco. Ele pertence ao mundo do "como é" ajudando a produzir o mundo do "como se". Esse limite, essa "brecha real/fantasia" é a borda do palco. O mero entrar e sair não é tão simples. É uma profunda operação cognitiva/afetiva. Leva o participante, ao tornar-se personagem e voltar ao seu lugar, a fazer de forma suave a alternância de mundos. Aprender a operar e manejar esta viagem é o grande salto do Psicodrama. Até o Espelho como uma das técnicas base do Psicodrama só tem sentido se visto por este angulo. Sair do palco para ver sua cena em espelho equivale a voltar ao o real e ver sua fantasia tornada real. Ver-se verdadeiramente de fora para dentro. 

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Quintana

"Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado."

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Distensão muscular em TE/Psicodrama?

O aquecimento (warming-up, caldeamiento) em Teatro Espontâneo/Psicodrama/Sociodrama (tudo incluído na Socionomia Moreniana) é similar àquilo que acontece na atividade física. Antes de qualquer atividade física é necessário preparar os músculos para o esforço que será feito. E a depender do esforço, da atividade, o aquecimento físico  será diferente. Sem aquecimento acontecerá uma distensão muscular, um dano qualquer. Tal e qual em nossa atividade. Aquecer é preparar o grupo para o que virá, é exercitar aquilo que será necessário para a dramatização. e a espontaneidade e criatividade têm seu veículo no corpo. Mas o grupo não surge por milagre. Antes do aquecimento temos um agrupamento de pessoas em seus papeis sociais. Ao aquecer possibilitamos a grupalização, o sentimento de pertinência a um grupo. A partir daí as dramatizações podem acontecer. Um aquecimento malfeito gera o equivalente a uma distensão muscular, à lesão muscular: "a resistência" daquele agrupamento, a não existência de espontaneidade e criatividade, o sentimento de exposição, a sensação de que o diretor o está carregando, a exaustão do diretor/condutor. O aquecimento estará terminado quando a ação grupal se anuncia, seja em um riso coletivo, seja na cooperação voluntária, seja a nítida sensação do agrupamento olhar para o mesmo ponto. É grupo, então. "Todo o tempo que o Diretor/Condutor investe em aquecimento ele recupera na etapa de dramatização" (Moysés Aguiar).

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Moreno e Raul Seixas


PALAVRAS DO PAI
Eu sou o arqueado
Que se curva ao te levar.
Eu sou a mesa posta
Para te alimentar.
Eu sou a semente que cresce
Para te multiplicar.
Eu sou o seresteiro
Que canta para te alegrar.
Eu sou o passarinho
Que voa a te inspirar.
Eu sou a estrela
que brilha ao te coroar. (MORENO, 1992, p. 42).
GITA
 Eu sou a luz das estrelas,
 Eu sou a cor do luar, 
 Eu sou as coisas da vida,
 Eu sou o medo de amar,
 Eu sou o medo do fraco,
 A força da imaginação,
 O blefe do jogador,
 Eu sou, eu fui, eu vou.
 Eu sou o seu sacrifício,
 A placa de contramão
 O sangue no olhar do vampiro,
 E as juras de maldição,
 Eu sou a vela que acende,
 Eu sou a luz que se apaga,
 Eu sou a beira do abismo,
 Eu sou o tudo e o nada.
Gita (Raul Seixas, Paulo Coelho)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Paralaxe????

Lá nos idos do 2º grau aprendi em Física algo chamado Paralaxe. Trata-se da mudança de perspectiva entre figura e fundo pela mudança de posição do observador. Algo que ocorre quando olhamos o dedo indicador com apenas um olho aberto e depois alternamos o fechamento dos olhos. Esta mudança de posição relativa entre dedo e o fundo é a Paralaxe. E o que tem de análogo com o Psicodrama? Aqui quando reencenamos uma história, quando experimentamos outro final para ela, quando fazemos um espelho, duplo, inversão de papeis, quando usamos todos estes instrumentos de trabalho psicodramático, sempre o fazemos com o objetivo de permitir ao observador participante (grupo e/ou indivíduo) uma ou várias outras miradas novas da mesma cena. Isto é o que se torna o verdadeiro instrumento terapêutico do Psicodrama: a possibilidade de que o grupo e/ou indivíduo possa sair da visão única, cristalizada (talvez até patologizada) que até então acontecia para um horizonte de outras formas de ver. Sim, fazer Psicodrama é ajudar a construir múltiplos pontos-de-vista, é descongelar a visão de mundo. É fazer um movimento de Paralaxe existencial em que, sem que nada mude na superfície, algo se altere profundamente.



terça-feira, 8 de novembro de 2016

A agulha e a mão

Há uma letra de Gilberto Gil que me encanta e define. A música é A linha e o Linho. Logo no começo há este verso: A agulha do Real nas mãos da Fantasia. Já havia ouvido muito essa música, mas em um dia especial eu a escutei. E ela me pegou. Estava escrevendo um texto sobre Teatro Espontâneo e esse verso me entrou pelos ouvidos da alma. Teatro Espontâneo, Psicodrama, Sociodrama. Tudo o que Moreno criou, Gilberto Gil sintetizou. Nossa agulha do real está nas mãos da fantasia. Nosso fazer é isto. Temos instrumentos do mundo real (nosso método socionômico),  nossa agulha é concreta. Mas está nas mãos da louca da casa: a fantasia, a imaginação. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Anamnese???

Contar uma história tem um cunho terapêutico por nos obrigar, ao contar, a impor uma ordem, uma cronologia, a dar um sentido. O como se conta interfere no significado de uma história. Um mesmo enredo pode ser contado como tragédia ou comédia. Uma mesma personagem pode ser vilã ou herói. Então, quando em consultório fazemos uma anamnese não atentamos para o significado dessa palavra tão técnica, tão ligada ao atendimento em saúde. Anamnese em grego quer dizer relembrar, trazer à tona da memória o que estiver submerso no esquecimento. Anamnese é uma história. O profissional ajuda o contador da história, aí chamado de paciente ou cliente, a organizar, encontrar sentido em uma massa de informação. Uma boa anamnese é simplesmente uma boa história já editada. Contar sua própria história é terapêutico em si.  O profissional é somente o editor.

sábado, 5 de novembro de 2016

May ou Can?

Penso que há uma maneira analógica de se compreender a espontaneidade e a criatividade. Como o inglês é uma linguá corrente, vamos usá-lo. Os verbos MAY e CAN. Ambos são traduzidos em português como Poder. Há diferenças de sentido. O primeiro, May, dá a conotação de permissão, traduzido como Eu posso? O segundo, Can, é traduzido como Eu posso. O primeiro  posso é permissivo. O segundo posso é realizador. O primeiro possibilita, permite. O segundo age. Ao verbo MAY associo a ESPONTANEIDADE. Ao verbo CAN associo a CRIATIVIDADE. Espontaneidade é não ter bloqueios prévios, negativas antecipadas, impossibilidades fantasiadas. Criatividade é poder escolher a melhor ação dentre todas as disponíveis, a mais útil, a mais rentável, a que dê origem ao movimento construtivo. Espontaneidade é se permitir, poder tudo. Criatividade é dentre este tudo poder escolher o mais adequado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

E o que mais pode ser?

Quando pensamos ou falamos em Sociometria pensamos e falamos do Teste Sociométrico. Mas podemos também pensar, quando falamos em Sociometria, no caminho inverso,  em que toda escolha pressupõe um critério. No senso comum a escolha parece ser universal, atingir todos os papéis. É um exercício útil, ao se ouvir uma escolha, o resultado de uma escolha, perguntar em que critério ela foi feita. Para mim esta é a essência da Sociometria: toda escolha pressupõe um critério e desvelá-lo, ajudar a trazer à luz este critério, é Psicodrama.

Só para raros, só para loucos


"O Homem não é uma forma fixa e duradoura (tal era a ideia dos antigos, apesar do pensamento em contrário de alguns luminares da época); é antes um ensaio e uma transição, não é outra coisa senão a estreita e perigosa ponte entre a NATUREZA e o ESPÍRITO. Para o ESPÍRITO, para Deus, ele é impulsionado pela vocação mais íntima. Para a NATUREZA, para a Mãe, é atraído pelo mais íntimo desejo."

Hermann Hesse - Lobo da Estepe

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...