Há uma forma de misticismo muçulmano, o Sufismo. E os Sufis transmitem seu conhecimento usando histórias engraçadas ou nonsense, muitas delas, embora do século XII ou XIII contamos hoje como piadas. A ideia sufi, como o Zen budismo, é quebrar o senso comum, o pensamento conservado. Um dos principais representantes dessas histórias é o Mulá (algo como mestre) Nasrudin. Numa dessas histórias, uma vez, um sábio, conhecido e reconhecido como tal e cheio de empáfia, vai à casa de Nasrudin para um encontro previamente marcado. Ao lá chegar o Mulá não estava. Irritado com a desconsideração à sua posição social faz um bilhete e prega na porta. Dizia o bilhete: "Estive aqui e você não estava. Palerma, idiota!". Ao chegar, Nasrudin lê o bilhete e responde ao sábio: "Vi que você esteve aqui em minha casa. Sei disso disso porque você deixou seu bilhete assinado". Pensei eu ao reler esta história: "Toda ofensa é uma assinatura de quem ofende."
sábado, 28 de abril de 2018
terça-feira, 24 de abril de 2018
Antiguidade é posto?
Alguém me disse ontem: "burro velho não aprende truque novo". E por que não? Por que a experiencia popular diz que quanto mais tempo uma pessoa está em um papel mais difícil se torna para aprender algo novo ou corrigir algo antigo? Nossos papéis, todos eles, ao longo do tempo têm sua evolução em cursos cíclicos. Quando iniciamos em um novo papel precisamos aprender tudo do papel, como desempenhá-lo. esse primeiro momento em que as coisas são todas novas chamamos em Socionomia (psicodrama, sociodrama, teatro espontâneo) de Role-Taking (tomada do papel). em algum momento percebe-se que já aprendemos o mecanismo do papel, como ele se relaciona com seu papel complementar, e sentimos que sabemos desempenhá-lo bem. A esse instante denominamos de Role-Playing (atuação de papel). Até agora, tomar o papel e atuar o papel segue o script aprendido. em um momento se aprende e em outro se atua. É possível que em algum outro momento a pessoa ouse criar algo novo, não aprendido, fora dos manuais, mas apropriado ao desafio. Aí haveria o se chama o Role-Creating (criação no papel). Não é sempre nem contínuo, mas é possível. Porém, cuidado, isso não é uma linha reta, não é uma sequencia contínua e sempre em frente. Todos os papéis, em todos os papéis, continuamente podemos estar aprendendo algo novo, tornando-nos hábeis no seu desempenho e eventualmente criando algo novo. Só faz sentido ao psicodrama se pensarmos como um movimento cíclico e não linear. Por isso que a sabedoria popular alega que o burro velho não aprende truque novo. Porque na prática cotidiana as pessoas se congelam , se cristalizam no seu papel e não permitem a contínua fertilização de aprender, dominar o papel e permitir-se criar nele. A antiguidade no desempenho de um papel poderia não ser cristalização do saber. É isso que o Psicodrama chama de estimular e desenvolver a Espontaneidade, recuperar a ciclicidade, a abertura para o novo, Sim, o burro velho poderia aprender um truque novo.
sexta-feira, 20 de abril de 2018
I'm back
Em uma conversa com um paciente, disse-me ele após algum tempo sem nos vermos: "I'm back, como o exterminador do futuro". Em resposta à brincadeira respondi que o psicoterapeuta, o psicodramista, é o exterminador do passado. Rimos e ficou por aí. Mas não para mim. Será que a minha piada tem algum sentido? Será que isso passa pela cabeça de alguém, paciente ou psicoterapeuta? Que fazer psicoterapia seria exterminar, eliminar, fazer não ter acontecido o passado? Acho e sei que não. Nossa história não se muda, ela é parte constitutiva de nós. Nosso passado e suas escolhas constroem o nosso presente e o nosso futuro. Então, não há como eliminá-lo, exterminá-lo, ou esperar isso. Mas podemos propor uma revisitação do passado, podemos propor um novo olhar sobre nossa história, podemos nessa revisita, nesse novo olhar estabelecer outras relações com a nossa história. O futuro ainda não vivido e o passado já acontecido, no Psicodrama/Teatro Espontâneo, podem ser vistos no palco psicodramático.
segunda-feira, 16 de abril de 2018
A imaginação e a ansiedade
Ouvindo uma propaganda em rádio resolvi escutá-la. Ela assim terminava: "A vida é imprevisível. E, acredite, isso é muito bom". Propaganda de seguro de vida. Mas, independentemente do uso comercial da ideia, o conteúdo é interessante. Nosso atos são incertos. Nada nos dá certeza da exatidão da escolha, nada nos dá segurança da escolha correta, nada nos protege do acaso e do acidente. E, ao contrário da propaganda, nós não sentimos isso como muito bom. Se conhecêssemos o futuro não haveria ansiedade. Haveria qualquer outra coisa, mas não ansiedade. A impossibilidade de conhecer antecipadamente o resultado de nossas ações, faz com que temamos o futuro. No palco psicodramático pode-se manipular o tempo. Pode-se adiantar o relógio vital e ver-se o futuro. Pode-se viver o seu temor do futuro em um espaço psicodramático. Pode-se vivenciar os resultados possíveis de suas ações ou escolhas. A imaginação que produz os efeitos ruins da ansiedade antecipatória, também no Psicodrama é a alavanca para trabalhar essas mesmas antecipações negativas.
quinta-feira, 12 de abril de 2018
vínculo e limite
Vínculo é o elo que liga dois papéis em Psicodrama. E papel é o que assumimos ao entrar em relação à outra pessoa. Ao estabelecermos um vínculo ao mesmo tempo ganhamos algo e perdemos algo. Ganhamos o que a relação proporciona e perdemos graus de liberdade de diferentes intensidades. Imagine a cena de duas pessoas isoladas em um palco. Sua movimentação é totalmente livre, depende exclusivamente da vontade individual. As movimentações são independentes. Imagine, agora, essas duas pessoas dano-se a mão. Se pedirmos a mesma movimentação perceberemos, imediatamente, que aparecem limites, precisa haver acordo para sair o movimento, os ritmos precisam se harmonizar. Ganha-se na beleza da coreografia, mas perde-se a liberdade completa de ação. Um vínculo qualquer é assim. O Psicodrama por ser uma psicoterapia vincular ressalta sempre esses limites e ganhos que os vínculos nos propõem.
sábado, 7 de abril de 2018
Clarice, Psicodrama
"A condição não é curável. Mas o medo da condição é." Uma paciente minha me disse essa frase de Clarice Lispector um dia. E ela ficou. Aliás, como as coisas de Clarice ficam! E pensei. E repensei. E veio uma reflexão sobre aceitação ativa e passiva. Reconhecer o tamanho do problema em que nos encontramos requer um desses dois tipos de atitude. Uma, a passiva, é equivalente a "que posso fazer?", "deus sabe o que faz!" , "sou assim mesmo". Aceita-se passivamente a condição dada e submete-se a ela. No falar comum "resignar-se" é isso: Pura aceitação passiva de uma condição. Mas há uma outra possibilidade de aceitação. A aceitação ativa. Aceita-se a realidade da condição, mas abre-se a possibilidade de encontrar novas formas de lidar com essa mesma realidade. Aí usaria a mesma palavra "resignação" e lhe atribuiria um outro sentido. Re-signação. Dar um novo significado a uma mesma coisa. Não a resignação passiva e submissa. Mas a Re-signação ativa e criativa. É a isto que Moreno atribui sua famosa frase: "a verdadeira segunda vez liberta a primeira". A dramatização em palco feita pelo protagonista de uma situação cristalizada e congelada (resignada) pode ser substituída por uma nova relação estabelecida pelos processos psicodramáticos. re-significando sua relação com sua condição. Como diz Clarice.
quarta-feira, 4 de abril de 2018
Sta. Catarina, Tao-Te-King, Nietzche
Conversando hoje com uma amiga muito querida psicodramista de Sta. Catarina ela me perguntou se fico cansado de atender pessoas. Na hora parei para pensar. As vezes ao terminar um dia ouvir voz humana me é cansativo. Nessas horas só o meu silêncio e a música. Mas será que me canso de lidar com as pessoas? Não, não me canso. Cada pessoa, cada grupo é um novo horizonte, um novo buscar contato. Cada novo momento de uma mesma pessoa é um estímulo. Nesse sentido, lidar com pessoas é divertido. Di-versão pode ter dois significados. Um é "algo que serve para divertir" na definição redundante do Dicionário Houaiss. Outra é "mudança de direção". E nesse sentido caminhamos ao Psicodrama. Quando nos divertimos o fazemos mudando a direção do nosso foco de atenção. Se trabalhamos, a mudança de foco é dançar, beber, conversar. Por que? Por que necessitamos, precisamos, para reacender nosso interesse no viver, de mudar essa direção? Sempre estar em busca de mudanças de direção do foco de nosso interesse? A isto o Psicodrama chama de perda da Espontaneidade. A Espontaneidade própria do indivíduo, inata, própria da infância vai decaindo à medida que cresce e vai se congelando, petrificando, conservando sua experiência de viver. A criança é capaz de manter-se fazendo uma brincadeira por minutos, horas, sempre encontrando um interesse novo no mesmo objeto. A criança não precisa de Diversão. Poeticamente, ela é uni-verso diante da curiosidade do descobrir. Ela tem interesse em tudo. Simples assim. Ela ainda não tornou suas experiências em conservas culturais, monotamente repetidas. Adulto precisa, necessita, reclama, quer di-versão de sua vida cotidiana. A criança espontaneidade plena, vive com interesse e alegria sua vida.
"faça como a criança que é capaz de chorar horas a fio sem ficar rouca."
Tao-Te-King
"A criança é um Sim sagrado."
Nietzche
segunda-feira, 2 de abril de 2018
consumo, espetáculo, papéis.
Há alguns dias escrevi sobre um comentário de Umberto Eco sobre o duplo sentido da palavra reconhecimento. Uma forma em que reconhecimento é uma homenagem que se presta a quem realizou um ato, tomou uma atitude, descobriu algo, inventou algo, escreveu, pintou ou esculpiu algo, que tenha sido importante para a nossa sociedade humana. Outra forma de se utilizar o termo é literal, reconhecer é lembra-se haver visto aquela cara, aquele rosto, aquele corpo. E essa ultima forma é a expressão de nossa sociedade de espetáculo atual. Hoje pela manhã vinha dirigindo e ouvi uma banal propaganda. Ela terminava com essa assinatura: Quem não é reconhecido não será consumido. Cheguei a parar o carro para anotar a frase. Límpida, transparente e sincera. É a sociedade de espetáculo embalada para consumo. Para Moreno, para a Socionomia, para o Psicodrama, os papéis desempenhados na vida têm uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva. A primeira reflete o script oficial e a segunda introduz a variável pessoal nesse desempenho de papéis. O que escrevi acima mostra a condição rasa, superficial, pouquíssimo profunda com que os papéis sociais são atuados nesse momento de nossa vida.
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