Pesquisando
em dicionários (Houaiss, Aurélio), encontramos para Saúde, além
da definição clássica da OMS, outras acepções: Robustez, vigor,
energia; Estado corporal e psíquico que permite desenvolver as
tarefas diárias; Boa disposição, bem-estar; Capacidade
para suportar, aguentar, ter paciência para.
É a esta última acepção que vamos dedicar a nossa atenção.
Todo
papel, seguindo Moreno, tem uma face convexa, voltada para fora,
objetiva, pública e uma face côncava, voltada para dentro,
subjetiva, privada. Examinemos as duas faces. Na dimensão objetiva,
o papel de terapeuta tem uma expectativa social de que ele seja
“compreensivo”, “aguente tudo”: afinal ele é “terapeuta!”.
Nos outros papéis em que também há grande interação humana,
ainda assim, a expectativa encontra-se voltada para o desempenho de
uma tarefa específica. O médico, a enfermeira, o professor tem
interação humana constante mas medicam, cuidam, ensinam. É isto
que é a sua tarefa e nisto está o olhar expectante. Em nosso caso,
é a própria relação entre nós e o paciente/grupo que é o
objetivo. A relação em si é que é a nossa tarefa e nela está o
olhar expectante. E, na dimensão subjetiva, o que nós aguentamos,
suportamos? Em um dia de trabalho de um psicoterapeuta, todas as suas
horas são preenchidas com algum grau de desarmonia, incômodo ou
sofrimento. O nosso papel complementar, ao nos procurar, chega com
alguma nuance de indiferenciação. Obviamente, esta indiferenciação
vai nos exigir uma diferenciação clara e límpida em nosso próprio
papel. Isto é como passar o tempo com andas (perna de pau). Ou andar
em um piso molhado e escorregadio. Exige atenção continuada,
focalização permanente, cuidado constante. Todo o tempo “ligado”
na relação com o paciente/grupo. Um dia, vários dias, meses, anos.
Porém, o ser/terapeuta desempenha também outros papéis. E, ao
complementar estes outros papéis, por um movimento pendular
existencial, pode indiferenciar-se. Nos seus outros vínculos tenderá
a ser impaciente, chato, possessivo, exigente, incompreensivo ou
qualquer outra coisa. Contanto que esteja de folga do exercício
contínuo e desgastante da diferenciação. Nessas outras relações
poderá lhe faltará disposição ou o bem-estar ou o vigor ou a
capacidade de suportar e de ter paciência. No caso deste ferreiro, o
espeto necessita ser de pau. A emenda, entretanto, tende a ser pior
que o soneto. As relações amorosas podem ser, e são, profundamente
afetadas por este efeito rebote, tornando difícil se estar na outra
ponta do vínculo afetivo com um psicoterapeuta.
Para
complicar um pouco mais, esse bumerangue volta-se também para a
própria relação com o paciente/grupo. É a isto que se denomina de
“burn-out”:
o desgaste físico, psíquico e comportamental do profissional. “Os
sintomas somáticos compreendem: exaustão, fadiga, cefaleias,
distúrbios gastrointestinais, insônia e dispneia. Humor depressivo,
irritabilidade, ansiedade, rigidez, negativismo, ceticismo e
desinteresse são os sintomas psicológicos. A sintomatologia
principal se expressa no comportamento; fazer consultas rápidas,
colocar rótulos depreciativos, evitar os pacientes e o contato
visual, são alguns exemplos ilustrativos. Um profissional que está
“burning-out”, tende a criticar tudo e todos que o cercam, tem
pouca energia para as diferentes solicitações de
seu trabalho, desenvolve frieza e indiferença para com as
necessidades e o sofrimento dos outros, tem sentimentos de decepção
e frustração e comprometimento da auto-estima. O
problema está exposto. Tal qual uma fratura é dita exposta. Mas
será este o Triste Fim de Policarpo Quaresma? Nós não precisamos
encarnar (e acreditar) no papel de quem tudo suporta ou que de tudo
compreendemos. Somos ajudantes (terapeutas) do processo e não o ator
principal. Somos aquilo que, em Teatro e Circo, se chama de “escada”.
Nos Trapalhões, Didi é o principal e Dedé o “escada”.
A ele cabe a tarefa de preparar a cena que terá o seu desfecho nas
mãos do protagonista. Ao “escada”
cabe o ritmo, a atenção para os detalhes e adequação da pergunta
(o “escada” não conclui: ele faz perguntas muitas vezes
óbvias!). Claro que trabalhar todo o tempo com pessoas tendo essa
intensidade, proximidade e relevância, será sempre delicado, mas a
criatividade de ocupar o papel de “escada”, coadjuvante em cena,
evitará a cristalização do personagem Super-Terapeuta: só aparece
a impotência onde antes existia a onipotência.
Falhei em tudo
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