terça-feira, 13 de março de 2018

Teatro Espontâneo e Psicodrama

Com o longo tempo e grande número de atividades públicas de Teatro Espontâneo/Psicodrama/Sociodrama penso algumas coisas sobre fazer essas atividades socionômicas em circunstâncias difíceis. Divido em expectativas e contexto físico. O contexto grupal terapêutico é bastante diferente do contexto grupal em uma atividade aberta, pública. Uma questão importante que o Diretor/Condutor deve atentar é que no contexto terapêutico os participantes têm um compromisso tácito de frequência e permanência no grupo. Em uma atividade pública as pessoas entram e saem na medida de sua conveniência ou interesse. O único empecilho para a saída antecipada do participante seria a vergonha de atravessar o espaço físico. Nestas atividades abertas, públicas mais do que nunca o aquecimento é vital. Torna-se mandatório perceber a queda de atenção do participante, estar vigilante para o ritmo da cena, para o interesse despertado porque nada prende a pessoa como membro do grupo, só este interesse. Daí porque quem trabalha com TE é tão cuidadoso quanto ao ritmo da cena e é tão cioso do aquecimento. O julgamento crítico negativo do grupo é exibido clara e cruamente pela saída progressiva dos participantes. Temos outra dificuldade que é fruto até próprio bom desenrolar da atividade de TE. É quando dentro de uma história criada emerge uma situação pessoal que pela sua intensidade não pode apenas ser acolhida à parte do desenrolar. É quando se entra no conflito ético de precisar trabalhar como Psicodrama Público quando a proposta era de TE. As poucas vezes em que isto aconteceu a cena original foi congelada e levantada a questão para a pessoa e para o grupo de como seguiríamos. Alguma vez houve acordo da pessoa e do grupo para trabalharmos a questão pessoal. Em uma ocasião, como Diretor/Condutor tomei a iniciativa de não dar prosseguimento ao trabalho embora aceite pelo grupo e pela pessoa por considerar que, naquele momento, não havia nem haveria continência para um trabalho de cunho terapêutico stricto sensu. Mas, enfim, este é um risco inerente a todo trabalho grupal e, ainda que devamos nos prevenir, às vezes não há como evitar lidar com este dilema. A decisão será sempre levando em conta o grupo, a pessoa e a sensibilidade télica do Diretor/Condutor.
A outra parte de dificuldade refere-se ao contexto físico, ao espaço destinado ao trabalho. O espaço há que ser proporcional ao tamanho do grupo. Grupo grande em espaço pequeno é tão problemático quanto grupo pequeno em espaço muito grande. O primeiro é complicado pela limitação de movimento e o segundo complica pela sensação grupal de pequenez, como se reduzisse a importância do grupo, acentuando seu pequeno tamanho. A compatibilização é muito importante para o aquecimento e desdobramento do trabalho. A presença de cadeiras fixas torna-se um empecilho considerável. Neste caso pode-se pensar nos corredores, na parte da frente das cadeiras. Tudo na dependência do tamanho do grupo. Em último caso, há a possibilidade de fazer-se o aquecimento nos próprios lugares, usando mais a palavra. Cantos, jogos verbais, desafios entre partes do auditório podem ser usados deixando os poucos espaços livres para a cena em si. Não nos esqueçamos nunca que a palavra também pode ser uma forma de ação. Locais sem cadeiras, espaços abertos, podem não ser muito bons para pessoas com limitações físicas ou com idade avançada. Isto favoreceria a saída precoce destas pessoas, não por desinteresse, mas por desconforto. Então, é necessário perceber os sinais de desconforto físico, minimizá-los se possível, ou trabalhar a saída delas de maneira que não seja desaquecimento para o grupo e que elas, ao sair, não se sintam inteiramente frustradas ou discriminadas.
Estes são alguns exemplos de dificuldades no exercício do ato socionomico em espaço público ou aberto. Entretanto, lembremos alguns pontos: não esperemos a situação ideal; o método psicodramático pressupõe que tomemos a realidade tal como ela se apresenta; o Diretor/Condutor não carrega o grupo, não é o responsável solitário pelas decisões e escolhas; cabe ao Diretor/Condutor, seguindo o método socionômico, ter sempre em mente que ele é membro do grupo, em papel diferenciado; trazer para o grupo os problemas e dificuldades porque ao grupo cabe encontrar a forma melhor e adequada de lidar com estes percalços.
Enfim, o método socionômico é a nossa ferramenta para lidar com as dificuldades operacionais. 
Há que se viver o método, tornando-o parte inerente do exercício de todos, todos mesmos, instantes da atividade grupal. Ou seja, dificuldades e problemas podem ser aquecimento.

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