sábado, 21 de julho de 2018

Sapato 36

Sapato 36 
                 Raul Seixas

Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez
Pai eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto
Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai
Pai já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Raul Seixas é um dos meus músicos preferidos. Pela milionésima vez andei ouvindo essa música. E esses versos da primeira estrofe sempre me chamaram a atenção:
"Eu calço é 37, meu pai me dá 36. Dói, mas no dia seguinte, aperto meu pé outra vez. EU APERTO MEU PÉ OUTRA VEZ."
Que essa música refere-se à crise de identidade e autonomia  do adolescente é transparente. Entretanto, esse versos podem ser lidos em toda a vida do individuo. Claro que o sapato é 36. Claro que meu pé é 37. Mas o ato de calçá-lo é meu ato. É minha ação. Façamos uma adaptação da letra dessa música às condições de uma psicoterapia. As queixas são, em grande parte, da discrepância entre o tamanho do sapato oferecido pela vida e o tamanho real do pé que o calçará. Mas continuar a calçar um sapato de tamanho inadequado pelo resto da vida, limitando-se a queixar-se da diferença de tamanho é o que Moreno chamaria de Conserva. Manter uma atitude prejudicial, uma forma de agir destrutiva, um viver doloroso, deixando de, simplesmente ou não tão simplesmente, encarar a possibilidade de não calçar o sapato de tamanho tão discrepante, destrutivo e doloroso.

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