Vamos imaginar um trabalho grupal psicodramático. O agrupamento de pessoas vão chegando, com pouca conversa, e quando há conversa é em tons baixos, conteúdo pessimista, pouca atividade motora, expressão corporal sugerindo desanimo, exaustão ou mesmo tristeza. O Diretor/condutor quieto, sentindo o grupo, deixando-se atravessar pelo clima reinante. Se fosse pedido ao Diretor/condutor seu solilóquio, o que estava passando por sua cabeça naquele momento, talvez ele assim falasse: "O que faço, tento uma atividade de aquecimento mais dinâmica, mais movimentada? Será que estou entrando no clima deprê do grupo e deixando-me levar por ele"? "Ou devo aquecer essas pessoas com imagens ou cenas que reflitam e concretizem o sentimento grupal"? Sempre para o Diretor/Condutor nunca existe um só caminho para aquecer o grupo. São escolhas que a experiência, a técnica, o feeling sugerem para aquele instante. Entretanto, o mais importante é que cada passo dado seja sempre avaliado em relação à resposta grupal. Poder voltar atrás, tomar outro caminho é a atitude psicodramática. Não ficar congelado na escolha inicial. Experimentar e corrigir, se preciso. Não há fórmulas para dirigir o grupo.
quarta-feira, 29 de abril de 2020
segunda-feira, 27 de abril de 2020
O palco
Por que o palco é um dos instrumentos essenciais do Psicodrama? E não precisa ser um palco montado, um praticável de madeira, um palco fixo. Mas um espaço cênico, um espaço em que se destaque o protagonista e sua cena. E para que? O palco, o espaço cênico, é a lente de aumento da cena. Todos os gestos, atitudes, falas, movimentos, se destacam por serem amplificados. Um gesto, algo dito no grupo, ao ser trazido ao palco ganha outra dimensão para o protagonista e para o grupo. O palco no Psicodrama/Teatro Espontâneo corresponde ao close-up, ao zoom de aproximação, ao primeiro plano do cinema. Não se trata apenas de um local, mas um espaço com função definida, instrumental. Então, seu uso não deve ser feito passivamente. Deve ser feito com sabedoria e técnica.
sexta-feira, 24 de abril de 2020
Expectar, esperar
Esperar, ter esperança, expectar, ter expectativa. Embora palavras de etimologia próxima, talvez possamos brincar um pouco com elas. Iniciemos por expectar. Parece-me que expectar é a espera de forma ansiosa. Expectar é formular uma imagem e aguardar que ela se concretize. Esperar, ter esperança, é abrir-se para o novo, deixar-se surpreender pelo inesperado. A expectativa pode ser frustrante. O futuro ao chegar pode não corresponder à imagem criada, à expectativa criada. Ter esperança, esperar, apenas esperar, sem imagens antecipadas, é como a criança que absorve o mundo como ele se apresenta. O adulto, expecta. A criança espera. A angústia do adulto está na expectativa da chegada do imaginado. A alegria da criança está em receber, é alegria do que simplesmente virá. Com essa visão poética podemos pensar o Psicodrama/Teatro Espontâneo com o olhar da espera pueril, de aguardar o que virá sem preconcepções. Tomar o que vem não pelo que não foi, mas pelo que é. E isso, não tão poeticamente, é a atitude fenomenológica: Não expectar e frustrar-se, mas esperar e ver.
“Uma criança é inocência e esquecimento, um novo começo, um jogo, um moto-contínuo, um primeiro movimento, um “sim” sagrado. Para o jogo da criação um “sim” sagrado é necessário”. Nietzche
"Não deixe que a próxima vez saiba demais sobre as vezes anteriores" Moreno
quarta-feira, 22 de abril de 2020
Marinheiros e tempestade
De todos os atributos humanos, talvez, o mais útil para sua sobrevivência haja sido a antecipação do futuro. Essa possibilidade de antever as consequências e desdobramentos de sua ação, deve ter sido fundamental para lidar com um ambiente em que sua características eram desfavoráveis comparada às de outros animais. Mas, tudo tem seu preço. E o preço é a ansiedade, o temor do futuro, o sentir-se menor de que seus medos. Há um verso de Rainier Maria Rilke, em Elegias de Duino, que diz assim: "Vagueiam leões, ainda, alheios ao desamparo enquanto vivem seu esplendor". Antecipar o futuro nos tirou do viver nosso esplendor e ampliou o nosso desamparo. Então, o ser humano está sempre diante da interrogação do futuro. Com a consequente apreensão, com o aperto no coração. A isso chamamos de ansiedade, angústia (aliás, essas duas palavras vêm do radical latino anx significando aperto). E o nosso truque existencial para lidar com isso sempre foi o controle, o tentar controlar o futuro, tentar nos convencermos que realmente dirigimos nosso destino. A maioria das pessoas vive suas vidas com esses truques e sobrevivem. Muitas, entretanto, não conseguem usar esses truques ou realmente acreditar que eles funcionem. A esses chamávamos de ansiosos. Para essas pessoas existia a psicoterapia, a psiquiatria, a medicação. E hoje, em tempos de Covid-19? A ameaça é geral, generalizada, invisível, incontrolável individualmente, sem certeza nenhuma de futuro. Hoje, todos estão como muitos ficavam antes. Temerosos, impotentes, recorrendo a qualquer sugestão que lhes dê alguma sensação de domínio sobre seu presente e seu futuro. Sensação, não certeza. O que dá a certeza hoje é só o fanatismo de qualquer ordem. O que a razão, o raciocínio, o pensar nos dá é angústia. Fernando Pessoa diz: "Quem tem alma não tem calma". O pensamento fanático de qualquer tipo desumaniza o ser humano ao congelar seu pensamento e raciocínio. Hoje meu trabalho, enquanto profissional da área Psi, é, primeiro situar a pessoa nesse contexto, lembrando que em tempos anormais o normal, o comum, é sentir-se anormal, diferente de seu habitual. Nós, os profissionais também somos presa desses mesmos sentimentos e emoções que os que nos procuram trazem. Então, é segurar a onda. Como marinheiro em tempestade. leva o barco devagar, sem movimentos bruscos, evitando que o barco vire e afunde. Mas a tempestade está em volta. Existe a convicção no marinheiro que só lhe cabe esperar e evitar piorar o que já está ruim. O palco psicodramático, a cena psicodramática, permite, possibilita que o protagonista possa experimentar dentro da cena dramatizada seus temores de futuro. Para sair da imobilidade impotente e angustiante. Para fugir do congelamento de sua humanidade pelo fanatismo. Para testar possibilidades. Boas e ruins. Ao nosso Psicodrama cabe o recurso de usar esse palco, a cena para concretizar os temores e levar cada um a experimentar possíveis jeitos de lidar com a tempestade.
"Faça como o velho marinheiro
que durante o nevoeiro
leva o barco devagar".
Argumento, Paulinho da Viola
segunda-feira, 20 de abril de 2020
Uma tela em branco
Um papel ou uma tela em branco. A sensação é parecida com estar diante de um grupo do qual nada se sabe. Esse sinal "?" é sempre meu sinal de pontuação inicial numa situação dessa. Não sei. Parto disso. Não sei. E se não sei, pergunto. Ou seja, crio condições para o grupo ir me direcionando. O contrário disso seria iniciar um grupo qualquer impondo um plano pré-concebido. Algo que se vê agora nesses tempos sombrios nas chamadas redes sociais (e que não são sociais. São redes comerciais travestidas de sociais). Encontro muitas e muitas pessoas, nessas redes, dizendo o que o outro deve fazer, deve sentir, como deve se comportar. Durante o aquecimento em uma atividade psicodramática, o diretor/condutor está sempre atento para ver e sentir como o grupo reage e lida com as instruções de aquecimento. E vai moldando sua intervenção pela resposta do grupo. Só imaginando: uma atividade após o almoço. Um aquecimento que centrado no relaxamento conduzirá a uma sono coletivo. Mas, pode ser que o grupo necessite de um intervalo real de relaxamento. Enfim, as regras são construídas no grupo, pelo grupo e para o grupo. Cabe a quem dirige a atividade ouvir e escutar; olhar, vê e enxergar o grupo.
sexta-feira, 17 de abril de 2020
Fernando Pessoa me persegue (ou eu a ele)
Há um verso de Fernando Pessoa: "Todo começo é involuntário". Interpretar poesia é uma armadilha e uma traição ao poeta. Poesia sente-se. Com a cabeça e o coração. Então, para mim, esse verso remete à experiência psicodramática. Para mim, sugere que há de se aproveitar s coisas como as coisas se apresentam. Não se pode produzir o grupo ideal, o mundo ideal. Os começos são involuntários, são espontâneos, mas sua continuação necessita de criatividade. Conduzir uma atividade psicodramática qualquer com planos elaborados, roteiros a serem seguidos, sequencias de aquecimento pré-determinadas, ou seja, planejar uma atividade de Psicodrama, retira dela a experiência fundamental: Deixar-se conduzir pelo grupo. Moreno dizia: "Throw away the script". "Jogue fora o roteiro". Isso é aceitar o "involuntário" de Pessoa. Entretanto, isso tendo sendo aceito (e aceitar isto é a espontaneidade moreniana) sua continuidade necessita da criatividade para melhor levá-la a cabo.
sexta-feira, 10 de abril de 2020
Anacronismo
Curioso como determinadas palavras e conceitos se integram ao acervo humano e, mesmo sendo anacrônicas, são usadas continuamente. Por exemplo, quando alguém se destaca em alguma coisa torna-se o Rei ou Rainha ou Princesa ou Príncipe daquele algo. As palavras republicanas não tem força afetiva no imaginário. Até bobo da côrte é representativo. E como! Até aí é uma curiosidade. Mas, quando, apesar de esforço da Psiquiatria e da Psicologia, continuam a ser usadas expressões como "é um louco, é um débil mental, é psicopata, isso é loucura, só pode ser doido, só internando num manicômio, bota camisa de força", aí eu me preocupo. A loucura, o adoecer mental (afinal, o cérebro é um órgão que pode funcionar mal. Como qualquer outro órgão), esses termos e conceitos deveriam ser restritos ao âmbito diagnóstico e terapêutico (e mesmo assim, já não são usados!). Não deveriam, não podem, ser usados como forma de qualificação da experiência humana desastrosa. Independente do adoecer, existe a responsabilidade individual. Existem os erros de conduta, existem os crimes, e eles não podem, de nenhuma maneira, ficarem sob o manto do adoecer mental.
terça-feira, 7 de abril de 2020
Protagonista?
Uma das coisas que aprendi no Psicodrama é que o protagonista não é necessariamente o que primeiro se apresenta. O termo protagonista, em grego, é que primeiro (proto) luta, sofre (agon). No Teatro, em suas origens, só havia mesmo no palco um ator. Ele sempre seria o protagonista. Depois se introduziu o segundo ator (deuteragonista), o terceiro (tritagonista). Em Psicodrama trabalhamos com grupos. Portanto mais de uma pessoa. Então, em nossa visão psicodramática, distinta da visão teatral, o protagonista não está posto ao iniciar-se o grupo. Ele emerge do grupo, dos representantes grupais, das cenas de aquecimento. Mas, lembremos. Proto aí não é necessariamente o primeiro em ordem de apresentação. Mas o primeiro a quem o grupo reconhece como sendo aquele que, em sua história, em sua dramatização, encarna o tema do grupo, vigente naquele momento, naquele contexto. Então, no palco, embora esteja em cena uma história pessoal, aquela história para o grupo é sua história. Ele (o protagonista) encarna o tema protagônico do grupo. Ele (o grupo) sente-se em cena, mesmo lá não estando. Não há divisões nem separações. Nem "nós" e "eles". Há somente um "nós" vivenciado em torno do protagonista e por ele.
domingo, 5 de abril de 2020
Orai e vigiai
O Evangelho faz parte de nossa cultura. Para muitos são fundamento para sua vida. Mas, para uma maioria dos seres humanos faz parte de nossa bagagem cultural. Há uma passagem do Evangelho, em que Jesus indo ao Horto das Oliveiras, no Jardim Getsemani, para rezar, pede aos seus apóstolos que ficassem em baixo enquanto ele subia. E ele usa uma expressão: "Orai e vigiai". Interessante. Acentua a importância da oração, mas lembra que os legionários são elementos físicos, materiais. E que precisam ser vigilantes para não serem surpreendidos. Orai e vigiai. A importância do não-material e do material. A oração é importante, mas precisa ser complementada pela precaução e pela ação. Pela vigilância. No Psicodrama, a possível presença do elemento espiritual não é descartada. Ela pode ser o impulso motivador para a mudança. Porém, além disso, é necessário esforçar-se para mudar a situação, o estado de coisas. É necessária ação de mudança. Há trabalho a ser feito. Há custos emocionais a serem pagos. A psicoterapia não exclui a fé nem deve ser por ela eliminada. Orai e vigiai.
sexta-feira, 3 de abril de 2020
Einstein, baiano, Moreno
Estamos vivendo a segunda semana de isolamento. Ainda não tem tem 14 dias. Mas, para cada um e para todos, já parece anos. E parece não ter fim. Não sei se já tiveram essa experiência. Ir-se de carro a uma cidade pela primeira vez. a ida parece que nunca chegará, demora demais! Mas, quando regressamos, por reconhecer pontos de referencia no caminho, vistos na ida, a volta parece muito mais curta. O fato de irmos ao desconhecido aumenta a vivencia do tempo decorrido. Regressar por um caminho já conhecido torna a vivencia do tempo decorrido mais rápida. Quando lhe pediram para explicar brevemente a Relatividade, Einstein disse: "caso você esteja sentado ao lado de uma pessoa agradável, uma hora parecerá um minuto. Se você estiver ao lado de uma pessoa chata, um minuto parecerá uma hora". Tá, e daí? Há um conceito Moreniano (Socionômico, Psicodramático) chamado de Momento. Ele denota o tempo vivenciado. algo como Kairós dos Gregos, como a "durée" do filósofo Bergson. Não o tempo Chronus, não tempo decorrido, não o tempo cronológico. Sou baiano. E nós aqui temos uma expressão, geralmente sacaneada pelos não-baianos: "Esperei uma hora de relógio!". Para nós significa que não é só a vivencia da espera, mas a pessoa, realmente, demorou uma hora cronologicamente. Não foi apenas porque eu estaria expectante que pareceu uma hora. Foi uma hora. Mas, voltando aos trilhos. Momento, para Moreno, é o tempo vivenciado com intensidade. E essa intensidade lhe dá a importância. Tanto para a memória quanto para o significado.
quarta-feira, 1 de abril de 2020
Aniversário do Psicodrama
Há 99 anos:
1 de abril de 1921 é a data inaugural do PSICODRAMA. Iniciou com uma sessão aberta em um teatro, em Viena, com um convite para a discussão sobre a realidade caótica do país àquela época. Cortinas abertas, uma única cadeira vermelha em cena, uma coroa sobre ela. Moreno convida a quem quiser assumir a coroa que suba ao palco. E com este gesto de desafio, coragem e comprometimento, nasceu o PSICODRAMA.
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