sábado, 6 de setembro de 2025

Tempo, Espaço, Condução

Tempo, Espontaneidade, Espaço, Espontaneidade. Às vezes, parece que fazer Psicodrama é vivenciar um happening, apenas usufruindo da vivência sem nenhuma forma de organização. Não é assim. Parodiando Polonio no Hamlet "é louco, mas tem seu método". Ao Diretor cabe manter o total controle do tempo e do espaço. Embora ele seja um membro do grupo, em seu papel diferenciado ele não deve deixar-se levar pelo encantamento do momento e perder-se dentro dos critérios de tempo e espaço. O absoluto controle do tempo é vital para saber a cada momento, se há tempo para uma nova imagem, um desdobramento cênico, uma ressonância maior. Saber se cabe dar início a algo novo ou apenas acolher a manifestação. E no espaço há que se lembrar que o palco delimita os dois mundo. o Real "real" e o Real "cênico". A mais que famosa brecha realidade fantasia traduzida em um espaço concreto. Os membros da atividade não devem consultar o relógio. Se o fizerem e isso for percebido pelo Condutor ou sua unidade funcional sinaliza que o aquecimento está fraquejando. Mas a unidade funcional, a codireção, precisa saber, a cada momento onde a atividade está em relação ao tempo disponível ou contratado. Dirigir, Conduzir uma atividade socionômica é como um equilibrista que tem um olhar genérico e um um olhar específico para cada um dos malabares que esteja jogando. A visão do grupo e a visão do membro do grupo. Não é fácil, à primeira vista. Mas, é possível. Treinando, repetindo, observando e repetindo e observando. 

domingo, 17 de agosto de 2025

Não pode e não deve acontecer

 Por que o Psicodrama não tem tanta difusão no meio Psi? talvez porque o Psicodrama ser um método de ação ele necessite ser experimentado antes de ser valorizado. pelos aspectos teóricos literários não parece ser algo muito atraente á simples leitura. E como, dia a dia, o próprio exercício do Psicodrama pelo Psicodramatista vai se tornando mais psicoterapia de fala e escuta e menos de ação e cena, vai perdendo e deixando de ganhar espaços no ambiente Psi. Há muito tempo o Mestre Moysés Aguiar alertava que o Psicodrama tornava-se cada vez mais Psi e menos Drama. E isso é um enorme risco para a a continuidade desse Método. Caricaturalmente, tirar ou diminuir a sua principal ferramenta diferencial  é como emudecer e ensurdecer a Psicanálise. Simplesmente não faz sentido. A cena torna o Psicodrama o único método tridimensional, capaz de colocar e acentuar nuances de expressão impossíveis de serem percebidas num relato verbal. O Psicodrama não é uma psicoterapia corporal, mas é uma psicoterapia em que o corpo, o tom da voz, a prosódia de emissão da fala, a postura, o movimentar-se, traduz-se como expressão total de um ser humano. Em que é possível a vivência plena no aqui  e agora do passado vivido ou não, do presente vivido ou não, do futuro desejado ou temido. Só e exclusivamente porque temos a Cena, o mundo tridimensionalmente vivido. 

sábado, 9 de agosto de 2025

Atitude terapêutica é psicoterapia?

Therapon em grego antigo é servo, ajudante, auxiliar. Therapein, então, é servir, ajudar, auxiliar. Atitude é disposição, forma de agir ou lidar. Nossa área de trabalho nos faz entrar em contato contínuo e permanente com pessoas sofrendo de algo ou alguma coisa. Podem ser problemas de relacionamento interpessoal, afetivos amoroso, planejamento de vida, maneiras equivocadas de construir suas vida, sintomas e doenças física, sintomas e transtornos  psíquicos. Então, a atitude básica e fundamental para qualquer profissional dessa área é acolhimento, não julgamento, olhar e escuta atentos. isso é expresso pela atitude corporal, pelo olhar, pelo tom de voz. Isso é importante para todas as pessoas dessa cadeia de atendimentos. Essa ou essas  são atitudes terapêuticas. Mas, não são psicoterapêuticas. Quando vamos para o exercício profissional específico, a ação terapêutica conduzida por um profissional da área de saúde/transtorno mental tornar-se-á psicoterapêutica quando há um método além da atitude. Quando o método atua por meio de técnicas, quando há um plano estratégico de condução. A atitude terapêutica fundamenta e exala calor humano, mas a condução metódica e tecnicamente orientada é que, enfim, se torna psicoterapia. Ao longo do tempo, a acepção de servir, ajudar, auxiliar, aquilo que a personagem Escada nas comédias, os Dedé para seus Didi, o que prepara a piada para ser concluída pelo protagonista, foi sendo substituída pela acepção mais ativa, deslocando o paciente, o sujeito, de seu lugar protagônico, colocando todo o potente foco da atenção no agente terapêutico. Esse deslocamento de acepção, de sentido, ao esmaecer o papel do paciente, sujeito, é apassivador da responsabilidade final de cada um ao procurar ajuda. A Psicoterapia não é uma intervenção mecânica, não é uma mera troca de pneus. O senso comum pode nos dar a atitude terapêutica. Mas, raramente ou nunca, o senso comum é bom senso. A ação psicoterápica não é o senso comum em ação. É uma ação ou são ações embasadas em conhecimento técnico, reflexão, e na escolha de realizar o mais adequado para aquele sujeito que nos espera e aguarda e não, apenas, o que ele simplesmente deseja. São sempre dois pontos de vista no mesmo palco. Um, o paciente sujeito, que conhece o que tem, que sente. O outro, o profissional, que olha e enxerga de fora, que acrescenta uma mirada diferente. Pode-se ter uma psicoterapia direcionada para lidar específica e diretamente com o quadro clínico e, em concomitância ou em seguida, pode-se ter uma psicoterapia voltada para o a pessoa, o sujeito daquele quadro clínico. Um ser humano é sempre e sempre maior e mais complexo que qualquer patologia ou transtorno que ele possa ter.

sábado, 26 de julho de 2025

Trilha e o trilhar

 O que é fazer formação em Psicodrama? Talvez, de todos os métodos psicoterápicos o Psicodrama destoe em um aspecto (ou vários). É muito difícil escolher-se esse método a partir apenas da teoria. Em geral, inicia-se em qualquer outra situação pela leitura, estudo teórico e, a partir daí, busca-se a formação específica. Penso ser o Psicodrama uma contramão disso. A leitura do texto psicodramático raramente ou nunca traduz o que acontece no palco, na cena. Como no teatro. Embora no Teatro o texto shakespeariano exista independentemente da encenação, no Psicodrama tal não acontece. Por uma razão simples, acredito. Em um texto de Shakespeare, Sófocles, Nelson Rodrigues, procura-se e encontra-se a beleza literária e a profundidade. Mas, no texto psicodramático aparece a dúvida: Isso acontece assim mesmo? É verdade isso ou é uma mero draminha para produzir uma ab-reação, uma catarse, uma descarga de apenas alívio? Transforma, atinge, é profundo, não é teatrinho? Os textos teatrais já se sabe que são teatro. Psicodrama NÃO é Teatro. NÃO é catarse de alívio. NÃO é maquiagem do real. NÃO é mágica. NÃO é histrionismo. E como é, então? Show and Tell. Mostre e conte. Eis aí a razão da diferença. Psicodrama precisa ser vivido para ser reconhecido. Toda ação socionômica (Sociodrama, Psicodrama, Teatro Espontâneo, Axiodrama) constrói a credibilidade do método. E a credibilidade advém do reconhecimento que há um método, há uma teoria embasando as ações, não é apenas uma vivência catártica. Parodiando Polonio em Hamlet "é louco mas tem seu método". É louco pois ao se iniciar no Psicodrama (metonímia que substituiu o nome do método, Socionomia) o iniciante se depara com palavras inteiramente novas, conceitos totalmente estranhos à corrente principal. Todos os outros métodos compartilham ideias, palavras, conceitos que já fazem parte do senso comum. No Psicodrama tudo é novo, há que se reconhecer palavras novas e, principalmente, conceitos novos. Novos em relação a qualquer outro método. Exigências para o papel de psicoterapeuta novas e estranhas à visão comum. O método psicodramático é uma forma original de se ver, perceber, vivenciar o mundo e suas relações. Primeiro a curiosidade, daí o vivenciar, o experimentar, nova curiosidade, busca do método, aprendizado do método, domínio do método, ser o método. A trilha do Psicodrama é o seu trilhar.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

limites

 ontem durante uma supervisão (que chamo de hipervisão por abranger todo o atendimento clínico), apareceu uma sugestão de um filme. e nesse filme o enredo fala de uma pessoa que a troco de expor a verdade sacrifica as pessoas à sua demonstração. e o tema tornou-se quais os limites de intervenção técnica, qual a ética do da intervenção. Obviamente essa questão toca a todos os profissionais de saúde. mas, particularmente, dentro de um consultório entre duas pessoas, ou um grupo e o condutor do grupo,  Há dias, durante uma consulta, após uma pergunta minha (Há outros momentos de sua vida em que você aja se sentido ou agido dessa mesma forma?) responde a paciente, após um tempo; "Sim, tem. mas não quero falar disso". esse é o ponto. depois dessa resposta há que se formar a barra para que ela "enfrentasse a sua verdade" ou devemos respeitar os tempos de cada pessoa? Respeitar os tempos, em psicodrama é estarmos atentos para o aquecimento contínuo, sem ultrapassar o ritmo do aquecimento. Aquecimento, em Psicodrama, tal e qual o aquecimento físico, é a progressiva preparação para a dramatização. É não saltar etapas, dar ao protagonista o tempo de aproximação para sua cena. Por exemplo, no caso que relatei, propus a cena da situação atual (um escritório). à medida que ia se apropriando dos sentimentos atuais, reconhecendo-os, E, então, quando foi delineando o que poderia fazer atualmente, pedi-lhe, sem que fizesse a cena antiga, que transportasse para aquela cena, o que havia percebido da atual. Até agora não sei qual foi a cena original. 

terça-feira, 17 de junho de 2025

aguentar firme

 Li, outro dia, uma expressão de um dito filósofo: O sucesso ou o fracasso só depende de você.  E pensei como seria, em psicodrama, se, porventura, o protagonista ou o grupo trouxesse essa questão. E imaginei a cena como o protagonista trazendo uma situação em que houvesse a questão de ter havido sucesso ou fracasso. Talvez, na minha imaginação cênica, pudesse trazer todos os possíveis fatores que contribuíram para aquele final. E, com isso, pudesse trazer a importância do contexto. Imaginemos (a imaginação é a louca da casa) que uma pessoa recebe um diagnóstico de doença terminal ou degenerativa. E, dando ouvidos à questão inicial, tomasse a evolução esperada da doença como culpa pessoal, como fracasso em "não ter lutado o suficiente", em "não ter se amado o necessário", "em não ter sido forte". Há um estereótipo em todos dos filmes de ação em que uma pessoa é ferida gravemente (tiro no abdome, p.ex.) e outra personagem lhe diz: " aguente firme e trarei ajuda". Ou seja, se, ao voltarem, ele estiver morto foi porque "não aguentou firme". Não sei se continuo a pensar sobre isso ou deixo o espaço vazio para reflexão. Escolho a pausa.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Ficção Científica, Ser Humano e Psicodrama

 A Ficção Científica sempre foi um dos interesses centrais da minha vida. Robert Heinlein, Ray Bradbury, Arthur Clarke, Isaac Asimov, Phillip Dick e tantos outros. Todos, sem exceção, são científicos porque usam conceitos científicos, mas nunca foram ficção. Sempre foram um exercício imaginativo de como as coisas poderão ou poderiam ser no campo científico. São um exercício da imaginação para explorar o ser humano e as consequências do que escolhe fazer ou escolhe permitir fazer. Por isso, em geral, os finais dos textos de Sci-Fi são melancólicos, quando não aterrorizantes. O acaso, as mutações, nos trouxeram a diversidade. E a seleção natural fez seu trabalho. Acaso e Diversidade geraram o ser humano. E com ele apareceu a possibilidade de imaginar o futuro, antecipá-lo. Talvez, esse fato, mais o polegar opositor, tenham sido, mental e fisicamente, que nos permitiram sair de um animal fraco, de desenvolvimento lento, poucas ferramentas naturais de defesa,, à condição nossa. Mas, há um preço para todo avanço (e a Sci-Fi sempre lembra). Apareceu a ansiedade. Imaginar, antecipar não só para otimizar a caça, a sobrevivência, mas, também, para imaginar a fome, a morte, a dor, a separação. Fiat Lux. nasceu o par indissolúvel: Imaginação - Ansiedade. No psicodrama (em toda ação socionômica) o tempo é sempre o presente.  Aqui e Agora. Hic et Nunc. Pelo aquecimento cuidadoso e profundo é possível tornar o passado em um Como Se real no presente. Mas, também é possível trazer o futuro imaginado e sua parceira a angústia, para o Como Se no presente. Porque é no presente que agimos. É nessa fração inconcebível de tempo, o Presente, que tudo acontece. Toda mudança se faz no presente da ação. O palco psicodramático torna-se o contrário da Viagem no tempo de H.G. Wells. Nós não nos deslocamos para trás ou para frente. O psicodrama faz com que a vivência da memória e a vivência da imaginação sejam realmente vividas Como Se presentes fossem, no aqui e agora.

sábado, 17 de maio de 2025

Refletindo

 Há algum tempo vem pairando a ideia de escrever sobre a questão "reborn". Como gosto de fazer, comecei pela palavra em língua inglesa. "Reborn" significa "renascido/a em Português. Portanto, tratar-se-ia de dar um novo nascimento àquilo que houve, mas, já não há. Seria a eterna busca pelo par da relação (prole, cônjuge, ídolo) que haja morrido, de um contato, mensagem, afeto qualquer. Repor a falta, o vazio. Usado atualmente refere-se a um objeto criado especificamente. Uma colega psicodramatista, @Ivna, fez uma postagem recente que me levou a essa escrita. E como o Psicodrama (todas as ações socionômicas) tratam de relações, Psicodrama é relacional, é um tópico interessante. Relação desde sua origem latina significa narração, conexão, associação. Em um sentido material, conectar dois polos de uma bateria é colocá-los em relação. Dizer que um vírus X está relacionado com menor expectativa de vida é associar o vírus á tempo de vida. Não há nenhuma pressuposição de escolha entre os membros da equação. Não há desejo nem escolha entre o vírus e a vida, entre os polos de uma bateria. Há apenas uma ligação. Mas quando dizemos que alguém está se relacionando com alguém, o que estamos dizendo (ou a dizer, como dizem meus amigos portugueses)? Que há uma ligação bilateral, de ida e volta, entre os dois participantes dessa relação. Relação, em termos afetivos pressupõe o querer do outro, que o outro também escolheu estar na relação. Em termos psicodramáticos, uma relação em que os membros estão "juntos na mesma estrada' (música de Renato Teixeira), vendo-se e sentindo-se com a mesma interesse, o mesmo sinal de agrado ou de desagrado. Há um provérbio que diz "quando um não quer, dois não brigam". Psicodramaticamente, diríamos "quando um não quer, dois não ficam". Portanto,  um dos aspectos de uma relação com uma pessoa real é que existe essa pessoa. Existe com seus quereres e não quereres, com as escolhas pessoais do outro. Existe o outro. Existem as escolhas do outro. Assim, uma relação sadia envolve uma escolha télica, bilateral. Se fossem tomados, dentro de um processo psicodramático, como um objeto intermediário que levasse a uma posterior construção de outros vínculos, estaria no caminho terapêutico. Entretanto, a falsa relação com o reborn ela é consigo, com suas fantasias, seu único e exclusivo querer, e nela fechada.  Não há uma relação entre dois seres, não há o outro. A relação que há é de si para si. Uma relação em corredor em que nas duas pontas está a mesma pessoa. 

Obrigado, @Ivna.

domingo, 11 de maio de 2025

Dia do papel de Mãe

   Hoje é Dia das Mães. Ou o Dia do Papel de Mãe. Pensando em termos psicodramáticos (socionômicos) o papel de mãe surge da relação com pessoas em que há os atributos de continência, aceitação, limite, disciplina, incondicionalidade do afeto e, sobretudo, magia de fazer da imaginação uma  ferramenta de cura e resolução de problemas. É uma relação assimétrica entre os papéis - o de filho/a e o de mãe. Acolhimento de uma lado do papel e necessidade no outro lado dessa relação. Mas nesse papel materno cabem atores mães biológicas, mulheres, homens, amantes, amigo, profissionais de qualquer área. A função de acolhimento versus necessidade é a fundante no papel de psicoterapeuta, por exemplo. Pais podem e devem ser mães. Hoje é dia do papel materno, dia da mãe que cada um pode ser na sua relação com o outro.

sábado, 26 de abril de 2025

Psicodrama: o que não é II

 Vi um comentário de uma colega psicodramatista e me pus a refletir. Em certo anúncio aparecia, sob o título role playing, a explicação "simulação".  Historicamente, a palavra em inglês Role Playing foi criada por Moreno. e deve ser entendido dentro do contexto da teoria socionômica.  Role refere-se a, em português, a papel no sentido teatral, mas em sentido Moreniano são as duas pontas de um vínculo que se estabelece seja na relação interpessoal, grupal ou social. O playing diz de atuação, desempenho, brincar, jogar. Play em inglês. Mas, no Método Socionômico, no Psicodrama, no Sociodrama, no Axiodrama, passa, sempre e sempre, pelo aquecimento até que aquele "como se' torne-se efetivamente um "como é" cênico. Brincar à vera. Expressão infantil que corresponde à dramatização seguindo um aquecimento adequado. Jamais será uma simulação. Porque, para o Psicodrama (lato senso) também é fundamental a vivência de quem desempenha qualquer papel numa dramatização. Quanto daquela cena consoou em sua vida e depois ressoará em nova dramatização, nova cena. Simulação NÃO é Psicodrama (lato senso).

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Psicodrama: o que não é I

Psicodrama não é vivência. É, pode-se dizer, o antônimo exato de vivência. Todas vivências são planejadas e têm, desde o título, um objetivo claro a ser atingido. Todo ato socionômico (psicodrama, sociodrama, axiodrama) é sempre um convite ao risco da Espontaneidade. É um convite explícito a se colocar um pé no vazio. A sair da conserva da segurança e do já conhecido. Um convite à aposta na criação grupal ou individual, motivada pelo aquecimento daquele Momento Moreniano. Instante único e irrepetível do grupo ou do indivíduo. Aquele instante em que se entrecruzam o cósmico, o social, o grupal e o pessoal. O experimentado e o compartilhado; o côncavo e o convexo; o subjetivo e o objetivo; o objetivo tornado novamente subjetivo e novamente objetificado. Há a consonância da cena em cada interior e há a ressonância individual, externalizada numa cena dramatizada. Psicodrama compartilha com o teatro serem atividades em que se sabe como se inicia, mas não sabemos (e se for psicodrama) nunca saberemos onde poderemos terminar e como terminar.

quarta-feira, 26 de março de 2025

van Gogh

 van Gogh. Sempre os quadros dele tiveram a minha preferência. Depois que li as cartas a Theo, descobri o que ele próprio sintetizou numa frase: "Eu sonho com meus quadros e pinto os meus sonhos". Lemos seus projetos, sua intencionalidade ao pintar. Mas, para mim como psicodramatista, o que mais me encanta, surpreende, fascina em suas cartas é como como tudo que ele vê, ele enxerga imagens pictóricas. E todas com uma profunda história que compõe a história do quadro, do que aquilo é a imagem. Lembra-me tanto as imagens psicodramáticas. Podem até ser esteticamente belas, mas precisam ser ricas e profundas. Como os quadros de Vincent.

quinta-feira, 13 de março de 2025

há ocasiões...

 Há ocasiões (Moreno falava em Momento) em parece que as Musas beijaram a boca de quem escreve. Um Momento desse foi quando escrevi o texto abaixo em 2021. Eu acho que me autopsicografei (parodiando Fernando Pessoa). Poética e psicodramaticamente está tudo aí:


 Há uma grande música de Monarco e Ratinho, portelenses de raiz, chamada Coração em Desalinho: "Numa estrada dessa vida te encontrei". Há outra, de Renato Teixeira, gravada por Xangai, chamada "Pequenina": "São tão claros os presságios e os encontros dessa vida quando as partes combinadas surgem numa mesma estrada". O poeta florentino, Dante, inicia o Inferno, em sua Divina Comédia, dizendo: "Em meio da estrada dessa vida". Três poetas, mesma metáfora. A vida como estrada que tem início e tem fim. Dante chama a atenção do meio da estrada, do processo de amadurecimento, que não é no início nem no fim. Em meio à vida. Monarco e Ratinho dizem que a estrada-vida é o local de encontros. Renato Teixeira, enfim, diz "quando as partes combinadas surgem numa mesma estrada", quando pessoas por combinação, por acordo, aparecem, surgem, encontram-se na vida-estrada. Esses poetas psicodramáticos (ou o Psicodrama será a visão poética aplicada à saúde relacional?) definem o nosso Encontro Moreniano; Acontece no processo da vida, quando as partes da relação combinam, acordam em estar numa mesma estrada. E aí, prosseguindo a visão poético-psicodramática, acrescentamos um outro conceito, muitas e muitas vezes de difícil compreensão. Tele. Tele é quando as partes combinam, seja em seguir juntos numa mesma estrada, ou seguirem separados, em sentidos opostos, mas na mesma estrada. Ou há relação télica quando as partes estão combinadas, em estarem juntas ou estarem separadas. A mesma estrada é a estrada da com-preensão. Ambos com-preendem e con-cordam. A relação é não-tèlica quando "as partes" não estão combinadas, quando nem estão na mesma estrada. Estrada, sentido do caminho, acordo, desacordo, compreensão. A relação não-Télica resulta no "coração em desalinho". Obrigado aos poetas de sempre e de agora.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Compromisso

 Imaginem (criem imagens) o que se passa agora comigo. Sinto a necessidade, quase obrigação, de fazer uma postagem. Percebo ter vários dias sem fazê-lo. E nada me vem como assunto. Poderia, realmente poderia, nada escrever hoje ou agora. Isso faria se fosse apenas a necessidade de postar. Mas, há a tal da quase obrigação. Troquemos a palavra. em lugar de obrigação, compromisso. Tenho o compromisso, comigo, de postar semanalmente. Por que a troca de palavras? Para mim, obrigação é cumprir uma demanda do outro, ser obrigado a cumprir. E compromisso, como todas as belas palavras iniciando por com ou co, significa que a demanda é assumida por mim, somos as duas partes de uma relação, de um vínculo, de um con-trato. Compromisso  é prometer junto, garantir junto. Então, há o tal do compromisso de escrever. Aí, começo a escrever sobre esse "nada que é tudo" (F. Pessoa). E começa se formar algo. E já tenho assunto. Tá. E daí? Dirigir um ato psicodramático é exata e totalmente isso. Um compromisso entre o Diretor/Condutor e o grupo/protagonista. Não é obrigação. Assim, faltando ao Diretor/Condutor ideias, assunto, comece. Em duvida, iniciemos a ação, e assim ela nos moverá a outro lugar, já contará com o grupo/protagonista (compromissados) para criarem juntos. permanecer imóvel, hesitante, esperando a ideia luminosa que insiste em fugir-nos quando dela precisamos, desaquece o grupo, tira do grupo a sua coparticipação, sua possibilidade de cocriação. Diretor/Condutor e Grupo/Protagonista são dois lados em papeis diferenciados de um mesmo compromisso criativo.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Figura, silhueta, fotos.

 Estando com uma paciente, ela sempre se descrevia como "deixa a vida me levar" e "nunca escolhi nada". Junto com ela fomos levantando as situações em que "não havia escolhido" e "deixado a vida levar". E pedi a ela que olhasse não o que ficou, mas o que foi deixado para lá, rejeitado, deixado de fora, excluído. Ela parou, levou algum tempo refletindo, percebendo que ela, sim, havia feito escolhas. E que essas escolhas, feitas por ela, tinham construído sua vida. Não havia sido "Deixo a vida me levar". perguntei-lhe como se sentia. Respondeu: "Aliviada. Estranho, não é? Sinto que agora também posso escolher com consciência.". Fazendo uma imagem mental, se imaginarmos o que escolhemos como figura e o retiramos da imagem, ficará a silhueta no fundo. Que revela tanto ou mais do que a própria figura. Fazendo um mapa de todas as silhuetas vemos nossas escolhas, nossa vida, em negativo, como numa fotografia a ser revelada.


domingo, 26 de janeiro de 2025

Filosofia e Psicodrama

 Lia, há pouco tempo o livro de Boécio, Discurso sobre a servidão voluntária. E lá, deparei-me com uma frase: Ninguém pode desejar o que desconhece. Deixei meu pensamento voar. No livro de Boécio (grande livro!) significa que, os nascidos sob a tirania não conhecem outra possibilidade e, portanto, não podem ou têm mais dificuldade, de imaginar, desejar a liberdade. Por caminhos do livre pensar, cheguei ao Psicodrama. O Psicodrama reconhece o papel social, compartilhado socialmente, o papel imaginário, aqueles sonhos ou desejos de desempenhar outros papéis, o papel psicodramático, aquele desenrolado em palco numa cena psicodramática. Qual a função de um palco, qual a sua magia, qual o seu poder? É a criação de um espaço virtual onde a fantasia pode ser real e vivida como real. É ter esse espaço reconhecido e assumido pelos participantes. Poderá ser o cinema, o teatro, o palco psicodramático. "Sonho que se sonha só, é só um sonho. Sonho que se sonha junto é realidade" ( Yoko Ono/Raul Seixas). Ao existir o palco, compromisso do grupo, do indivíduo, da plateia, o Psicodrama possibilita, abre a chance, de ao investigar/investir fantasias, sonhos, imaginações, vividas como se fosse real. E com isso, contrariando a Boécio, mesmo sem ter conhecido, pode ter nostalgia do não acontecido, vivenciando como real possibilidades que no concreto, não existem. e passar a desejar, por agora ter conhecido, mudanças. Daí porque toda forma de psicoterapia, independente do método, pode exercer a função de dar ao indivíduo a ocasião de abrir as portas de suas prisões.

sábado, 11 de janeiro de 2025

Novamente Tele

Lendo um livro sobre pensamento científico e credulidade de Carl Sagan, deparei-me como uma observação óbvia. Mas, que eu nunca havia me atentado para ela. Que a palavra Telepatia significa , etimologicamente, sentia à distancia, e não não pensar à distância. imediatamente veio-me à mente, psicodramatista que sou, a palavra e conceito TELE. Esse conceito Moreniano talvez seja o mais difícil de se apreender. Ele se refere à percepção MÚTUA de dois papéis em relação vincular. Não é uma ideia, um pensamento, uma reflexão ou ponderação. É a apreensão do outro com quem estamos nos vinculando. É muito mais Pathos que Gnosis. Talvez seja uma apercepção, que é a tomada global, em bruto, de um uma totalidade, antecedendo o pensamento discriminante e analítico. "Não sei porque é assim, só sei que é assim." A Tele moreniana é aperceptiva, não analítica, mas MÚTUA. E, então, a mutualidade, aperceber-se mutuamente com o mesmo sinal, atração ou rejeição ou indiferença, configura uma relação télica. Não havendo mutualidade tratar-se-á de uma relação não Télica. Ufa, parece que coloquei aqui o que queria!

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...