quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Pode ser assim

Diante de uma tela, querendo escrever algo sobre Psicodrama e nada vem. Quanto mais olho e tenho a necessidade de escrever menos vejo saídas para mim. Penso em repetir coisas que já escrevi, procuro e procuro uma luz no fim do túnel, me inquieto, penso em levantar da cadeira e fechar o computador. Chato, incômodo, angustiante. Quantas vezes como condutor de Psicodrama /Teatro Espontâneo nos sentimos assim! Quantas vezes dá vontade de sair correndo e largar porque não vemos saída, não vemos solução. Quantas vezes para evitar a mais remota possibilidade disso pensamos em levar um roteiro pronto, rígido e acabado. Quantas vezes a rigidez substitui a espontaneidade pelo temor do vazio. E, no entanto, isso é consequência de uma atitude: a de se julgar diretor, comandante, total responsável pelo grupo. Como se carregasse o grupo nas costas. Para um fato simples, um antídoto simples: dar ar grupo, devolver ao grupo, compartilhar com o grupo. Pedir ajuda aos universitários. tal como fiz aqui desde o começo dividindo com vocês as minhas dificuldades. Utilizando a própria dificuldade como a matéria-prima do texto. Do grupo.

domingo, 26 de janeiro de 2020

Reflexões com Pessoa



Em um apontamento de Fernando Pessoa, por ele atribuído a Ricardo Reis, ele diz que Poesia não é um derramamento de emoção, mas sim a emoção submetida à disciplina do ritmo e da métrica. Em outro poema - Isto – ele diz: “Dizem que finjo e minto tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração”. Não vejo melhor definição de Teatro Espontâneo. O protagonista sente com a imaginação e tem sua emoção sob a disciplina do ritmo e da estética. Este é o antídoto do espontaneísmo e da impulsividade histriônica.Em “Autopsicografia” diz Pessoa: O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem. Não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm.” Os participantes, quando não aquecidos, não envolvidos, sentem apenas a que eles não tem. O Protagonista finge (dramatiza) a dor que ele tem e estas são as suas duas dores: a sentida e a dramatizada.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Ahn????

Lá nos idos do 2º grau aprendi em Física algo chamado Paralaxe. Trata-se da mudança de perspectiva entre figura e fundo pela mudança de posição do observador. Algo que ocorre quando olhamos o dedo indicador com apenas um olho aberto e depois alternamos o fechamento dos olhos. Esta mudança de posição relativa entre dedo e o fundo é a Paralaxe. E o que tem de análogo com o Psicodrama? Aqui quando reencenamos uma história, quando experimentamos outro final para ela, quando fazemos um espelho, duplo, inversão de papeis, quando usamos todos estes instrumentos de trabalho psicodramático, sempre o fazemos com o objetivo de permitir ao observador participante (grupo e/ou indivíduo) uma ou várias outras miradas novas da mesma cena. Isto é o que se torna o verdadeiro instrumento terapêutico do Psicodrama: a possibilidade de que o grupo e/ou indivíduo possa sair da visão única, cristalizada (talvez até patologizada) que até então acontecia para um horizonte de outras formas de ver. Sim, fazer Psicodrama é ajudar a construir múltiplos pontos de vista, é descongelar a visão de mundo. É fazer um movimento de Paralaxe existencial em que, sem que nada mude na superfície, algo se altere profundamente.



terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Respeitar, amar

Penso há tempos na impossibilidade do amar a todas as pessoas. Esta quase exigência nos faz sentir ou culpados ou não-seres humanos. Amar é uma relação bilateral. Em termos psicodramáticos, uma relação Télica: Em que eu e o outro nos reconhecemos e interagimos dentro do mesmo vínculo, em relação complementar e com o mesmo tipo de afeto e intensidade. Isto seria amar em sentido relacional. Usamos a mesma palavra para também nos referirmos ao cuidado a todos os seres da Natureza e à própria Natureza. Essa relação não necessita ser bilateral, complementar. Pode ser unilateral. E talvez seja melhor chamá-la não de amor, por ser este um afeto necessariamente espontâneo. O respeito, prefiro esta palavra, não precisa ser espontâneo, podendo ser ensinado, aprendido e cobrado. O respeito é o reconhecimento do outro, da existência do outro. Respeitar é reconhecer e aceitar a existência do outro, sob qualquer forma. É o respeito que pode conduzir à harmonia ou à discordância, ambas construtivas para o processo humano. Se nulificamos, reificamos o outro, o tornamos coisas, tudo se admite e nada é proibido. No julgamento em Nuremberg ficou visível essa nulificação como forma de proteger-se da culpa. Hannah Arendt chamou a isto de banalização do mal. Respeitar é reconhecer a humanidade intrínseca de todos. E o Psicodrama por ter a sua base, seu alicerce, na ideia de que somos seres relacionais, seres em relação, constrói a possibilidade do respeito com suas inversões papel e consequentes multiplicações das visões de mundo. 

domingo, 19 de janeiro de 2020

TE e Psicodrama

Sempre temos visto escritos sobre o TE e todos dentro da perspectiva da ressonância junto à plateia, do potencial de transformação grupal ou dos protagonistas por meio da estética do momento. Quero agora refletir sobre outra vertente possível. O que muda no Diretor psicodramático que se dedica ao TE? O que se altera na sua prática, ainda que não seja teatro espontâneo que ele esteja realizando? Que especificidade de olhar psicodramático tem o diretor praticante de TE? Há alguma especificidade? Que importância tem para o psicodramista in status nascendi participar de TE?
Utilizando estas perguntas como iniciadores verbais, passemos a refletir. A rigor, o primeiro combatente (proto-agonista) é o que primeiro põe o pé no palco. Assim, o primeiro a proto-agonizar é o Diretor Psicodramático. Ele, naquele momento, é o que mais arrisca, o foco da atenção está sobre ele, espera-se um algo qualquer dele. Neste primeiro momento, a espontaneidade/criatividade do Diretor encontra seu maior espaço de desafio. O ritmo, a estética, a linha condutora advirá desta mesma espontaneidade criativa. Para saber enxergar e ouvir o grupo o Diretor precisa estar aberto, disponível, sem armaduras ou defesas prévias. E isto é exatamente o que o trabalho com o TE ajuda a desenvolver. O foco estético no TE é o eixo onde gira a Direção. Por isto, o cuidado com o ritmo, a fluidez, a ressonância junto ao grupo, a atenção particularmente quanto à manutenção do aquecimento grupal. Isto é vital. Porque se corre o risco, ao não se atentar para o aquecimento, que a plateia se esvazie. Como não há compromisso terapêutico, a plateia permanece enquanto se encontra motivada, interessada. Outro aspecto importante e curioso é que o público se apropria de partes ou trechos do acontecido. No compartilhamento é que se percebe que, da obra realizada, cada pessoa, cada parte da plateia, pinçou, apropriou-se de algo diferente.

Para o Diretor é necessário não ter uma postura autoral, quem dá (ou não dá) sentido ao acontecido é o público. Como o Diretor de TE trabalha fora da psiquiatria/psicologia, apresentando-se sem este aval, fica totalmente entregue ao que ele consegue construir junto com o grupo. Sua segurança virá da sua confiança em que o grupo é senhor e construtor de seu destino cênico. O grupo é que se dirige. Cabe ao Diretor, tão somente, dar forma esteticamente resolvida à dramatização.

Os psicodramistas não precisam todos fazer TE, mas se beneficiariam muito ao trabalhar com a ideia de ritmo e estética, de atentar sempre e sempre para o aquecimento grupal, de diminuir sua importância pessoal e ampliar sua confiança na capacidade de construção grupalPor isto, fazendo Teatro Espontâneo farão um melhor Sócio Psicodrama.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Teatros Espontâneos: O que, como e para que

“A agulha do Real nas mãos da fantasia”
                  A linha e o linho, Gilberto Gil
Como já foi dito, o Psicodrama que fazemos hoje não é o Psicodrama que Moreno fazia. Assim também podemos falar do que convencionamos chamar Teatro Espontâneo. Moreno denominava, e assim intitulou seu livro, Teatro da Espontaneidade. Nós usamos a expressão Teatro Espontâneo. Trata-se da mesma coisa? Estamos falando de mera troca de uma locução adjetiva, da espontaneidade, pelo adjetivo correspondente, espontâneo? Não, penso que não. E é disto que tratarei a seguir. Lendo o livro de Moreno, percebemos que sua intenção primeira era de valorizar e sedimentar o conceito de Espontaneidade. Era o centro de sua atenção, de seu universo particular. Era a sua ferramenta para se contrapor ao conservado, petrificado, tradicional. Ao teatro morto e congelado se contrapunha a experiência espontânea. Era a sua lança diante do moinho de vento do teatro tradicional. Assim DA ESPONTANEIDADE refere-se a um substantivo, a um algo que precisa ser exibido, desenvolvido, cultivado. Todo o esforço da trupe e de Moreno era exibir diante de uma plateia descrente e atônita, um algo novo, revolucionário: a Espontaneidade. Fazendo uma dublagem (duplo) de um possível frequentador, digo: ”Puxa, não é que existe mesmo esta Espontaneidade que Moreno fala? Eu a vi no palco”. Também posso fazer outra dublagem (duplo): “por mais que eles se esforçassem não vi a Espontaneidade apregoada, vi uma bagunça completa". Como poderia ser a dublagem de um ator qualquer da trupe: “Hoje a Espontaneidade estava no palco, vi no rosto das pessoas sua surpresa".  Ou então: “Tentamos de tudo, mas não deu". E Moreno, qual seria seu duplo? “Eu sabia que era possível mostrar do que a Espontaneidade é capaz!”
Ou: “Vou ter que inventar mais um jeito para esfregar na cara das pessoas que isto existe!”. Como toda dublagem, ela poderia ou não ser validada pelas pessoas, mas, para efeito de discussão consideremos que houve esta validação. A Espontaneidade era a atriz principal de seu Teatro. Todos os olhos voltados, benévola ou malevolamente, para ela. O Teatro da Espontaneidade existia e existiu, para justificar uma ideia de Moreno. Foi necessário, foi imprescindível. No contexto da época, estimular a existência da Espontaneidade era navegar contra uma corrente que via a liberdade e espontaneidade como geradoras de caos, de caos destrutivo. A década de 20 do século XX ainda era século XIX: sua estética, sua ética, sua moral era de um século XIX estendido. Moreno e Freud, trouxeram, a seu tempo, dois demônios a serem exorcizados, o sexo e a espontaneidade. 
Mas, tempos fugit. O tempo passa. Ao longo do tempo, o substantivo Espontaneidade foi sendo substituída por um adjetivo, uma qualificação. Gradualmente, já não se perseguia a espontaneidade como um fim e sim um agir espontâneo, um criar espontâneo, um viver espontâneo. Uma CREAÇÃO. Em que o objetivo está no processo, no status nascendi.
O Teatro Espontâneo é a criação em status nascendi. Seu objetivo, sua meta, sua realização é o próprio fazer, o construir. “mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador”. O ritmo, a estética são balizadores do fazer harmônico daquele grupo. No Teatro Espontâneo matricial, em que do próprio grupo emergem as histórias, o protagonista, os egos auxiliares, cada grupo ou cada agrupamento tornado grupo pelo aquecimento, tem caminhos diferentes, constrói-se diferente e tem o seu fim possível. Cada grupo obtém o que ele pode obter daquele e naquele MOMENTO (Kairós).  A dublagem (duplo) possível de um membro do grupo: “Gostei de sentir que podemos fazer coisas juntos, a partir do nada”. Ou então: “Achei uma história boba, parecendo grupo amador”. O condutor do grupo: “Tinha instantes que não sabia o que fazer ou por onde ir, mas sempre confio no grupo e aonde ele me leva”. Embora trabalhoso, arriscado, demandando uma direção cuidadosa, o TE no formato matricial, sem trupe específica, possibilita ao grupo não só contar e ouvir histórias, mas, e principalmente, fazendo-se de ator e dramaturgo, construir um algo evanescente, produção possível do grupo, fotografia daquele instante vivencial, atravessado pelo social e pelo histórico, que dura o que o grupo durar, mas permanece como experiência indelével. A meta é o caminho.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Não querer

"A renúncia é a libertação. Não querer é poder." 
                 O livro do desassossego/Bernardo Soares/Fernando Pessoa

O senso comum diz que querer é poder. Coloca-se toda ênfase numa suposta entidade chamada força de vontade. E, ao mesmo tempo, dá-se uma ideia fantasiosa e onipotente de que o limite é dado pela pessoa, desprezando-se as circunstâncias que podem ser, realisticamente, limitadoras e limitantes. Pessoa traz nossa atenção para a recusa, o não querer. O foco passa a ser dizer não a algo habitual, recusar o já conhecido. Trazendo para a nossa realidade psicodramática, o palco, a cena, a dramatização permitem que ao protagonista seja dada a oportunidade de dizer Não. Experimentar o recusar, testar o seu não querer. Sair da imobilidade do "É assim mesmo".

domingo, 12 de janeiro de 2020

Alice, Machado, Chico

"Pode dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? Pergunta Alice.
Isso depende muito para onde você quer ir, responde o gato de Cheshire.
Preocupa-me pouco aonde ir, disse Alice.
Nesse caso, pouco  importa o caminho que siga, diz o gato de Cheshire."
             L. Carroll in Alice no País das Maravilha
"Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar.
Ao andar se faz caminho e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca se há de voltar a pisar"
            Antonio Machado in Cantares
"Os poetas, como os cegos, podem ver na escuridão".
            Chico Buarque de Holanda in Choro Bandido

Diz-se que o Psicodrama, o Sociodrama, o Teatro Espontâneo, a Socionomia, enfim, são de base fenomenológica existencial, não interpretativos. E o que isso quer dizer? Acima, há três citações. A de Lewis Carroll sugere que não tendo um objetivo definido, há múltiplos caminhos a serem tomados. O poeta espanhol, Antonio Machado, nos diz que o trilhar do caminho constrói o próprio caminho, não havendo caminhos pre-definidos e que, uma vez trilhados, não há como repeti-los. O Socionomista, seja atuando como psicodramista, como sociodramista ou teatreiro espontâneo, constrói seu caminho no grupo com o grupo. É aí que o método socionômico se torna o nosso único guia. Não é o plano, não é o objetivo. Mas o método. Método de construção coletiva, sendo o diretor/condutor/psicoterapeuta, o o olhar diferenciado que dá ao grupo o suporte para sua realização no palco psicodramático.
E Chico, como acontece, diz que os poetas vêem mais longe e mais claro.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Ensinar Psicodrama?

A maior vantagem do Psicodrama e das Artes Psicodramáticas (dança, música e pintura espontâneas) é ascensão da forma e beleza das cinzas da produção espontânea”.
Moreno in Quem sobreviverá?
Minha filosofia tem sido mal entendida e desconsiderada em muitos círculos científicos e religiosos. Isto não me impediu de continuar a desenvolver técnicas provenientes da minha visão de como o mundo deveria ser estabelecido. É curioso o fato de que esses métodos – sociometria, psicodrama, terapia de grupo – criados para implementar uma filosofia fundamenta de vida subjacente, têm sido universalmente aceitos, enquanto a Filosofia é relegada aos cantos escuros das estantes das bibliotecas ou de todo esquecidas”.
Moreno in Autobiografia

Axioma: O Psicodrama é mais do que uma técnica de fazer. É um método de olhar e vivenciar a relação com o grupo/cliente/mundo.

Corolário 1: Ensinar técnicas não faz um psicodramista.
Corolário 2: O uso das técnicas psicodramáticas não faz de alguém psicodramista.

Na maioria dos métodos psicoterápicos a formação de novos profissionais raramente se inicia com a biografia do mentor. Provavelmente,a vida particular, histórias pessoais, acidentes, vaticínios, não são considerados no processo formativo. É possível  que que seus seguidores pouco conheçam da vida íntima dos seus mentores. Talvez mais adiante, por interesse pessoal, alguém mergulhe mais a fundo. Mas, como parte da formação, como elemento essencial de um curso formal, provavelmente não. O que importa são apenas as ideias, as obras. Com os Psicodramistas acontece o contrário. Em, todas as escolas formadoras a biografia de Moreno é parte essencial da aproximação do estudante com a Socionomia. Será que isto se tornou apenas uma conserva didática? Por que a vida pessoal de Moreno é imprescindível (ou deveria ser) para a formação do Socionomista?
A nossa colega e amiga Valéria Brito escreveu certo dia, de forma lapidar: “Ao contrário do que habitualmente se supõe, a especificidade do Psicodrama reside mais em seus pressupostos do que em sua técnica.” E que pressupostos são estes? A Socionomia lastreia-se no pressuposto de que o ser humano é relacional. A Socionomia, mais do que a técnica, são estas suas pressuposições, axiomas, posturas filosóficas que a definem. Quando estudamos Moreno em sua infância, brincadeiras megalomaníacas, vivências místicas, experiências sociais, estamos fazendo nosso Caminho de Santiago. É uma iniciação não à sua técnica, mas à sua atitude filosófica existencial. Isto não deveria ser apenas matéria de erudição. Deveria ser vivencial. Ensinar técnicas psicodramáticas não produz psicodramistas, produz técnicos em Psicodrama.
Aconteceu com o ensino das escolas o que aconteceu com o próprio Moreno ao sair da Europa para os EUA. O início de Moreno, intuitivo e impulsivo, artístico e crítico, definidor do olhar psicodramático, foi gradualmente cedendo o passo, no afã de ser aceito por uma cultura obsessiva como a americana. Ele deixa aquele início e afirma o lado matemático, o pesar, medir, contar, a pretensa seriedade científica substituindo o olhar artístico com embasamento filosófico. Ele forçou-se a pensar como americano, a fazer como americano. Aí ocorre esta dicotomia: arte europeia, ciência americana. As fórmulas e equações sociométricas são bem diferentes do Komoedien Haus. Com as escolas o mesmo. O formal, o obsessivo, supera o artístico, histérico. Enfim, Psicodrama é sério, terapêutico, científico. O TE é lúdico, espontâneo, divertido. E só. Mas, onde fica o olhar fenomenológico existencial? Onde fica o real vivenciar do diretor ser um membro do grupo (em papel diferenciado)? Onde o real sentido de confiar em que o grupo encontra as suas respostas? Onde a experiência vivencial de que o ser humano se constitui em grupo, que é um ser em relação? Isto não é só técnica. É a encarnação de um jeito de olhar e pensar o grupo. Mas, se admitirmos que está acontecendo e aconteceu às escolas de Psicodrama o mesmo que aconteceu ao seu criador, então temos que enfrentar o mesmo desafio. Também para sermos aceitos na comunidade acadêmica precisamos de usar a linguagem acadêmica, a formatação acadêmica. Para termos alunos precisamos de que esses alunos recebam o que buscam, um diploma com reconhecimento do Ministério de Educação, validado para o mercado de trabalho. Essa é a nossa realidade imediata. E como seria a nossa realidade suplementar?

Há um ditado Zen budista que diz: ao se apontar o dedo para a Lua deve-se ter cuidado de não confundir o dedo com a Lua. O formal, a monografia, a ABNT, são dedos apontando para a Lua. E que Lua é esta? Há uma frase de Moreno, sobre as diferenças entre ele e Freud, dizendo que Freud morreria de prisão de ventre e ele de diarreia. Todos estamos padecendo desta obstipação criativa. O nosso ventre espontâneo está preso. Saídas? Vejo caminhos no recuperar o aprofundamento filosófico, nos pressupostos existenciais e humanistas, em fazê-lo não de forma erudita, como textos lidos, mas sim vivenciado, encarnado, descobrindo e afirmando em cada um sua visão de mundo. Vejo caminhos no recuperar a arte europeia, no exercício do Teatro Espontâneo como método didático. Afinal, o nosso Diretor/Condutor é verdadeiramente o primeiro a agonizar no espaço cênico, é a primeira personagem que aparece. E ele encarna o metrônomo do grupo. Sua espontaneidade e criatividade determinam o fluxo de energia criativa inicial. O aquecimento depende dele. E do aquecimento tudo depende. Para saber enxergar e ouvir o grupo o Diretor precisa estar aberto, disponível, sem armaduras ou defesas prévias. E isto é exatamente o que o trabalho com o TE ajuda a desenvolver. O foco estético no TE é o eixo onde gira a Direção. Por isto, o cuidado com o ritmo, a fluidez, a ressonância junto ao grupo, a atenção particularmente quanto à manutenção do aquecimento grupal. Isto é vital. Porque se corre o risco, ao não se atentar para o aquecimento, que a plateia se esvazie. Como não há compromisso terapêutico, a plateia permanece enquanto se encontra motivada, interessada. Outro aspecto importante e curioso é que o público se apropria de partes ou trechos do acontecido. No compartilhamento é que se percebe que, da obra realizada, cada pessoa, cada parte da plateia, pinçou, apropriou-se de algo diferente. Para o Diretor é necessário não ter uma postura autoral, quem dá (ou não dá) sentido ao acontecido é o público. Como o Diretor de TE trabalha fora da psiquiatria/psicologia, apresentando-se sem este aval, fica totalmente entregue ao que ele consegue construir junto com o grupo. Daí porque para se fazer TE está implícito que o grupo é construtor e senhor do seu caminho. Cabe ao Diretor dar forma esteticamente resolvida a este caminho.
Neste ponto, não bastam as técnicas. Há o verdadeiro vivenciar de todos os pressupostos Morenianos: ser humano como ser relacional; Diretor/Condutor como parte do grupo em papel diferenciado; postura fenomenológica, não interpretativa, que toma o que está posto; do Psicodrama ser uma construção coletiva e uma contínua objetivação do subjetivo com a subjetivação do objetivo. Mas TE é lúdico, não é sério.
Retornando, e finalizando, aos pressupostos Morenianos, a reflexão é sobre o que foi perdido ao se ganhar o que foi ganho. Apenas as técnicas ou o uso delas não nos diferencia, a potência do Psicodrama não está nas técnicas, mas no como e para que são usadas.


domingo, 5 de janeiro de 2020

o que é, o que não é

Técnicas e métodos não são a mesma coisa. Assim como tática e estratégia são coisas diferentes. E ambos os pares de palavras (técnica e método, tática e estratégia) são usados livremente, trocando-se uma pela outra como se fossem sinônimos. Não são.
Estratégia (Houaiss): parte da arte (método) militar que trata das operações e movimentos de um exército ,até chegar, em condições vantajosas, à presença do inimigo.
Tática (Houaiss): arte (técnica) de dispor e manobrar as tropas no campo de batalha para conseguir o máximo de eficácia durante um combate.
Método (Houaiss): conjunto de regras e princípios normativos que regulam o ensino ou a prática de uma arte.
Técnica (Houaiss): jeito, perícia em qualquer ação ou movimento; a  parte material dessa arte ou ciência.
Método está para Técnica assim como Estratégia está para Tática.
O Método Socionômico tem seus pressupostos filosóficos que norteiam a ação e direção dos atos socionômicos: O ser humano como ser em relação; a atitude não interpretativa; o respeito absoluto ao grupo e confiança implícita que ele encontrará seu caminho; a total e completa ausência de autoritarismo; a fundamental ausência de objetivo predeterminado pelo diretor-terapeuta-condutor; o papel do condutor-terapeuta como membro do grupo em papel diferenciado, mas dentro do grupo. Com esses pressupostos (método), as técnicas psicodramáticas são utilizadas taticamente (vide definição). Portanto, usar-se técnicas psicodramáticas fora desses pressupostos, fora do método socionômico, pode ser qualquer outra coisa, mas não será Psicodrama.

sábado, 4 de janeiro de 2020

e o compartilhamento?

Há uma sequencia que identifica (é a identidade) o Psicodrama, o Sociodrama, o Teatro Espontâneo. Ou seja qualquer ato psicodramático. É a sequencia de aquecimento, dramatização e compartilhamento. Em situações didáticas se acresce do processamento. Vamos nos deter um pouco sobre o compartilhamento. Antes, vamos dar uma olhada nos objetivos de cada uma dessas etapas. Aquecimento é tudo aquilo que se faz para grupalizar aquele agrupamento de pessoas, é sair do contexto social de onde cada um proveio e transitar para o contexto grupal. E, no caso de Psicodrama Bipessoal, o aquecimento é a transição do contexto social para grupo constituído pelo diretor-psicoterapeuta e cliente/paciente. A dramatização é o foco do Psicodrama. Após a grupalização, a construção do contexto grupal, pode surgir representantes grupais que se tornarão protagonistas no palco psicodramático. E o compartilhamento? Percebo que boa parte dos atos psicodramáticos, após a dramatização, não valorizam suficientemente o compartilhamento. Cada uma dessas etapas é vital para a completude e integralidade do ato psicodramático. E, finalmente, para que há o compartilhamento? A plateia psicodramática é plateia, não é público. Publico é passivo, não interage. Publico televisivo, p.ex. Plateia é uma assistência participante, envolvida, aquecida, enfim. Quando  há dramatizações em grupo psicodramático, o protagonista, os ego-auxiliares, eventuais participantes, todos se expõem, entregam-se à cena. O compartilhamento, em que os que atuaram ficam por último e o protagonista encerra, é a oportunidade de cada membro do grupo comprometer-se com a cena. Não importa se falando algo bom ou ruim. Mas, não poderá ser crítica. Crítica, "Eu acho", é um não comprometimento com o grupo. Todos dão algo de si, entram no jogo, trazem algo subjetivo. A análise crítica, objetiva, racional, é uma forma de transformar o protagonista no bode expiatório do grupo. Compartilhamento é subjetivo, afetivo. Se na dramatização há um desnudamento dos que participaram, se expuseram, o compartilhamento permite que o grupo os vista com suas expressões. Quando há processamento, e isto acontece em situações didáticas, é que o momento da crítica objetiva, das observações objetivas O diretor psicodramático não pode permitir que no compartilhamento haja intervenções distantes e críticas. Isso dá, dará, aos protagonistas e ego auxiliares uma sensação de abandono, de terem feito papel de bobo. O compartilhamento é a fase crucial para que um ato psicodramático seja produtivo para o grupo, e, não apenas, para o glória técnica do diretor.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Respeito

Respeito. Palavra que revela um conceito fundamental da vida em sociedade. O que nos diz a etimologia da palavra? Respeito provém do latim Re (outra vez) + spectare (olhar). Respeitar, é assim, permitir um segundo olhar. Não permanecer com apenas o primeiro olhar. Como se o primeiro olhar fosse o olhar impulsivo, o olhar inteiramente pessoal. É como se permitir um segundo olhar fosse admitir uma segunda opinião, uma outra opinião. Respeitar alguma opinião, atitude, pessoa,a própria dor, é se permitir  um segundo olhar além do olhar habitual e já conhecido. Em Psicodrama dizemos que manter-se congelado, rígido em uma visão de mundo seria uma postura, uma atitude, um olhar conservado, cristalizado. Desrespeitar, não respeitar, seria desse modo, manter uma visão cristalizada, inabalavelmente rígido e inflexível. Todo o empenho de uma dramatização leva a percepção de novos olhares sobre coisas antigas ou diferentes olhares sobre coisas novas. Admitir, experimentar um outro ou outros possíveis olhares pode, tem a possibilidade, de  descristalizar, desconstruir o não respeito favorecendo o desenvolver do respeito.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Ano e erros novos

Penso que uma virada de ano, uma mudança de data, pode ser apenas uma coisa cronológica, uma virada de calendário. Mas também pode ser um ritual pessoal de dar sentido à própria vida. As coisas serão ou não banais de acordo com o significado que agreguemos a elas. Então, nesse Ano Novo cronológico, desejo a todos que cometam erros novos. Porque repeti-los é nada ter aprendido com a experiência. Não tê-los representa uma completa imobilidade na vida.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...