segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

A saúde do psicodramatista

Pesquisando em dicionários (Houaiss, Aurélio), encontramos para Saúde, além da definição clássica da OMS, outras acepções: Robustez, vigor, energia; Estado corporal e psíquico que permite desenvolver as tarefas diárias; Boa disposição, bem-estar; Capacidade para suportar, aguentar, ter paciência para. É a esta última acepção que vamos dedicar a nossa atenção. Todo papel, seguindo Moreno, tem uma face convexa, voltada para fora, objetiva, pública e uma face côncava, voltada para dentro, subjetiva, privada. Examinemos as duas faces. Na dimensão objetiva, o papel de terapeuta tem uma expectativa social de que ele seja “compreensivo”, “aguente tudo”: afinal ele é “terapeuta!”. Nos outros papéis em que também há grande interação humana, ainda assim, a expectativa encontra-se voltada para o desempenho de uma tarefa específica. O médico, a enfermeira, o professor tem interação humana constante mas medicam, cuidam, ensinam. É isto que é a sua tarefa e nisto está o olhar expectante. Em nosso caso, é a própria relação entre nós e o paciente/grupo que é o objetivo. A relação em si é que é a nossa tarefa e nela está o olhar expectante. E, na dimensão subjetiva, o que nós aguentamos, suportamos? Em um dia de trabalho de um psicoterapeuta, todas as suas horas são preenchidas com algum grau de desarmonia, incômodo ou sofrimento. O nosso papel complementar, ao nos procurar, chega com alguma nuance de indiferenciação. Obviamente, esta indiferenciação vai nos exigir uma diferenciação clara e límpida em nosso próprio papel. Isto é como passar o tempo com andas (perna de pau). Ou andar em um piso molhado e escorregadio. Exige atenção continuada, focalização permanente, cuidado constante. Todo o tempo “ligado” na relação com o paciente/grupo. Um dia, vários dias, meses, anos. Porém, o ser/terapeuta desempenha também outros papéis. E, ao complementar estes outros papéis, por um movimento pendular existencial, pode indiferenciar-se. Nos seus outros vínculos tenderá a ser impaciente, chato, possessivo, exigente, incompreensivo ou qualquer outra coisa. Contanto que esteja de folga do exercício contínuo e desgastante da diferenciação. Nessas outras relações poderá lhe faltar disposição ou o bem-estar ou o vigor ou a capacidade de suportar e de ter paciência. No caso deste ferreiro, o espeto necessita ser de pau. A emenda, entretanto, tende a ser pior que o soneto. As relações amorosas podem ser, e são muitas vezes, profundamente afetadas por este efeito rebote, tornando difícil se estar na outra ponta do vínculo afetivo com um psicoterapeuta.
Para complicar um pouco mais, esse bumerangue volta-se também para a própria relação com o paciente/grupo. É a isto que se denomina de “burn-out”: o desgaste físico, psíquico e comportamental do profissional. “Os sintomas somáticos compreendem: exaustão, fadiga, cefaleias, distúrbios gastrointestinais, insônia e dispneia. Humor depressivo, irritabilidade, ansiedade, rigidez, negativismo, ceticismo e desinteresse são os sintomas psicológicos. A sintomatologia principal se expressa no comportamento; fazer consultas rápidas, colocar rótulos depreciativos, evitar os pacientes e o contato visual, são alguns exemplos ilustrativos. Um profissional que está “burning-out”, tende a criticar tudo e todos que o cercam, tem pouca energia para as diferentes solicitações de seu trabalho, desenvolve frieza e indiferença para com as necessidades e o sofrimento dos outros, tem sentimentos de decepção e frustração e comprometimento da autoestima.
O problema está exposto. Tal qual uma fratura é dita exposta.
Mas será este o Triste Fim de Policarpo Quaresma? Nós não precisamos encarnar (e acreditar) no papel de quem tudo suporta ou que de tudo compreendemos. Somos ajudantes (terapeutas) do processo e não o ator principal. Somos aquilo que, em Teatro e Circo, se chama de “escada”. Nos Trapalhões, Didi é o principal e Dedé o “escada”. A ele cabe a tarefa de preparar a cena que terá o seu desfecho nas mãos do protagonista. Ao “escada” cabe o ritmo, a atenção para os detalhes e adequação da pergunta (o “escada” não conclui: ele faz perguntas muitas vezes óbvias!). Claro que trabalhar todo o tempo com pessoas tendo essa intensidade, proximidade e relevância, será sempre delicado, mas a criatividade de ocupar o papel de “escada”, coadjuvante em cena, evitará a cristalização do personagem Super Terapeuta: só aparece a impotência onde antes existia a onipotência.

Falhei em tudo

Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá só encontrei ervas e árvores

E quando havia gente era igual à outra.

Tabacaria – Álvaro de Campos/Fernando Pessoa





domingo, 29 de dezembro de 2019

Destino, escolhas

Ouvindo hoje músicas que ganharam o Oscar escutei "Que será, Que será", cantada por Doris Day. Esse é o tema de "O homem que sabia demais", dirigido por Hitchcock. E o que tem isso, além de curiosidade? É essa expressão comum no mundo latino: O que será, será. Ouvida, escutada, vivenciada, é algo como: nada a fazer, seu destino está traçado, não adianta lutar nem tentar alterar nada. Tudo já está definido. É melhor relaxar e não dar murro em ponta de faca (outra expressão coloquial). Num filme de suspense hitchcockiano faz sentido introduzir o tema da inexorabilidade, da irreversibilidade, do destino trágico da personagem, deixando a surpresa para o final. Mas, e na vida? Diz Raul Seixas, em uma de suas músicas: "O destino é a gente que faz, na mente de quem for capaz". Moreno dizia que a segunda vez podia libertar a primeira, referindo-se à dramatização, com a realidade do Como Se do palco. "O que será, será". "Não se dá murro em ponta de faca". "O destino é a gente que faz". "A segunda vez (dramatizada) liberta a primeira (vivida) da cristalização do destino". Destino ou escolha?

sábado, 28 de dezembro de 2019

Icaro

Ícaro quis chegar ao Sol. Suas asas coladas com cera derreteram. Ele caiu. Irremediavelmente IMPOTÊNCIA tem seu antônimo na ONIPOTÊNCIA. Impotência é o estado em que se cai ao se pretender Onipotente e descobrir-se incapaz de sê-lo. Refiro-me à presunção e vaidade como os principais inimigos invisíveis e impalpáveis da Direção psicodramática. Ambas levando à indiferenciação no papel diretivo. Quando o diretor  pretende (e em inglês, o verbo to pretend significa fingir) ser o centro irradiante, ele se perde da sua condição de membro do grupo em papel diferenciado. Ele se isola do grupo. Ícaro.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

espontaneidade, criatividade

Há uma frase de Moreno, chamada por ele de mandamento, que diz: "Sê espontâneo!". Embora dele, contradiz-se. Usar o modo imperativo para referir-se à espontaneidade é uma contradição, um paradoxo, mesmo. É como se dizer: seja livre. A espontaneidade é a liberdade total de opções, o conjunto-universo de possibilidades. Como pode estar limitada por uma ordem, por um imperativo? Diz Millor Fernandes que quem dá pode tirar.  A liberdade, a espontaneidade não são autorizadas de fora para dentro, e sim, de dentro para fora.  A criatividade, sim, é quem faz as melhores escolhas, levando em questão o contexto, o momento. A espontaneidade é o Caos completo, a matéria-prima de onde a criatividade  (Cosmos) escolhe e organiza a melhor, a mais adequada solução.
E escrevo em letras minúsculas, espontaneidade e criatividade, para lembrar o conceito que não são entidades  para uso especial, em ocasiões especificas, para se retirar de um baú de utilidades. São parte essencial do viver. A espontaneidade e a criatividade são quem nos tira da condição de autômatos quase vivos.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Natal e Psicodrama

  A origem do Natal está nas comemorações do Solstício de Inverno no Hemisfério Norte. Solstícios são os pontos da trajetória terrestre em que os hemisférios estão mais próximos (verão) ou mais distantes (inverno) do Sol. Assim, para as tradições místicas do Hemisfério Norte, esse período era quando, em seu hemisfério, Dezembro, a inclinação da Terra em relação ao Sol, voltava a se aproximar, quando o Inverno anunciava o seu fim, quando as esperanças de um novo plantio, de um degelo, surgiam, respondendo à expectativa da espera. Nas tradições místicas isso era o símbolo da renovação, do anúncio de um novo tempo. Avatares e deuses eram comemorados nesse dia. Krishina, Mitra, por exemplo. Por isto a tradição cristã aproveitou-se desse simbolismo. E isso que tem a ver com o nosso Psicodrama/Teatro Espontâneo? Nada. E tudo. Moreno, o criador do Método Socionômico (Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama) era um judeu imbuído das tradições judaicas, principalmente da filosofia hassídica. E esse Hassidismo tinha por base a renovação, a fé na transformação, a esperança de um recomeço. Socionomia, Sociodrama, Psicodrama Morenianos são sempre fundados nessa atitude de mudança, transformação, um novo olhar, uma nova chance, um outro começo.

domingo, 22 de dezembro de 2019

ortodontia, fisioterapia, psicoterapia

Quando falamos ou ouvimos a palavra papel, em geral, é como se ouvíssemos ou falássemos algo como representação, falsidade ou não verdadeiro. Transpondo do contexto teatral para a vida. Quando Moreno se apropria da palavra papel (Role, em inglês) ele o usa num contexto particular, o da socionomia. O cerne do pensamento Moreniano é  que o ser humano é um ser relacional. Portanto, todo o pensamento socionômico, moreniano, está numa frase dele: "Não é que não haja o mundo intrapsíquico, mas me interessa o interpsíquico". E papel, então? No dizer moreniano o papel surge quando interage.   com outro papel. O papel sempre pressupõe o papel complementar. Ele não existe só. Para haver paternidade ou maternidade há que haver o papel de filho, real e concreto, imaginário ou não. Toda intervenção num papel não é uma intervenção isolada do mundo. Há que se ver esse papel interagindo em outros contextos ou com outros papéis complementares. Isto tudo para falar sobre algo que escutei ultimamente. "Já faço tratamento ortodôntico (ou fisioterápico) há anos e não funciona". Pergunto sempre: E você vai às revisões mensais (ou sessões ou exercícios em casa) regularmente, sem faltar? Sempre ouço essas respostas: "Às vezes não, mas já era para ter produzido algum efeito". Isto também ocorre em psicoterapia. Há uma espécie de fantasia onipotente colocada no profissional pelo cliente/paciente. Em termos socionômicos diremos que a relação paciente - profissional exige os dois papéis: o profissional e o cliente. Ambos se complementam mutuamente. Não é possível exercer o papel de psicoterapeuta sem que o outro assuma o papel de cliente ou paciente. Enfim, Psicoterapeuta e paciente complementam-se para desempenhar um ato. Algo diametralmente oposto ao ato cirúrgico complexo. o cirurgião desemprenha seu papel quase completamente independentemente de seu complementar o paciente na maca. Quase. Porque há que se contar com a reação orgânica no ato cirúrgico. O paciente - cliente de psicoterapia tem o papel protagônico na relação terapêutica. O papel complementar de psicoterapeuta corresponderia mais ao "escada" do circo ou teatro: aquele que prepara a piada, prepara o desfecho, cria as condições cênicas. Mas a piada, o desfecho é do protagonista.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

confiança no método

Com o longo tempo e grande número de atividades públicas de Teatro Espontâneo/Sociodrama trago reflexões sobre circunstancias difíceis desta categoria de atividade socionomica, mas que podem ser estendidas a outras formas de exercício psicodramático.
Divido em expectativas e contexto físico. O contexto grupal terapêutico é bastante diferente do contexto grupal em uma atividade aberta, pública. Uma questão importante que o Diretor/Condutor deve atentar é que no contexto terapêutico os participantes têm um compromisso tácito de frequência e permanência no grupo. Em uma atividade pública as pessoas entram e saem na medida de sua conveniência ou interesse. O único empecilho para a saída antecipada do participante seria a vergonha de atravessar o espaço físico. Nestas atividades abertas, públicas mais do que nunca o aquecimento é vital. Torna-se mandatório perceber a queda de atenção do participante, estar vigilante para o ritmo da cena, para o interesse despertado porque nada prende a pessoa como membro do grupo, só este interesse. Daí porque quem trabalha com TE é tão cuidadoso quanto ao ritmo da cena e é tão cioso do aquecimento. O julgamento crítico negativo do grupo é exibido clara e cruamente pela saída progressiva dos participantes. Temos outra dificuldade que é fruto até próprio bom desenrolar da atividade de TE. É quando dentro de uma história criada emerge uma situação pessoal que pela sua intensidade não pode apenas ser acolhida à parte do desenrolar. É quando se entra no conflito ético de precisar trabalhar como Psicodrama Público quando a proposta era de TE. As poucas vezes em que isto aconteceu a cena original foi congelada e levantada a questão para a pessoa e para o grupo de como seguiríamos. Alguma vez houve acordo da pessoa e do grupo para trabalharmos a questão pessoal. Em uma ocasião, como Diretor/Condutor tomei a iniciativa de não dar prosseguimento ao trabalho embora aceite pelo grupo e pela pessoa por considerar que, naquele momento, não havia nem haveria continência para um trabalho de cunho terapêutico stricto sensu. Mas, enfim, este é um risco inerente a todo trabalho grupal e, ainda que devamos nos prevenir, às vezes não há como evitar lidar com este dilema. A decisão será sempre levando em conta o grupo, a pessoa e a sensibilidade télica do Diretor/Condutor.
A outra parte de dificuldade refere-se ao contexto físico, ao espaço destinado ao trabalho. O espaço há que ser proporcional ao tamanho do grupo. Grupo grande em espaço pequeno é tão problemático quanto grupo pequeno em espaço muito grande. O primeiro é complicado pela limitação de movimento e o segundo complica pela sensação grupal de pequenez, como se reduzisse a importância do grupo, acentuando seu pequeno tamanho. A compatibilização é muito importante para o aquecimento e desdobramento do trabalho. A presença de cadeiras fixas torna-se um empecilho considerável. Neste caso pode-se pensar nos corredores, na parte da frente das cadeiras. Tudo na dependência do tamanho do grupo. Em último caso, há a possibilidade de fazer-se o aquecimento nos próprios lugares, usando mais a palavra. Cantos, jogos verbais, desafios entre partes do auditório podem ser usados deixando os poucos espaços livres para a cena em si. Não nos esqueçamos nunca que a palavra também pode ser uma forma de ação. Locais sem cadeiras, espaços abertos, podem não ser muito bons para pessoas com limitações físicas ou com idade avançada. Isto favoreceria a saída precoce destas pessoas, não por desinteresse, mas por desconforto. Então, é necessário perceber os sinais de desconforto físico, minimizá-los se possível, ou trabalhar a saída delas de maneira que não seja desaquecimento para o grupo e que elas, ao sair, não se sintam inteiramente frustradas ou discriminadas.
Estes são alguns exemplos de dificuldades no exercício do ato socionomico em espaço público ou aberto. Entretanto, lembremos alguns pontos: não esperemos a situação ideal; o método psicodramático pressupõe que tomemos a realidade tal como ela se apresenta; o Diretor/Condutor não carrega o grupo, não é o responsável solitário pelas decisões e escolhas; cabe ao Diretor/Condutor, seguindo o método socionômico, ter sempre em mente que ele é membro do grupo, em papel diferenciado; trazer para o grupo os problemas e dificuldades porque ao grupo cabe encontrar a forma melhor e adequada de lidar com estes percalços.
Enfim, o método socionômico é a nossa ferramenta para lidar com as dificuldades operacionais. Há que se viver o método, tornando-o parte inerente do exercício de todos, todos mesmos, instantes da atividade grupal. Ou seja, dificuldades e problemas podem ser aquecimento.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Escolhas

Há dois dias realizamos nossa última sessão do ano de Teatro Espontâneo/Psicodrama. O interesse em manter essa atividade, aberta e livre, é dar aos curiosos, interessados, amantes e conhecedores, a oportunidade de estar em um espaço onde o olhar psicodramático, a espontaneidade e criatividade estejam em ação. E há dois dias, todos os que lá estiveram, foram presenteados com uma história de Paulo. Quando escolhi essa imagem (essa do blog) para representar esse grupo, fiz pensando em escolhas e compromissos. E a história de Paulo era sobre isso, essencialmente. Toda escolha tem uma perda envolvida. Ao se escolher um dos caminhos, o outro deixará de ser percorrido. Por isto a encruzilhada imobiliza: o que se ganhará pode ser igual ao que se perderá. Ao se fazer a escolha há que se pensar nos preços a serem pagos, o outro caminho que deixará de ser percorrido. Obrigado à Paulo pelo presente de sua história. Obrigado a todos os que lá estiveram e compartilharam, profundamente, daquele Momento Moreniano.

domingo, 8 de dezembro de 2019

Simpson

Uma das figuras mais interessantes do mundo Pop ocidental é Homer Simpson. Ele é, explicitamente e sem culpa, a caricatura perfeita do senso comum. Mas, ou por causa disso, ele tem ou lhe são atribuidas, frases reveladoras. "A pressuposição é a mãe de todas as merdas". Esta frase realiza, de forma minimalista, a essência da direção psicodramática. Pressupor ao dirigir uma cena psicodramática é interferir, de forma autoral, na narrativa do protagonista. A merda, no caso, é o desaquecimento da cena ou sua inexpressividade cênica. O Diretor, seguindo a Homer Simpson, necessita seguir a cena e o protagonista. Sua função é facilitar, promover os meios para que melhor se desenrole a cena. O que temos, a todo custo, de evitar é promover a cena que, como diretor, queremos ver ou temos curiosidade para testar nossa hipótese. Nossa pressuposição, portanto. Meu mestre em Psicodrama, Paulo Amado, me dizia: "O Diretor é cego, deve se deixar guiar pelo protagonista". O guiar, nesse sentido, é permitir todos os desdobramentos possíveis da cena trazida pelo protagonista, é usar todos os recursos que o Psicodrama/TE trazem em benefício cênico. A nossa interferência reside em limpar a cena, fazer recortes da cena, iluminar a cena, seguir os caminhos sugeridos. Mas, o guia, o norte, será sempre o protagonista. Jamais deverá ser nossa curiosidade, nossas hipóteses, nossos pré-conceitos. É, nesse sentido, que o Psicodrama é fenomenólogico.

sábado, 30 de novembro de 2019

A alegria

Estou pensando sobre o epitáfio de Moreno: "Aqui jaz aquele que trouxe alegria à Psiquiatria". Como qualquer expressão, essa pode ser entendida de várias formas. Um forma é ver nela o quanto de bufão tinha Moreno, de histriônico, exagerado. Uma outra forma é de chamar a atenção para a completa e total ignorância desse estado de humor dentro da Psiquiatria/Psicologia/Psicodrama. Não só ignorância, mas também  a total desqualificação da alegria no ambiente psicoterápico. A dor, o sofrimento, a tristeza, esses estados, esses sim, são supervalorizados. A Alegria, nesta área PSI, quando aparece é em seu estado desproporcional e inadequado e patológico, a Mania ou Hipomania. Propriamente falando do e no Psicodrama/TE, tenho a impressão que existe uma busca incessante pelo tema doloroso, pela cena triste, pelo choro, enfim. Eu acho que alguns diretores de Psicodrama (e outros psicoterapeutas) só se sentem validados pela catarse dolorosa e, jamais, pelo riso aberto e espontâneo. Mas, às vezes o chorar pode ser uma conserva psicodramática: Uma forma já estereotipada para lidar com a própria vida. Aí, o viés do riso espontâneo pode ou poderia ser mais libertador do que o choro.
Mas o riso interminável que transcende tanto os fracassos quanto os êxitos preenche a plateia... Seria bom conhecer a origem do riso... Acho que o riso teve início quando Deus viu a si. Foi no sétimo dia da criação que Deus, o Criador, voltou a olhar para os seus últimos seis dias de trabalho – e estourou – gargalhando de si... Esta é também a origem do teatro... sim, enquanto ele ria, rapidamente cresceu um palco sob os seus pés. Ei-lo aqui, embaixo de nós”. Moreno

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Não só no palco!

Quaisquer que sejam as situações, clínicas, aulas, conferencia, o que quer que sejam, pode-se pensar em usar a metodologia psicodramática. Não como dramatização em si. Mas pensar na estrutura básica e fundamental do Psicodrama, TE ou Sociodrama. Aquecimento, dramatização, compartilhamento e processamento. Fora das atividades sociátricas específicas, fora do palco psicodramático, essa estrutura pode ser mantida. Visualizemos uma coordenação de uma mesa de temas livres em um congresso. Nada mais diferente do palco clínico. Entretanto, ali temos um agrupamento de pessoas esperando a transformação para um grupo, um diretor (o coordenador da mesa) e protagonistas. Portanto, aquecer o agrupamento de pessoas é grupalizar, prepará-las para o que virá. Cabe ao coordenador fazê-lo, saber quem são as pessoas, os motivos de ali estar, de onde veem. Isto pode ser feito em pouquíssimos minutos. Dirigir os protagonistas na cena, já que apresentar o tema é a própria dramatização. Estar atento ao aquecimento grupal, mostrado no interesse da plateia, cuidar para que o protagonista-apresentador não perca o ritmo e desaqueça-se, desaquecendo a plateia. A transição entre as cenas-apresentações. O compartilhamento seria aqui dar voz ao grupo. E, caso seja necessário, o processamento seria o apanhado final que dê coesão às cenas-apresentações. Podemos transpor para qualquer outra situação grupal e essa estrutura será útil, operacional e enriquecedora.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Coreografia

Li em algum lugar da obra de Moreno: "O corpo lembra o que a mente esquece". A memória da ação persiste. A coreografia da dança executada continua impressa no corpo. Quando, por meio do aquecimento bem realizado, conseguimos como Diretores de Psicodrama/Teatro Espontâneo, que a ação seja realmente espontânea isto recupera a memória inscrita no corpo. É como se o aquecimento destravasse o controle racional permitindo que as memórias inscritas, a nossa coreografia existencial, pudesse enfim voltar ao palco.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Papéis e Papéis

Há palavras que usamos e de tanto usá-las acabamos por ir modificando ou alterando o conceito nela embutido. No Psicodrama/TE/Socionomia há a palavra Papel. Papel, em inglês Role, advém do teatro. Era o rolo em que estava impresso, escrito, o texto para cada ator. Então, papel é o conteúdo (texto e ação) de cada personagem em uma cena. Quando Moreno trouxe sua experiência do teatro para sua criação, o Psicodrama, trouxe muita da terminologia teatral. Papel é uma dessas palavras. Mas há aqui algo diferente. O papel desempenhado por uma personagem, numa peça de teatro ou num filme, é fixado no roteiro, no script, no "rolo". Não cabe ao ator alterações em seu desempenho. Tudo já lhe está prescrito. O que sai do estabelecido é dito "caco", uma intervenção pessoal no texto estabelecido. Portanto, no uso habitual papel é algo pré-estabelecido pelo autor do script, roteiro, "rolo". Moreno considerava, e a Socionomia assim pensa, ser o ser humano um ser em relação. Ele, essencialmente, necessita de estabelecer relações com outras pessoas, seres vivos, objetos, ideias, símbolos. O ser humano não apenas necessita, mas só assim se estrutura. As relações, os vínculos que estabelecemos, são o que nos constrói, nos constitui. Para Moreno, para a Socionomia, para o Psicodrama, para o TE, Papel é a nossa forma de atuação quando entro em contato com outra pessoa, objeto ou o que seja, quando estabelecemos relações, vínculos. E esta relação é relacional (redundância aqui necessária). Não pré-existe. É móvel, flutuante, dependendo do desempenho dos dois papéis que se complementam. Papel e papel complementar. Um constrói o outro, um estabelece o outro, um cria o outro. Quando os papéis perdem essa fluidez, essa mobilidade, esta capacidade de adaptação, os papeis se congelam, se cristalizam, e traduzem-se em repetições enfadonhas e destrutivas. Daí o centramento da Socionomia Moreniana na Espontaneidade/Criatividade.

domingo, 27 de outubro de 2019

Selfie e o Psicodrama

Selfie ou autorretrato (quando falávamos português) é ver-se numa imagem fotografada por si. O que difere de uma foto tirada por outra pessoa? Penso ser o ângulo. Numa fotografia qualquer nos vemos como algo fora de nós. Vemo-nos como os outros nos veem. Num autorretrato (selfie) somos o agente e e o objetivo. Aquele que faz e, simultaneamente, é o centro da atenção. Estamos sempre mais próximos na selfie que numa foto comum. O olhar de quem fotografa é o olhar fotografado. E daí? Há esta ideia pairando em minha cabeça. A interpretação é como uma foto tirada de nós por outra pessoa. A experiência psicodramática é como uma Selfie, um autorretrato. Somos nós vendo a nós. O foco é dado por mim, O ângulo é orientado por mim. Sou autor e ator de minha foto: Selfie. Sou autor e ator de minha história: Psicodrama/Teatro Espontâneo

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Que viva o Teatro Espontâneo!

Interessante (ou doloroso) que o Teatro Espontâneo seja colocado como uma outra forma de instrumento de intervenção na Sociatria, denominação dada em Socionomia ao conjunto de Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama e TE. Na prática, no dia a dia, o TE é colocado como o filho meio cabeça de vento, criativo, mas pouco sério, sem muito futuro. As pessoas sérias, os psicodramistas sérios fazem Psicodrama, Sociodrama ou Axiodrama. TE não. TE é para artista, extrovertido, diversão. Bom de se ver. Apenas. E como isto tem sido ruim e danoso ao desempenho da direção de qualquer ato socionômico. O sempre lembrado, por mim e por muitos, Moysés Aguiar, costumava dizer que o Psicodrama tornava-se cada vez mais Psico e cada vez menos Drama. O nosso diferencial, nosso sustentáculo, nosso pilar, o palco, a cena estavam sendo deixada cada vez mais de lado em nome do enfoque Psico. E o que podemos com o TE? Teatro Espontâneo é bom, é necessário, é vital, para todos os que trabalham com a Sociatria e a visão Socionômica de vida. Não é só para a plateia que o TE é importante. mas para o profissional socionômico. E por que? Por que ao dirigir um TE aprende-se a construir e dramatizar histórias. Aprende-se a desenvolver o senso de história. Aprende-se a descobrir o que pode ser dramatizado e o que não pode. Aprende-se a manter atenção plena do aquecimento grupal, sob pena de nada acontecer. Aprende-se que a atenção à estética da cena aumenta, potencializa a eficácia da dramatização. Aprende-se que o ritmo da cena é tudo. Aprende-se que não levar o ritmo em conta compromete terrivelmente o aquecimento grupal. Enfim, fazer TE, para qualquer que seja o psicodramista, faz com que ele faça o que faz melhor e com maior potência. Teatro Espontâneo é o tronco central onde corre a seiva da Socionomia. Dele saem os ramos de Psicodrama (TE aplicado à clínica, a uma história individual), o Sociodrama (TE aplicado a temas de papeis sociais), o Axiodrama (TE em que o tema da sua história são valores éticos). E também ao lado pedagógico/organizacional. Tudo é Teatro Espontâneo, aplicado a situações especificas ou grupos específicos ou temas específicos.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

As voltas que o mundo dá: A estrada enevoada

Motivo: Teatro Espontâneo (TE) na Jornada de Psicodrama da PROFINT. Espaço: Uma sala cheia de obras de arte deixando um espaço central para o palco. Público: Estudantes de Psicodrama, estudantes de Psicologia, profissionais. Todos expectantes. Pouquíssimos haviam experimentado um TE. Sentimento prévio da Direção: Privilégio e temor. Privilégio pela beleza do espaço e temor pela possibilidade de dano a alguma peça pela movimentação dos participantes. Fala o Diretor: propõe um aquecimento minimalista evitando grandes rompantes físicos. Depois de algumas ações aparece uma imagem escolhida pelos participantes: Uma estrada enevoada. Apenas isto. E é esta imagem que conduz o resto do trabalho. O Diretor pede quatro voluntários para “fazer qualquer coisa”. Risadas depois, surgem os quatro atores. Constrói-se uma primeira cena experimental. Caminhoneiro e ajudante numa estrada esburacada. Os dois atores, desaquecidos, são caricaturalmente engraçados. Cena congelada. Ao grupo é perguntado a sensação, o sentimento do momento. “Perdida, não sei aonde vai dar”: O sentimento mais presente no grupo naquele instante. Peço que compartilhem histórias com este clima de se estar perdido, não se ver à frente, não ver saída. Aparecem várias histórias. Uma com forte intensidade emocional: Mãe falece, filhas em casa, filho, único homem, é obrigado a retornar de outro estado, abandonando a vida já construída para cuidar de tudo o que ficou. Clima pesado. Peço ao dono da história para usá-la como enredo inicial de nosso TE.
O grupo escolhe dois personagens, André (o filho) e Ana (a filha). Uma atriz espontânea escolhe ser André, 30 anos. Outra atriz espontânea escolhe ser Ana, 18 anos. Espaço e tempo: Quarto de Ana, dia seguinte ao sepultamento da mãe. Ana chorosa na cama. André tenta animá-la e a consolar: “Você precisa voltar à realidade, encarar a realidade”. Diz isto em voz baixa e contida, com gestual discreto. Ana responde aos gritos: “Eu perdi a minha mãe!”. A cena prossegue com André pouco incisivo, com argumentos racionais, balançando a cabeça de um lado ao outro, lentamente. Peço-lhe seu solilóquio. “Estou sem saber o que fazer, eu também sofro por ela ter só 18 anos, mas ela devia compreender!”. O incômodo da plateia é perceptível. Congelada a cena, peço um duplo da plateia para o personagem que quisesse. “Estou irritado, muito irritado com você! “, fazendo o duplo de André dirigindo-se a Ana. Com a cena congelada pergunto se alguém quer ocupar algum lugar na cena. A primeira pessoa entra no palco com muita disposição. Entretanto, quando a cena começa ela começa a diminuir o ritmo e a repetir o mesmo gesto de balançar a cabeça. Seu solilóquio: “Não sei mais o que fazer”. Em seguida, o dono do duplo “estou irritado” se apresenta. Entra no quarto, dirige-se a Ana deitada, chorando e fala em tom autoritário e incisivo: “Você não só tem 18 anos, você já tem 18 anos”. “Só temos nós agora”. Ana retruca com violência: “eu perdi minha mãe ontem, você que mais o quê?”. Este dialogo é congelado pela violência das palavras, intensidade emocional e proximidade física das personagens. E é pedido que continue em câmara lenta gestual, mas acentuando a intensidade verbal. Uma pessoa entra, no papel de uma vizinha, D. Maria. Ela entra no quarto, no palco, abruptamente, dirigindo-se a Ana. André grita:”Como você entrou, o que você está fazendo aqui?”. .D. Maria abraça Ana, a beija, a conforta. Peço a André seu solilóquio: “O que esta  mulher está fazendo, este problema é só nosso, que invasão é essa!” Diz isto balançando a cabeça veementemente. Pergunto se mais alguém quer experimentar e uma pessoa ocupa o lugar de Ana. Recomeça a cena da briga, sem a vizinha. Mas agora Ana agride a André: “Você não estava aqui, você foi fazer sua vida longe daqui, eu estive aqui, eu fiquei com minha mãe!”. A cena continua com Ana acuando a André: “Você quer que eu fique logo bem para poder voltar a sua vida!”. André a olha sem resposta. Seu solilóquio: “Não tenho saída”. Solilóquio de Ana: “Te peguei!”. Paro a cena aqui e olhando a plateia há uma participante francamente comovida, tremendo. Diz em seu solilóquio:”Foi isso que vivi quando meu irmão foi assassinado”. Chora muito, mas dá-se por satisfeita com a continência grupal. Dirijo-me ao dono da história e ele diz: “Foi sofrido e doloroso ver tudo de novo, mas foi bom para poder continuar lidando com tudo”. A vizinha Maria diz ter pedido o pai há dois meses e não suportar ver uma família desfeita. O primeiro André compartilha sua grande necessidade de controlar e controlar-se, de manter o equilíbrio. A primeira Ana (estudante de Psicodrama) conta ser sua primeira vez que se dispõe voluntariamente para entra em um papel e ficou surpresa em perceber que tudo era real para ela. O “irritado” André, o segundo André, fala de sua própria experiência quando ele teve que ser o “André” durante uma crise familiar, “escondendo o que sentia para ajudar aos outros”. A última Ana conta sua história de abuso, bullying e incapacidade de reagir diante de agressões. O grupo me pergunta: “Tom, você não vai compartilhar?”. Conto-lhes, então, ser esta também minha história. Também fui ”André”, também tive que engolir o sofrimento em função de lidar com a situação, também fui obrigado a deixar coisas para fazer coisas, em um tempo de minha vida. A plateia olha-me com perplexidade e simpatia.
Tudo isto que aconteceu durou uma hora e 15 minutos.
E agora? O que é TE (Teatro Espontâneo)? É a alma-mater da Sociatria. No método socionômico as intervenções são agrupadas no título Sociatria. Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama. Geralmente aí é incluído o TE, como se fora outro instrumento de intervenção grupal. O que proponho é não ser o TE um outro instrumento sociátrico, mas, sim, o verdadeiro tronco de onde se originaram os ramos Psicodrama, Sociodrama e Axiodrama. Ou como Moysés Aguiar dizia, um guarda-chuva sob o qual estavam as modalidades citadas. Desta maneira de ver, um TE em que a história e o papel protagônico são desempenhados pelo representante grupal, ou dito de outra forma, quando o enredo pertence ao ator, tem-se um Psicodrama. Se o TE é tematizado em papeis sociais, num grupo em que o foco está nesses papeis sociais, na história daquele grupo, teremos um Sociodrama. Se enfim, o TE está centrado em temas de natureza ética, valores éticos, aí teremos um Axiodrama.
Mas, o que é TE? É a dramatização de uma historia criada pelo grupo. É uma obra coletiva na criação e execução. O aquecimento leva a imagens, histórias. Ao grupo cabe transformá-las em narrativas dramatizáveis. Isto é o fundamento do TE. Recriar, retomar, a capacidade infantil de criar e contar histórias. O senso de história: início, desenrolar, conflito, resolução. Em nosso TE vivenciado naquela Jornada Sergipana, após o aquecimento o grupo escolhe sua imagem-tema daquela tarde: uma estrada cheia de neblina. A primeira encenação foi literal. Uma estrada, a neblina, um caminhão, dois personagens. Em seguida a esta cena, o grupo diz-se, sente-se, demonstra estar perdido, sem saber aonde ir. O clima de desnorteamento passa pelo grupo. Essa primeira ação dramatizada produziu o aquecimento necessário para a dramatização de outro tipo de estrada enevoada, a estrada da vida. Como este era o tema protagônico daquele grupo, naquele momento, houve consonância e ressonância da plateia. Em cada instante em que havia um ponto de tensão maior, um ponto de paralisia de ação, ao grupo era devolvido a possibilidade de intervir, introduzindo atores novos ou personagens novos. O aparecimento da personagem Maria, elemento salvador no triangulo dramático (perseguidor-vítima-salvador); dos novos André, da nova Ana conduzem a um clímax dramático. E no TE, como em qualquer manifestação artística, cabe ao espectador, à plateia, dar sentido, dar significado àquilo mostrado e vivenciado.O grupo coloca a legenda na foto.O grupo no TE ou o protagonista no TE chamado de Psicodrama. A primeira imagem escolhida , da estrada enevoada, pode ser a legenda dos gestos desesperançosos de balançar a cabeça dos André, na fala “não sei mais o que fazer”, na violência da impotência.
“No meio da estrada da vida”. Assim começa a Divina Comédia de Dante Alighieri. O filme de Fellini “A estrada” tem o mesmo tema. Na maturidade ou em qualquer momento, a estrada pode tornar-se cheia de neblina. Em que tudo parece incerto e duvidoso. Em que não se vê propriamente o caminho. Quando os sentimentos vigentes são de perdição, impotência, raiva.
Assim foi o nosso TE. Assim é o Teatro Espontâneo.
       “Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro.”  Mensagem, Fernando Pessoa

                                         

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Felicidade?

Estava lendo um livro besta, policial. Mas, neste livro, apareceu um conceito que me deixou intrigado. Lá estava numa fala de um personagem: "A felicidade é resultado de uma relação entre expectativa e realidade". Ou seja, pensando um pouco, quanto menor a expectativa e menor a realidade, menor será a felicidade? Uma pessoa dentro de seu mundo delirante, em que a realidade compartilhada pelos outros não é vivenciada por ela, sua expectativa é limitada pela sua realidade delirante, apenas. Ou uma pessoa com zero expectativa quanto a si, caso sua realidade lhe oferte cem por cento, ele será feliz? E afinal de contas o que seria felicidade? O poeta Rilke tem um verso em que diz: "todos conhecem a espera angustiosa diante de um palco vazio: ergue-se o pano sobre o cenário de um adeus". Martinho da Vila diz: "Felicidade, passei no vestibular, mas a faculdade é particular". Vinícius, o poetinha Vinícius: "A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, gira tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar". Felicidade não é um conceito da área PSI. Felicidade é um conceito existencial. "Pursuit to happiness" . Perseguir, buscar a felicidade, ir atrás, é dar concretude a algo que é resultado de algo e  não causa de alguma coisa. Buscar felicidade é esquecer que felicidade é o resultado de uma ação. Não é a condição para a ação. Desta forma de pensar, felicidade não é objetivo para psicoterapia ou psiquiatria. Pode-se ser assintomático e infeliz. E vice-versa, sintomático,  mas feliz.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Psiquiatria e Psicodrama


 Quando uso um adjetivo, sua função é a de delimitar e qualificar um substantivo. Um navio verde não é todos navios, é apenas o navio verde. Quando digo que sou Psiquiatra Psicodramatista, não estou dizendo que sou Psiquiatra E Psicodramatista, dois substantivos separados. Estou dizendo que ao modo de exercer o papel de psiquiatra agrego um modificador, um qualificador: Psicodramatista. Todos os papéis sociais têm um denominador coletivo e um diferenciador subjetivo. Neste caso o diferencial é a atitude, o olhar psicodramático.

A prescrição, a medicação, a possível internação, a vigilância, o diagnóstico, nada disto é diferente do psiquiatra não psicodramista. O que difere é o como. Reconhecer que mesmo investidos de um poder aparente (muitas vezes real) continuamos a ter no paciente psiquiátrico uma outra pessoa, em um papel complementar, com seus quereres e haveres. Ter claro que se trata de um vínculo assimétrico (eu prescrevo, ele ingere) mas que continua sendo um vínculo complementar. Naquele momento, naquele contexto, naqueles papéis, estamos estabelecendo uma relação. O psiquiatra dá o remédio mas é o paciente quem o toma. E que mais é o remédio psiquiátrico que um Ego Auxiliar químico? Por algum tempo, por muito tempo ou por todo o tempo, o remédio irá suprir o paciente com algo que neste instante ele não o tem. Ela, a medicação, nem é Deus nem o Diabo na Terra do Sol.
Antes da prescrição, entretanto, há a consulta. De regra, o paciente psiquiátrico não vem à consulta. Ele é trazido, levado, empurrado, obrigado. Quase nunca desejoso de ali estar. Como, então, estabelecer um vínculo com ele? A minha primeira pergunta, sempre, ao paciente é: “Como você se sente agora neste consultório psiquiátrico?” É a partir daí que pode se estabelecer nossa relação. Neste instante aparecem as dúvidas, os preconceitos, os medos, as imposições e chantagens familiares, as piadas. Posso passar, e às vezes passo, quase toda a consulta discutindo sobre este tema ainda sem perguntar a razão da vinda ou da “trazida”. Quando ultrapassamos este ponto, sempre ou quase sempre, já teremos criado uma relação vincular. “Eu conheço Psiquiatria mas você conhece a sua Vida”. É assim que manifesto a assimetria de nosso vínculo.
Ele sabe mais de si do que eu. Eu sei mais de doenças que ele. O que proponho é que juntemos os nossos conhecimentos e transformemos nosso encontro em alguma coisa útil e prazerosa. Neste encontro uso todos os recursos que o Psicodrama nos dá. Seja pedindo seu solilóquio em um momento de silêncio, seja dando voz a um gesto significativo, seja realizando um duplo em um outro silêncio. Principalmente, é não ficando preso à cadeira de médico. A mobilidade corporal do Diretor Psicodramático incorporada no psiquiatra aparece numa ida à janela com o paciente, em uma caminhada pelo consultório durante a entrevista. Ele sabe mais de si do que eu. Eu é que preciso me esforçar para suprir esta lacuna. E nisto está a questão da confiança. Ela não é dada, é construída. Por que deve um paciente contar a uma outra pessoa que nunca viu e sabe apenas que é médico (quando sabe!), detalhes íntimos, perturbadores, vergonhosos, pessoais? Por que o paciente tem que falar tudo ao médico psiquiatra? “Ele é seu amigo, conte tudo a ele”. Assim falam os acompanhantes. Por isso, nestes momentos da consulta, eu me apresento, digo a ele quem sou, onde e como me formei, quais meus pontos de vistas sobre psiquiatria. No papel social de psiquiatra, abro e exponho ao paciente que psiquiatra sou eu. Tenho uma biblioteca em meu consultório. Frequentemente peço ao paciente para ir lá ver o que tem e trazer algo que lhe interesse. Às vezes um livro, às vezes um objeto de decoração, uma revista. “Veja a minha biblioteca e você vai conhecer um pouco de mim”. Quando voltam, nós temos algo em comum, já podemos falar “nós”.
Sou Psiquiatra psicodramatista para aqueles que me procuram no papel de paciente psiquiátrico. Posso ser, entretanto, Psicodramatista Psiquiatra quando no curso de uma relação psicoterápica configura-se uma síndrome psiquiátrica. Se concluirmos, eu e ele, e entendermos eu e ele, que o remédio será uma utilidade, uma necessidade, haverá a prescrição e o acompanhamento clínico se dará como mais um dos fatos da vida do paciente que trabalharemos no palco psicodramático.
Finalizando e resumindo, o exercício da Psiquiatria Clínica pode ser profundamente enriquecido, sem que se transforme em uma psicoterapia “selvagem”, com a visão Psicodramática do Encontro, do Vínculo, da Complementaridade de Papéis e da Corresponsabilidade.






















quinta-feira, 19 de setembro de 2019

neologismo

Hoje a palavra ou uma das palavras da moda é empatia. Às vezes vendida como uma habilidade, às vezes vendida como solução para todos os males relacionais. A palavra empatia surge no campo da Fenomenologia para significar a ação do fenomenólogo para conhecer de dentro e por dentro o fenômeno observado. Em lugar de uma explicação externa ao fato, uma descrição vivenciada no lugar do observado. Moreno, criador do Psicodrama/Teatro Espontâneo faz um jogo de palavras em alemão. Einfuhlung é Empatia em alemão. Mas a primeira sílaba - EIN - também significa Um. assim, Moreno cria um neologismo - Zweifuhlung.  Zwei é Dois em alemão. Assim, Zweifuhlung é uma empatia em mão dupla. Uma relação em que os dois participantes estabelecem o vínculo com um conhecimento mútuo compartilhado. Em Português, Zweifuhlung transformou-se em Tele. Tele é uma relação em que os dois membros do vinculo se reconhecem dentro de um mesmo sinal, escolha, recusa ou indiferença. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

If

A música "IF" do  grupo Bread da década de 70 sempre foi  uma das minhas preferidas. Inclusive está em meu celular. Por acaso a estava ouvindo hoje. E há esse verso: "If a picture paints a thousands words". "Se  uma imagem pinta  mil palavras". Há quarenta anos a ouço, mas hoje a escutei. Essa ideia, essa frase é atribuída ao filósofo chinês Confúcio: "Uma imagem vale mais do que mil palavras". E deu-se uma epifania. É uma frase digna de ser o lema do Psicodrama/Teatro Espontâneo. A imagem trás mais informações do que a palavra. A cena, por ser dinâmica e tridimensional, trás ainda mais informações a serem vivenciadas. 

terça-feira, 27 de agosto de 2019

E se...

Se agora estivesse em um grupo como me sentiria? Estou sem ideias, sem algo de importante ou interessante a escrever. E vejo o espaço em branco me chamando, clamando, acusando. E se estivesse em um grupo, conduzindo um grupo? E se, e quando, estando dirigindo um grupo a mente se esvazia, nenhuma ideia surge, sentimos que não sabemos para aonde estamos indo? Pois é, isso acontece. com todos. A tal ponto isso pode acontecer que muitas pessoas, prevenindo-se, estipulam uma rígida condução, planejada, cronometrada. Com a única finalidade de se proteger do "branco" de ideias. A rigidez e o controle são sempre reações de proteção diante da ameaça do vazio, da falha. E não sendo assim? E não sendo assim, que faremos ou faríamos? Lembrar-se de que o diretor de psicodrama/teatro espontâneo são membros do grupo, apenas em papéis diferenciados. Então, no instante do "branco" criativo é o momento em que houve uma indiferenciação no papel de diretor e esse papel pode e deve ser ocupado por outro ou outros membros do grupo. Ou seja, pedir ao grupo um encaminhamento para aquela cena. Dirigir um grupo não é carregá-lo nas costas.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Canhoto e psiquiatra

Há um poema de Drummond - Poema das sete faces - que diz:
"Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra
disse; vai, Carlos! Ser gauche na vida."

Por coincidência ou não, estava lendo esse poema ontem. E ontem foi o Dia do Psiquiatra. E ontem, também, descobri depois, foi o dia Internacional dos Canhotos. Coincidência? Pode ser. Mas ilumina a relação das pessoas com os psiquiatras e com os canhotos. Gauche, sinistro, zurdo, canhoto. Sempre se temeu os canhotos. Tanto que dextra em latim é a mão direita e quem tem habilidade em algo é destro. E sinistro é o canhoto em latim e também algo atemorizante, ameaçador. Gauche é canhoto, mas também incapaz, sem aptidão. A destreza é da mão direita. O sinistro é da mão esquerda. E o que tem isso de milenar preconceito contra os canhotos com a Psiquiatria? Tanto quanto o canhoto, o psiquiatra é temido, é tido como um exercício sinistro, e, em geral, o psiquiatra é tido como inábil ou incapaz de um olhar mais abrangente ou refinado. Para a Medicina em geral, para o público em geral, o psiquiatra é o canhoto, o inábil, o sinistro. Por isso faz sentido comemorarmos no mesmo dia os canhotos e os psiquiatras

domingo, 11 de agosto de 2019

Dia do papel de Pai

Feliz Dia do papel de pai. O papel de pai inclui o papel biológico de doador de metade da contribuição genética da futura criança. Mas não se esgota nisso. Nem inclui apenas o patrimônio XY. Nem apenas a relação de consanguinidade. Ser pai é desempenhar a função, simultaneamente, protetora e estimuladora. Criativo no explorar novos mundos e conservador para preservar a continuidade. Gerador de confiança e primeiro desafio a ser enfrentado. Parceiro e mestre e aprendiz. Rigor e compreensão. Pode-se ser pai sem pai se ser. Pode-se desempenhar o papel de pai sem ter tido ou sido pai na expressão biológica. É possível, sim, ser pai de gente, de animais, plantas e coisas. Feliz dia daqueles que, em qualquer circunstância, são tudo isso. E tudo isso suportado pelo amor incondicional. 

domingo, 4 de agosto de 2019

Sociometria e liderança

Pensando sobre a Sociometria de Moreno vem à mente a distinção entre popularidade e estrela sociométrica. O teste sociométrico é feito a partir de um critério definido explicitamente. A partir daí cada pessoa faz suas escolhas de parceria: preferencia, rejeição ou indiferença. Realizado o teste sociométrico, a popularidade é reconhecida pela maior número de escolhas unilaterais feitas a partir daquele  critério explícito. A Estrela Sociométrica, entretanto, é a pessoa com maior número de escolhas recíprocas positivas. Ou dito de outra forma: o líder popular é resultado de escolhas unilaterais. A estrela sociométrica é um líder vincular. Como há reciprocidade entre ele e quem o escolheu mapeia-se, então, uma rede vincular. O que determina o grau de influência e genuína liderança naquele grupo. Portanto, popularidade, sociometricamente falando, é menos importante que capacidade de vinculação.

domingo, 28 de julho de 2019

Sanidade - proporcionalidade - adequação

Conversando, um dia, com uma paciente, digo-lhe, entre brincando e falando sério, que só quem quer ser normal é quem já foi a psiquiatra. As outras pessoas são o que são, nunca se avaliam se estariam sendo normais ou não. Só que já pôs os pés em um consultório psiquiátrico cria esse parâmetro inexistente que é ser 100 % "normal' em 100 % das situações. E aí ela me perguntou: o que é ou seria  estar sadio? Disse-lhe, sem pensar, mas com convicção: Sanidade é proporcionalidade. No mesmo instante, pensei comigo: é a isto que Moreno dizia ser adequação, resposta adequada. Não é conformação, mas, sim, proporcionalidade. A resposta adequada, proporcionalmente, à cena proposta pelo estímulo.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Hércules?

Uma vez, há muito tempo, ouvi em um painel um psicodramista dizer esta frase: "Dirigir um grupo é uma tarefa hercúlea!". Estava nos passos iniciais do Psicodrama e isto me chocou. Hercúleo remete à Hércules, aos Doze trabalhos de Hércules. Será a direção psicodramática o Décimo Terceiro trabalho de Hércules? Como estava nos meus começos do papel de Psicodramatista não tinha clareza para entender o meu incômodo. Com o tempo, participando de grupos dirigidos por pessoas diferentes, em múltiplos lugares, fui clareando meu antigo e ainda presente incômodo. Realmente. Há Diretores Psicodramáticos que fazem da Direção uma tarefa pesada, difícil, hercúlea mesmo. E há outros diretores em que no seu dirigir sentimos e vemos fluidez, leveza, delicadeza. Nada hercúleo. Talvez afrodítico (terrível, eu sei!). E o que faz essa diferença? Não é a formação em A ou B, não é a influência de Bermudez ou Moreno. Após mais de trinta anos nesse palco psicodramático penso que achei uma luz. Os diretores que transformam o ato de dirigir um grupo em uma tarefa pesada, hercúlea, literalmente consideram que o grupo depende deles, eles carregam o grupo em suas costas. Pesado, hercúleo, duro. Os diretores que compreendem ser a direção de um grupo algo que não inclui carregá-lo, mas compartilhar, direcionar, consultar, perceber-se num papel diferenciado de membro do grupo ao tempo em que é diretor. Esses diretores transmitem uma leveza, uma fluidez e delicadeza que não é de Hércules, mas de Baco ou Afrodite.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Pressa e rapidez

Um dia,  conversando com uma amiga em um bar em São Paulo, ela, brincando, fala da neta que diz: "A pressa é inimiga da rapidez". Quase caio da cadeira (embora já existisse varias bolachas de chopp ali). Realmente. Pela boca de uma criança saia uma assertiva profunda. O que é pressa? A que responde a pressa? Pressa é tentar se livrar de uma tarefa, pressa é sentir-se atrasado para algo, pressa é não poder atrasar, pressa é resposta à ansiedade. E o que é rapidez? É resultado do domínio de uma técnica ou de um método que faz com que alguém realize algo com eficácia e eficiência. É o resultado de se conhecer os caminhos ou os modos de andar. Rapidez tem a ver com precisão. Pressa é, geralmente, ineficaz e ineficiente. Há um ditado popular que diz: " o apressado come cru". A sabedoria popular tem razão. O apressado não dá o tempo de cozimento necessário e obtém um prato mal feito. Transpondo para a direção psicodramática a pressa no aquecimento, a pressa na busca da cena protagônica, a pressa na busca do protagonista, a pressa em fazer dar certo, leva o apressado a obter cenas cruas, dramatizações cruas, nada saborosos e, principalmente, indigestos.

terça-feira, 2 de julho de 2019

E quando?

E quando os olhares não mais convergem, não mais se olham, não mais se veem? E quando os atores estão em peças diferentes embora no mesmo palco? E quando os atores já não servem de escada um para o outro? E quando atuar transforma-se em um contínuo suportar, apenas suportar? E quando the show must go on? Isto seria um relacionamento qualquer em sua fase ou momento difícil, sob o olhar do Psicodrama.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Umberto Eco, again

Li há algum tempo, uma crônica de Umberto Eco em que ele fazia uma inteligente observação sobre o ato de reconhecimento. Reconhecer e ser reconhecido, dizia ele, era, até bem pouco tempo, algo referente a uma atitude, uma ação, um gesto feito por alguém que o notabilizava diante dos outros. Um descobrimento, uma invenção, uma posição política. E aí ele faz sua pequena e aguda observação. Ser reconhecido, hoje em dia, é literalmente ter seu rosto reconhecido, ter sua fisionomia reconhecida, pela recordação de alguma mídia em que haja saído sua imagem. Não mais se trata de reconhecer algum nível de grandeza humana no outro. Mas, sim, simplesmente, reconhecer um rosto já mostrado. É a própria sociedade do espetáculo em ação. Um rosto na mídia vale mais que um feito, uma realização importante. A imagem suplanta o conteúdo. 

sábado, 15 de junho de 2019

Soneto e Psicodrama

Soneto
Chico Buarque

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio


Chico é sempre Chico. Mas, ao lado de ser um Poeta, há o que pode ser lido nas entrelinhas de seu poema/letra. Em Psicodrama/TeatroEspontâneo, a ideia central é permitir ao protagonista um novo olhar. Isso porque o olhar cristalizado, o olhar conservado, o olhar petrificado, para nós, Psicodramistas, é  o núcleo dos problemas existenciais. Mas, psicoterapia não é salvação a todo custo. "Vou lhe salvar quer queira ou não". O poema/letra de Chico mostra que o risco e o medo de mudar, muitas e muitas vezes,impede a própria mudança. Nesse caso, o Psicodrama/Teatro Espontâneo permite que a mudança de vida ou de atitude seja realmente experimentada na realidade suplementar do palco psicodramático. E sem desafiar o medo/temor do protagonista. Mas dando a ele a segurança e a continência do como se Psicodramático.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Dia dos Namorados/Enamorados

Para nós Psicodramistas as relações se estabelecem entre papéis. Ou seja, não existe um eu sozinho, o eu é sempre relacional. E, em cada relação mediada por papéis há sempre instantes de tomada (aprendizado) do papel, desenvolvimento desse papel e criação sobre ele. Isto continuamente num loop existencial. Cada papel constitui seu papel complementar. E essa relação pode se construir de forma simétrica ou assimétrica. O nosso grande mestre Dalmiro Bustos, num grande saque, diz que papeis assimétricos são nomeados diferentemente e papeis simétricos são nomeados com uma mesma palavra, no plural. Assim, professor/aluno, marido /mulher, pais/filhos, terapeuta/paciente são vínculos assimétricos. Amigos, namorados, inimigos, irmãos são vínculos simétricos. Então, em vínculos simétricos os dois papeis se complementam de forma paritária. assim namorados é um vínculo simétrico caracterizado pelo enamoramento. Essa condição de enamorado/enamorada é o que dá a esse vínculo a nomeação de namorados. Portanto, no dia dos namorados estaremos celebrando a condição de enamoramento, estar enamorado, estar em amor. 

sábado, 1 de junho de 2019

Arte e/ou técnica

Desde cedo quando descobri que, em Grego, a palavra techné é arte, fica flutuando pelo meu espírito uma dúvida que nunca soube muito bem qual era. Sentia que havia algo, mas não estava claro o que. Passei a pensar e refletir.
Os gregos chamavam de techné àquilo feito com habilidade e destreza. Heródoto definia como: saber fazer de forma eficaz. Ars, já para os latinos, conserva a mesma acepção, com outra palavra. Na Idade Média, Ars Mechanica começou a corresponder ao que hoje chamamos de técnica. E aí começa uma divisão entre o técnico e o artístico. Ao primeiro termo é dada uma conotação de precisão e seriedade que parece faltar, no senso comum, ao artístico. Ser técnico é ser preciso, exato, científico. Sério, portanto. Ser artístico é ser sonhador, pouco racional, impreciso. Não sério. Um filho técnico faz o pai confiar no seu futuro. Um filho artista é uma preocupação constante. Entretanto, ao vermos ou lermos a descrição de um matemático da demonstração de um teorema, percebemos que há um sentido estético na apreciação. Uma bailarina é precisa, hábil. Há destreza em seu passo. Os longos anos de preparação de uma bailarina, suas dores, falam de técnica, precisão, exatidão. O exercício é Técnica. E Arte. E como Arte inclui a estética. O gesto preciso e econômico. Como o Artesão. O Artista sabe. E sabe fazer de forma eficaz. O Artista é exato. Chico Buarque diz da saudade: é o revés do parto. Econômico, preciso. Tal como E=mc2. Esta fórmula é bela. Chico é exato. Sempre o bem-feito traduz-se em sensação estética. Podemos estar em sala de psicoterapia, numa prancheta, em um papel escrito, um campo de futebol, uma tela, um barro ou mármore. Tanto a nossa Arte quanto a nossa Técnica confluem-se no bem-feito. Não nos esqueçamos que Poesia, também em Grego, provém do verbo Poesis com significado de fazer, fabricar. Arte ou Técnica? Arte/Técnica: exatidão e estética, rigor e espontaneidade, precisão e leveza.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Teatro Espontâneo

“A agulha do Real nas mãos da fantasia”
                                                   A linha e o linho, Gilberto Gil
Como já foi dito, o Psicodrama que fazemos hoje não é o Psicodrama que Moreno fazia. Assim também podemos falar do que convencionamos chamar Teatro Espontâneo. Moreno denominava, e assim intitulou seu livro, Teatro da Espontaneidade. Nós usamos a expressão Teatro Espontâneo. Trata-se da mesma coisa? Estamos falando de mera troca de uma locução adjetiva, da espontaneidade, pelo adjetivo correspondente, espontâneo? Não, penso que não. E é disto que tratarei a seguir.
Como as palavras são envoltórios dos conceitos, o que propomos aqui é a discussão dos conceitos embutidos nas duas situações. Lendo o livro de Moreno, percebemos que sua intenção primeira era de valorizar e sedimentar o conceito de Espontaneidade. Era o centro de sua atenção, de seu universo particular. Era a sua ferramenta para se contrapor ao conservado, petrificado, tradicional. Ao teatro morto e congelado se contrapunha a experiência espontânea. Era a sua lança diante do moinho de vento do teatro tradicional. Assim DA ESPONTANEIDADE refere-se a um substantivo, a um algo que precisa ser exibido, desenvolvido, cultivado. Todo o esforço da trupe e de Moreno era exibir diante de uma plateia descrente e atônita, um algo novo, revolucionário: a Espontaneidade. Fazendo uma dublagem (duplo) de um possível frequentador, digo: ”Puxa, não é que existe mesmo esta Espontaneidade que Moreno fala? Eu a vi no palco”. Também posso fazer outra dublagem (duplo): “por mais que eles se esforçassem não vi a Espontaneidade apregoada, vi uma bagunça completa". Como poderia ser a dublagem de um ator qualquer da trupe: “Hoje a Espontaneidade estava no palco, vi no rosto das pessoas sua surpresa". Ou então: “Tentamos de tudo, mas não deu". E Moreno, qual seria seu duplo? “Eu sabia que era possível mostrar do que a Espontaneidade é capaz!”. Ou: “Vou ter que inventar mais um jeito para esfregar na cara das pessoas que isto existe!”. Como toda dublagem, ela poderia ou não ser validada pelas pessoas, mas, para efeito de discussão consideremos que houve esta validação. A Espontaneidade era a atriz principal de seu Teatro. Todos os olhos voltados, benévola ou malevolamente, para ela. O Teatro da Espontaneidade existia e existiu, para justificar uma ideia de Moreno. Foi necessário, foi imprescindível. No contexto da época, estimular a existência da Espontaneidade era navegar contra uma corrente que via a liberdade e espontaneidade como geradoras de caos, de caos destrutivo. A década de 20 do século XX ainda era século XIX: sua estética, sua ética, sua moral era de um século XIX estendido. Moreno e Freud, trouxeram, a seu tempo, dois demônios a serem exorcizados, o sexo e a espontaneidade.

Mas, tempus fugit. O tempo passa. Ao longo do tempo, o substantivo Espontaneidade foi sendo substituída por um adjetivo, uma qualificação. Gradualmente, já não se perseguia a espontaneidade como um fim e sim um agir espontâneo, um criar espontâneo, um viver espontâneo. Uma CREAÇÃO. Em que o objetivo está no processo, no status nascendi. O Teatro Espontâneo é a criação em status nascendi. Seu objetivo, sua meta, sua realização é o próprio fazer, o construir. “mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador”. O ritmo, a estética são balizadores do fazer harmônico daquele grupo. No Teatro Espontâneo matricial, em que do próprio grupo emergem as histórias, o protagonista, os egos auxiliares, cada grupo ou cada agrupamento tornado grupo pelo aquecimento, tem caminhos diferentes, constrói-se diferente e tem o seu fim possível. Cada grupo obtém o que ele pode obter daquele e naquele MOMENTO (Kairós). A dublagem (duplo) possível de um membro do grupo: “Gostei de sentir que podemos fazer coisas juntos, a partir do nada”. Ou então: “Achei uma história boba, parecendo grupo amador”. O condutor do grupo: “Tinha instantes que não sabia o que fazer ou por onde ir, mas sempre confio no grupo e aonde ele me leva”. Embora trabalhoso, arriscado, demandando uma direção cuidadosa, o TE no formato matricial, sem trupe específica, possibilita ao grupo não só contar e ouvir histórias, mas, e principalmente, fazendo-se de ator e dramaturgo, construir um algo evanescente, produção possível do grupo, fotografia daquele instante vivencial, atravessado pelo social e pelo histórico, que dura o que o grupo durar, mas permanece como experiência indelével. A meta é o caminho.

sábado, 18 de maio de 2019

18 de maio de 1974

Há 45 anos morria. Moreno. Jacob Levy Moreno.Criador do método Socionômico, do Psicodrama, do Sociodrama, Teatro Espontâneo.Mas não é sua morte que deve ser lembrada, apenas. Mas os fundamentos filosóficos que sustentam seu método Socionômico. O ser humano é um ser em relação. A Criatividade-Espontaneidade são as raízes do desenvolvimento humano. Ver o mundo com o olhar do outro ao tempo que o outro vê o mundo com o nosso olhar. A chance de outro começo, outro olhar, a segunda vez pode libertar a primeira vez que ficou cristalizada no tempo, confiança no grupo, confiança.
"Aqui jaz aquele que trouxe alegria à psiquiatria." Este é o seu epitáfio.
E este é o seu eterno convite:
CONVITE AO ENCONTRO  
Mais importante do que a ciência é o seu resultado,
Uma resposta provoca uma centena de perguntas.
Mais importante do que a poesia é o seu resultado,
Um poema invoca uma centena de atos heróicos.
Mais importante do que o reconhecimento é o seu resultado,
O resultado é dor e culpa.
Mais importante do que a procriação é a criança,
Mais importante do que a evolução da criança é a evolução do criador.
Em lugar de passos imperativos, o imperador.
Em lugar de passos criativos, o criador.
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus,
E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus olhos;
Então te verei com os teus olhos
E tu me verás com os meus olhos.
Assim, até a coisa comum serve o silêncio
E nosso encontro permanece a meta sem cadeias;
O lugar indeterminado, num tempo indeterminado,
A palavra indeterminada para o Homem indeterminado.
(Jacob L. Moreno)  

domingo, 12 de maio de 2019

Dia do Papel de Mãe

Hoje é Dia das Mães. Ou o Dia do Papel de Mãe. Pensando em termos psicodramáticos (socionômicos) o papel de mãe surge da relação com pessoas em que há os atributos de continência, aceitação, limite, disciplina, incondicionalidade do afeto e, sobretudo, magia de fazer da imaginação uma ferramenta de cura e resolução de problemas. É uma relação assimétrica entre os papéis - o de filho e o de mãe. Acolhimento de um lado do papel e necessidade no outro lado dessa relação. Mas nesse papel materno cabem atores mães biológicas, mulheres, homens, amigos, amantes, profissionais  de qualquer área. A  função de acolhimento versus necessidade é a fundadora do papel de psicoterapeuta, por exemplo. Pais podem e devem ser mães. E é função do papel materno. Hoje é dia do papel materno, dia da mãe que cada um pode ser na sua relação com o outro.

sábado, 11 de maio de 2019

Para que um título?

Fui convidado para uma atividade aberta na ABPS de São Paulo. E aí me foi pedido um título para o trabalho. E aí mais uma vez me deparo com algo que me deixa pensativo. Para que serve um título para um trabalho qualquer? Serve, penso, para que quem o leia já inicie seu aquecimento para a atividade, muitas coisas começam a passar pelo leitor. Favoráveis ou não. Mas todas servem para um aquecimento ainda no tempo da leitura do título. Assim, desse ponto de vista, um título é o início de um aquecimento. Bem feito ou mal feito. Então o título deve conter elementos instigadores ou inusitados ou surpreendentes ou estranhos. O que for. Mas sempre não banais nem repetitivos. Então, o título para a plateia, para o leitor, para o curioso, é sempre um aquecimento ou desaquecimento. Mas, há outro angulo que me deixa pensativo. O título para o condutor de Psicodrama/Teatro Espontâneo pode ser um enorme limitador da criatividade. Obrigar-se (eu escrevi obrigar-se!) a seguir um título planejado que corresponde a uma expectativa, a um plano, pode desconsiderar gravemente o movimento grupal, aquilo que se inicia e se desenvolve quando o grupo está se construindo. Quando uma atividade psicodramática se inicia algo novo se constrói.
"Todo começo é involuntário". Fernando Pessoa

quarta-feira, 1 de maio de 2019

E se....

E se... . Eu não devia. Eu devia. Não, eu quero. 
Eita expressões problemáticas! Cada uma delas,  se for perguntado ao protagonista que as expressa, qual o cenário, a paisagem mental, a imagem, a cena correspondente veremos quantos universos simultâneos acontecem em nós. E traduzindo em cenas efetivas, atualizando no palco essas paisagens mentais, trazendo ao concreto da cena o que está subjetivado, teremos a realização do Psicodrama, do Teatro Espontâneo.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

3D

Regra geral não percebemos que ao falarmos, além das palavras há outras comunicações sendo produzidas e recebidas. Essas outras formas de comunicação são analógicas: a entonação da voz, a forma de pronuncia-las (prosódia), os gestos, a mímica facial, a pantomima corporal. Quando todas essas formas de comunicação são harmónicas a sensação transmitida é de credibilidade.Ainda assim, a leitura da comunicação digital, a (palavra), e da comunicação analógica (corporal) é do outro, daquele a quem se destina a mensagem. Resultado de toda essa complexa relação: grande possibilidade de confusão (con+fusão = fusão conjunta). Aí entra o Psicodrama, ao Sociodrama, o Teatro Espontâneo. O método socionômico torna-se diferenciado pela tridimensionalidade que o palco, a cena proporciona. Nela e nele pode-se observar todas as formas de comunicação e interação relacional em ação. Isto faz diferença.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Notre Dame

Uma cultura, uma estética de vida, um passado, uma raiz,um sonho, uma meta,um lugar. Nosso mundo está morrendo. Morrendo em seus valores, em seus ideais, em seus marcos balizadores. A Arte está presa ou destruída. O tempo, nosso tempo, nosso tempo Kairós,nosso tempo vivenciado, nosso Momento Moreniano se finda,restando o monótono tic tac do tempo cronológico e utilitário, raso e de horizonte curto. Notre Dame .

sábado, 6 de abril de 2019

Personagem, papel II

Personagem, papel. No mundo cênico, no dicionário, essas duas palavras podem ter conotação sinônimas. Mas no mundo Socionomia no mundo do Psicodrama, no mundo do Teatro Espontâneo, são diferentes. Comecemos pelo Papel. Em Moreno essa palavra denota um conceito relacional. Sempre que se fala de papel há que se falar do papel complementar. Não existe papel isolado. Assim, o Papel em Psicodrama/TE refere-se a algo que se constrói quando alguém entra em contato com outro alguém. Não existe previamente e só existe durante essa relação. E nesse caso, os papéis podem ser intercambiáveis. Papel em Socionomia é, sempre e sempre, dinâmico. Já personagem não é originalmente um conceito socionômico. Mas podemos recriá-lo em nossa visão psicodramática. Fazendo uma analogia com o palco, a personagem é o elemento material, aquele que atua. mas esse personagem, aquele que atua em cena, pode fazê-lo em múltiplos papéis, no sentido psicodramático. Uma personagem X desempenha o papel de namorado com sua amada, de filho com seu pai/mãe, de algoz para com seu subordinado, de vassalo para quem o domina. Tantas relações haja tantas papéis haverá para u o mesmo personagem. Assim, no SocioPsicodrama/TE além de se trabalhar o desenvolvimento dos papéis múltiplos, pode-se trabalhar a personagem comum a todos esses papéis. É uma ideia.

domingo, 31 de março de 2019

como iniciar no Psicodrama?

O Psicodrama, o método Socionômico, traz conceitos, termos e visões de mundo muitas vezes radicalmente diferentes das outras abordagens. Iniciar-se no Psicodrama pelo aspecto teórico apenas frequentemente redunda em desilusão ou desistência. Na palavra escrita parece ou mágica ou teatrinho ou superficial. Por isto, experienciar diretamente o Psicodrama por meio de vivências grupais prepara o terreno para a apreensão e compreensão da visão teórica trazida por Moreno. As vivências grupais são atos psicodramáticos únicos, não processuais, utilizando a sequência habitual do método, aquecimento, dramatização, compartilhamento e processamento, sendo o processamento a compreensão teórica daquilo que foi vivenciado. Sempre o experimentar do método conduz ao interesse pelo método. Aí sim, o aprofundamento teórico torna-se possível e o interesse permanente.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Drácula

Estava relendo pela enésima vez o Drácula, de Bram Stoker. Um livro fascinante pelo qual sou fascinado. E parei numa cena fundamental da história. Drácula já havia marcado Mirna para sua refeição noturna. Mas há um empecilho: um vampiro só pode entrar em uma casa se for convidado. Então, ele se dedica a seduzir Mirna para que à noite lhe abra a janela ao ser chamada. Essa história é contada assim pelo narrador. Mas, Mirna não sabe dessa história, os familiares e noivo dela só veem seu enfraquecimento gradativo. Para Mirna, sua anemia aguda é uma surpresa. Assim como para os outros. Quantas e quantas vezes ao escutarmos histórias vemos uma narrativa contada e recontada, sob um mesmo ângulo, sob um mesmo olhar, sob uma mesma perspectiva. Forçando um pouco a barra, imaginemos Mirna num Psicodrama. Sua queixa é estar enfraquecendo sem saber porque. Seu psicoterapeuta psicodramatista, seu Direto/Condutor, lhe pede para refazer seus passos desde o anoitecer ao tempo em que vai manifestando alto seu pensamento e seu sentimento. e pensamentos (solilóquio) Ela vai realizando sua toalete noturna e em um momento vai até a janela e abre o trinco. Interrompida nesse momento e solicitado seu solilóquio ela poderia ter dito: "estou pensando naquele cara que conheci, tão interessante. Será que ele me visitaria mesmo, como me disse?". Eis porque uma dramatização é capaz de realçar, tridimensionalmente, atos, maneirismos, tons de voz e outras manifestações do subtexto da expressão corporal, que não apareceriam na narrativa verbal. A narrativa cênica inclui e ultrapassa a narrativa verbal. 
PS. A cena em Drácula, é linda.

terça-feira, 5 de março de 2019

zona de conforto e olho do furacão

Há expressões que se consagram e são usadas repetidamente sem que se pense muito se elas são ou não razoáveis. Uma delas é "zona de conforto". Geralmente é dita assim: "ele está na zona de conforto dele e não quer se arriscar". Vejamos o uso da expressão "olho do furacão" como sinônimo de estar-se em situação difícil. Pensemos: o que se chama de "olho do furacão" é a zona central de um furação onde momentaneamente nada acontece, há um céu azul, pleno, calmaria e águas tranquilas, antecedendo a virada brusca do tempo. Portanto "olho do furacão" não é apenas uma situação difícil, é uma situação que se apresenta tranquila momentos antes do desastre. E "zona do conforto"? Será que quem usa essa expressão sente-se, realmente, confortável? ou será que quem usa sente-se, de verdade, no "olho do furacão"? Ou seja, quem diz estar numa "zona de conforto" claramente percebe que está no "olho do furacão". Sabe que a merda virá, mas insiste em olhar para o céu azul e o tempo, atualmente, bom? Uma das possibilidades psicodramáticas de criar cenas de futuro é dar ao protagonista de ver o que insiste em não ver. Por temor de mudar cria uma expressão aparentemente reconfortante. "Zona de conforto"? Pois sim!

domingo, 24 de fevereiro de 2019

palavras, palavras

Há palavras que, quando usadas por uma determinada pessoa em determinada situação, definem um autojulgamento. Penso em duas nesse momento: Fracasso e traição. Já as escutei em inúmeras situações, clínicas e não-clínicas. E em todas, ao usar essas duas palavras, tenho a nítida sensação e compreensão, que as pessoas que as usaram já fizeram sua autocondenação. "Trair não me incomoda". E por que usa a palavra? "O fracasso não é o fim". Mas já houve o instante em que julgou-se fracassado. No primeiro caso, a palavra traição, ela traduz para quem a usa a clara declaração que falhou num compromisso. No segundo caso, fracasso, quando se usa essa palavra tem-se nitidamente uma visão de mundo maniqueísta, linear, polarizada. Há fracasso porque se pretendeu sucesso. Por isso, no Psicodrama,  a possibilidade do Duplo/Dublagem, quando o egoauxiliar, lastreando-se na postura física do protagonista, no desenrolar da cena e no co-inconsciente grupal, "dubla", introduz outra texto naquela cena, trazendo à tona o "fracasso" ou a "falha no compromisso", por exemplo. O Duplo/Dublagem, não é um sacada, um chute, uma interpretação, não é a opinião do egoauxiliar ou Diretor, não é lição de moral. É, talvez,  a técnica mais difícil de ser exercida no nosso Psicodrama.

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E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...