sábado, 30 de dezembro de 2017

Novo Ano, Ano Novo?

Penso que uma virada de ano, uma mudança de data, pode ser apenas uma coisa cronológica, uma mudança de calendário. Mas também pode ser um ritual pessoal de dar sentido à própria vida. As coisas serão ou não banais de acordo com o significado que agreguemos a elas. Então, nesse Ano Novo cronológico, desejo a todos que cometam erros novos.  Porque repeti-los é nada ter aprendido com a experiência. Não tê-los representa uma completa imobilidade na vida. Que seja um novo ano.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Kafka, Psicodrama

"Há dois pecados humanos capitais, dos quais se derivam todos os outros: impaciência e indolência. Por impaciência foram os humanos expulsos do Paraíso; por indolência não regressaram. Entretanto, talvez haja somente um pecado capital: a impaciência. Por impaciência foram expulsos, por impaciência não regressaram. " 
Esse trecho é um dos Aforismos de Kafka. Hoje estava relendo esse curto livro e fiquei embatucado com esse escrito. E pensando no Psicodrama ou no Teatro Espontâneo ou no Sociodrama. Pensando quanto dirigir é um cabo de guerra entre a paciência e a impaciência. Como todo o tempo queremos acelerar, chegar logo em algum lugar, atropelando o ritmo do próprio grupo. Dirigir qualquer atividade Socionômica exige que tenhamos a paciência de respeitar o tempo do protagonista, o tempo do grupo. E quando algo não está funcionando bem é necessário ainda mais paciência para aceitar que cada grupo, cada protagonista vai até onde puder, obterá o que puder obter. Ao seu tempo, ao seu ritmo. "Por impaciência foram expulsos, por impaciência não regressaram. "  Nem uma coisa nem outra.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

primeira, terceira

Qual o melhor lugar para esconder uma árvore? No meio de uma floresta. Acho que por isto é tão comum, corriqueiro, seja no universo psicoterápico, seja no universo do Teatro Espontâneo, seja na conversa coloquial, o uso da terceira pessoa ( a gente faz isso ou aquilo, aí você vai e briga...) ou a primeira pessoa do plural (nós fazemos, nós nos irritamos, nós isso ou aquilo). Se apenas se pedir que se conte a história usando a primeira pessoa (Eu) a importância do que é expresso muda de forma considerável. Torna-se o protagonista ou o cliente ou o paciente centro de seu furacão, deixando a terceira pessoa  de lado. A história tem que ser contada sempre em primeira pessoa. Do singular. That's all.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

memória, imaginação, atenção...

A memória e a imaginação não são tão diferentes assim. ambas são móveis, flutuantes. Ambas não têm compromisso com o real. A memória é a recriação do passado, a imaginação é a criação do futuro. O presente é que é transitório, fugaz e, quase, imperceptível. Estamos ou á espera de um algo que acontecerá ou lembrando o que houve. Vivenciar é o viver com atenção plena. É estar atento ao tênue momento presente. Afora isto estamos entre o criar o futuro e o recriar do passado.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

crença, fé...

Não sei. Vejo essas duas palavras sendo usadas como sinônimas. E, para mim, não são. Nem de longe são sinônimas. De cara digo que crença é certeza de resultado, fé é confiança no processo. Dito isto, comecemos a desdobrar um pensamento. Quando digo creio, em geral, queremos um resultado, desejamos um resultado, já temos um resultado previsto. Crença, assim, é  ter certeza de que o que deseja se realizará. Seja por que meio seja, seja com a interferência dessa ou aquela divindade, deidade ou entidade. Quando não acontece o que se espera, deseja, almeja, quer, vem a descrença, a rejeição, a raiva, a impotência, a frustração o sentimento de desconfiança. Quanto há fé, tem-se fé no mecanismo não nos efeitos. Tem-se fé. Coloca-se um pé no vazio, sabendo que há um vazio, mas que se construirá alguma ponte para atravessar o abismo. o olhar se dirige ao processo, ao mecanismo, ao método. Não se olha para o resultado. A consequência virá em razão do processo, não do desejo, apenas. e o que isto tem a ver com Psicodrama e Teatro Espontâneo? São coisas diferentes: iniciar uma atividade Psicodramática ou de Teatro Espontâneo desejando um final final planejado, buscando realizar um projeto já definido na mente. Não é Psicodrama nem Teatro Espontâneo, é uma vivencia, tão só. É uma forma de crença. A espontaneidade e criatividade do grupo anda longe. Outra coisa muito diferente é iniciar-se uma atividade Psicodramática ou de Teatro Espontâneo em que há confiança, fé no método, no processo, deixando o campo aberto para a Espontaneidade e a Criatividade atuarem, levando a cena para onde ela construir seu próprio caminho. Confiança, fé no método Psicodramático

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

FullGás

Há poucos dias estava conversando e veio à tona uma música de Antonio Cicero gravada por Marina: FULLGás. Um neologismo de Cícero para associar o fugaz, passageiro, com o Full, cheio em Inglês, e Gás. Cheio de gás, mas breve e fugazmente.
Em grego há trés palavras que se traduzem em Português como tempo. Chronus, Kairós e Aéon. Três formas de tempo. Aéon é o tempo sagrado. Kairós o tempo vivencial, o tempo onde algo aconteceu de marcante. Esse Kairós grego em Psicodrama podemos associá-lo ao conceito de Momento. O Momento Moreniano ocorre dentro de um tempo Chronus, dentro de uma cronologia específica, mas contem algo a mais. O Momento Moreniano é o instante em que algo ganha significado, importância, intensidade. É fugaz, passageiro, não cristalizado. É intenso (Kairós) mas não duradouro (Chronos). Tanto em Teatro Espontâneo  e Psicodrama todo o aquecimento inespecífico acontece dentro de Chronus. No aquecimento específico do representante grupal caminhando para ser protagonista, ele é conduzido sempre no aqui e agora, trazendo ou levando o protagonista a novamente se colocar no tempo Chronus para recuperar e tomar posse da totalidade de sua experiência Kairós. Esse é o caminho, o método, do Psicodrama, do Teatro Espontâneo: ajudar a produzir a transformação de qualquer ação acontecida ou por acontecer no tempo Chronus, cronológico, no tempo Kairós em que os significados, intensidades e importâncias são apropriados pelo protagonista numa catarse de integração.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

perdão

Ando pensativo com a palavra perdão. Em português, perdoar vem de per+donare. Sendo per através de, acabamento, conclusão, sem nada faltar e donare, doar, dar. Em inglês repete-se a mesma etimologia. Forgive vem de for, por meio de, completamente, com give, dar, doar. Então, o que se dá, o que se doa, ao perdoar? Perdoar e pedir perdão. O que se pede? Esquecimento, fazer de conta que nada aconteceu? O que se dá? Esquecimento, passar uma borracha, jogar o lixo sob o tapete? Será isso que se dá e se pede? Que doação por completo é essa? Depois de um perdão há re-começo? Recomeçar não seria como desfazer o pause do filme da vida? E há o botão de pause? A nossa história re-começa do ponto onde parou? Perdoar então seria desfazer o pause? E se perdoar, o dar por completo, fosse não re-começar, mas encerrar algo e iniciar um novo algo em que a história anterior fosse incluída como história finda, terminada. Então não seria um pause e recomeço de um mesmo episódio de nossa netflix existencial. Seria, sim, um novo episódio da mesma série em que o episódio anterior está presente no argumento do novo episódio. Presente e acabado.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

autocrítica, altocrítica

Por várias vezes tenho problema em escutar o que ouço. Às vezes escuto mais do que ouço. Dentre as inúmeras vezes em que isso me aconteceu, uma delas foi com essa palavra autocrítica. Juro que o que escutei foi ALTOCRÍTICA. Com L. Cheguei a perguntar. Com U ou com L? A justiça pode ser cruelmente justa. E isto acontece quando é inflexível, não ponderada. Imagine quando acontece dirigido a nós mesmos: Quando a crítica é tão exacerbada por ser inflexível e descontextualizada. E assim caminha a humanidade, ou uma parcela dela. Entre culpas imaginárias e penitências reais.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O riso e o siso

Mas o riso interminável que transcende tanto os fracassos quanto os êxitos preenche a plateia... Seria bom conhecer a origem do riso... Acho que o riso teve início quando Deus viu a sim mesmo. Foi no sétimo dia da criação que Deus, o Criador, voltou a olhar para os seus últimos seis dias de trabalho – e estourou – gargalhando de si... Esta é também a origem do teatro... sim, enquanto ele ria, rapidamente cresceu um palco sob os seus pés. Ei-lo aqui, embaixo de nós”. J. L. Moreno
Outra citação de Moreno. E ela traz a tona o riso no ambiente sério e sisudo da psicoterapia. Esse nosso ambiente, embora dito terapêutico, vê com restrições valorizar o riso e a alegria. Nossa herança cultural faz do choro o maior e quase único validador da experiência psicoterápica. O riso, o gargalhar não é confiável. O choro, sim. Não é diferente o fato das comédias, dos atores de comédia, nunca serem tão valorizados quanto os atores de dramas ou tragédias. A penitencia, a culpa, a purgação da culpa, o choro, o desespero parecem ser mais confiáveis do que uma sonora e explosiva gargalhada. E Moreno traz o riso como um elemento criador, libertador, e o coloca como estando sob nossos pés, como fundamento do fazer psicodramático. Mas o peso da tradição culposa e penitencial faz-nos pender tão somente para a dor. A alegria no Psicodrama é fundante. Não a alegria tola do riso fácil, mas a alegria de reconhecer a potencia criativa grupal. De saber que o ser humano inclui "a dor e a delícia de ser o que é".

sábado, 2 de dezembro de 2017

Samba, arte e psicodrama.

"O samba é o pai do prazer;
O samba é o filho da dor;
O grande poder transformador."
         Desde que o samba é samba, Gil e Caetano

Essa música foi composta  por Gil e Caetano comemorando os 25 anos do movimento tropicalista. Mais além da beleza da música e letra, há algo. A posição que eles colocam o samba, intermediária entre a dor e o prazer, chama a minha atenção. A acentuação que essa posição tem um poder transformador, chama a minha atenção. Transmutando a dor recebida no prazer criado. Algo bem alquímico, lato sensu. Isto é Arte. Essa alquimia é Arte. E o exercício psicodramático é isso. Dor em prazer, merda em adubo, paralisia em movimento, cristalização em mudança.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Ter doença, ser doente

Ter uma doença, sentir-se doente, ser doente. Acredito não serem a mesma coisa. Ter uma doença, ter um déficit, ter uma privação qualquer, é algo da vida. Sentir-se doente, sentir-se incapacitado é algo do reino do vivenciar. Mas ser doente é um papel na vida de muitas pessoas. Um papel que se cristaliza e mantém-se cristalizado congelando o ser humano em um único personagem de um único papel. Embora, paradoxal e humanamente, ao cristalizar-se nesse papel de doente o ser humano adquire uma certa paz, uma certa tranquilidade.  Não mais será cobrado ou se cobrará enfrentar e lidar com os desafios do crescimento, da transformação ou de sua melhoria. Nada mais se espera dele, nada mais se deseja dele. Uma paz do nada, uma paz do vazio, uma paz do zero. Paradoxal e humanamente, crescer, desenvolver-se, escolher, decidir, agir, são passos e expectativas que se tornam tão pesadas que a paz niilista do ser doente torna-se atraente. Esse papel de doente talvez seja o nosso maior desafio ao lidar com alguém em psicoterapia.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Gavetas e Psicodrama

Quando vemos pessoas fazendo algo existem diferenças no seu como fazer. Há ações realizadas que atingem o seu resultado. E há outras ações que, além de atingirem seus objetivos, a sua realização é mais fluida, harmônica ou sei lá o que. Mas é diferente. Há atacantes de futebol que fazem gols. E há atacantes de futebol que fazem gols, mas o fazem de maneira e com uma qualidade diferente. Não sei definir direito isto. Mas vendo é fácil identificar formas de realização que, chegando aos seus objetivos, são mais redondos em sua operação. É como um móvel de madeira que não tem quinas agudas, a gaveta desliza sem ruído. Tudo está em seu lugar. Arte é fazer bem-feito, não só fazer. Em  Psicodrama, Teatro Espontâneo ou Sociodrama esse fazer bem-feito nitidamente diferencia uma direção de outra. E o fazer bem-feito faz as atividades psicodramáticas ou de teatro espontâneo,  como as gavetas, deslizarem melhor e que seu objetivo seja alcançado de forma mais potente e surpreendente e suave. 

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Tempo, Tempo, Tempo

"Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo".
                    Caetano Veloso, Oração ao Tempo

Tempo não é o tempo cronológico medido pelo relógio ou ampulheta, apenas. Caetano diz que ele compositor de destinos. É o tempo criador. Estamos aqui falando do tempo vivencial e não só o vivido e medido. Ao Tempo experimentado, vivenciado, Moreno chamava de Momento. Aquele instante em que se cruzam as experiências relacionais, que nunca pode ser cronometrado, apenas sentido, vivido, experimentado, vivenciado. Pediram a Einstein, um dia, para explicar mais facilmente  a sua teoria. Disse ele: Caso você sente-se ao lado de uma pessoa amada durante uma hora lhe parecerá um segundo. Mas, se você sentar-se um minuto em uma chapa quente, esse minuto lhe parecerá uma hora. O Momento é fugaz, profundo, transformador.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Psicodrama não é técnica

"Minha filosofia tem sido mal-entendida e desconsiderada em muitos círculos científicos e religiosos. Isso não me impediu de continuar e desenvolver técnicas provenientes da minha visão de como o mundo deveria ser estabelecido. É curioso o fato de que esses métodos - sociometria, psicodrama, terapia de grupo - criados para implementar uma filosofia fundamental de vida subjacente, têm sido universalmente aceitos, enquanto a filosofia é relegada aos cantos escuros das estantes e bibliotecas ou de todo esquecida."
Esse é um escrito de Moreno. E ele chama a atenção, já àquela época, que descolar o método da sua filosofia fundante é transformar o Psicodrama, em todas as suas formas, em um mero exercício de técnicas de mobilização grupal. As técnicas psicodramáticas são poderosas de per si. Elas, apenas, são nada mais do que isto: técnicas. Mas seu uso embasado na filosofia do Momento, na atitude não-interpretativa, na compreensão da teoria dos papéis, na confiança explícita no grupo, na confiança explícita no poder criativo inerente a cada pessoa, na busca do estímulo à espontaneidade e à criatividade, isto é que faz com que técnicas psicodramáticas possam ser vivenciadas como Psicodrama.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

3 D

Assistir a um filme em 3D costuma ser diferente e surpreendente. Aparecem detalhes não imaginados e inesperados, embora existentes. A vida é em 3D. A vida é, no mínimo, tridimensional. As psicoterapias verbais são como relatos em 2D. A dramatização psicodramática, o palco psicodramático, dá a terceira dimensão faltante às psicoterapias verbais. Essa dimensão faltante, é o próprio corpo presente em ação. Na ação dramatizada em um palco psicodramático toda a nossa linguagem analógica corporal está ´presente. Não apenas a linguagem verbal. O significado da palavra não é expresso tão só pela palavra em si, mas pela forma com que é dita e contexto onde é usada. Por isto, um mesmo texto teatral pode ser encenado como comédia, drama, tragédia ou farsa. O texto em si, a palavra em si, é a mesma, são as mesmas. Mas a prosódia, a entonação, o ritmo, a expressão corporal, são outros. E por serem outros, são outros os significados. O palco psicodramático, a cena psicodramática, o Psicodrama em qualquer forma, é o espaço da linguagem analógica dos corpos em ação.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

ocupar e aproveitar

Conversando com pacientes, escuto essa frase: "Preciso ocupar meu tempo. Me aposentei, estou com muito tempo livre e preciso me ocupar". Pedi a eles que delimitassem um espaço na sala. E depois pedi que o dividissem em dois. No primeiro pedi que ocupassem o espaço. Essa era a instrução. Colocaram almofadas, cadeiras, livros e foram empilhando coisas enchendo o espaço.. Quanto ao outro  pedi que aproveitassem aquele espaço. De início procuraram repetir o que haviam feito. Depois se deram conta e fizeram diferente; Um fez um jardim japonês, outro um acampamento, outro um estúdio de pintura, outro uma piscina. E aí perguntei sobre o grau de satisfação, de prazer em cada um dos espaços. Sentiram a brutal diferença: Ocupar o tempo é uma coisa,  aproveitar o tempo é outra.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Paulinho da Viola, Chico

Ouvindo um samba antigo de Paulinho da Viola, Dança da Solidão:

"Solidão é a lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão

Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você 
Na dança da solidão"

Muitas imagens me ocorrem. Mas há uma especial. Desilusão e solidão. Des-ilusão. O desfazimento de uma ilusão. Havia uma ilusão reconhecida, mas não assumida. O desvelar a ilusão é sentido e expresso como desilusão. E seguindo o poeta Paulinho da Viola, esse desvelar revela a solidão oculta, embora existente. A ilusão é que seria a forma de velar, esconder a solidão. Solidão, ilusão, desilusão, solidão. E a roda gira e gira, sem parar. E  solidão é diferente de estar só. O estar só é espacial. O sentir-se só, a solidão, é relacional, é a ausência ou fragilidade dos vínculos. Como diz Chico Buarque: “Os poetas, como os cegos, sabem ver na escuridão.”

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

quadrinhos, psicodrama...

Gosto de quadrinhos. Gosto de graphic novels, na linguagem atual. O universo fantástico me atrai. No Universo Marvel há o herói Thor. E lendo esses quadrinhos o mundo da mitologia nórdica veio a mim, mais uma vez. Nessa mitologia há referencia de trés mundos: o Asgard, mundo dos Deuses; Midgard, mundo dos seres humanos; Nilfheim, os infernos. E entre o mundo dos deuses, Asgard, e o mundo dos seres humanos, Midgard, existe uma ponte chamada Bifrost. Essa ponte, essa Bifrost, une o mundo da fantasia e o mundo da realidade. Permite o transito entre os dois mundos, dois universos. Acho uma bela alegoria do Psicodrama

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Refletindo Umberto Eco

Lendo um escrito de Umberto Eco: "Isto me parece muito instrutivo e muito poético e torna o universo da fantasia, onde para criar histórias imaginamos mundos, mais próximo do universo da realidade, onde para entender o mundo criamos histórias". Imaginação, histórias, entendimento. Esse elegante trecho traz à tona o que Moreno chamava de Brecha da fantasia e realidade. Brecha aí no sentido de fosso, algo que separa, fenda. Gap em inglês. Algo que é cavado ao longo do desenvolvimento da criança. Num primeiro momento os dois polos estão juntos e misturados. Num outro momento estão tão separados que talvez em uma mesma pessoa já não se consiga perceber (ainda que exista!) o outro lado da fenda, da brecha. O primeiro momento é a infância em seus inícios. Esse segundo momento já é o ser humano todo realidade ou o ser humano todo fantasia. O que o Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama, enfim o que a Socionomia faz, é construir uma ponte de mão dupla sobre essa fenda. That's all, folks.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Respeito é mais do que bom. É vital.

Respeito. Palavra que revela um conceito fundamental da vida em sociedade. O que nos diz a etimologia da palavra? Respeito provém do latim Re (outra vez) + spectare (olhar). Respeitar, é assim, permitir um segundo olhar. Não permanecer com apenas o primeiro olhar. Como se o primeiro olhar fosse o olhar impulsivo, o olhar inteiramente pessoal. É como se permitir um segundo olhar fosse admitir uma segunda opinião, uma outra opinião. Respeitar alguma opinião, atitude, pessoa,a própria dor, é se permitir  um segundo olhar além do olhar habitual e já conhecido. Em Psicodrama dizemos que manter-se congelado, rígido em uma visão de mundo seria uma postura, uma atitude, um olhar conservado, cristalizado. Desrespeitar, não respeitar, seria desse modo, manter uma visão cristalizada, inabalavelmente rígido e inflexível. Todo o empenho de uma dramatização leva a percepção de novos olhares sobre coisas antigas ou diferentes olhares sobre coisas novas. Admitir, experimentar um outro ou outros possíveis olhares pode, tem a possibilidade, de  descristalizar, desconstruir o não respeito favorecendo o desenvolver do respeito.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

E as cebolas?

Uma imagem de uma simples cebola. Começamos a retirar camada após camada e aproveitamos cada uma delas e as comemos. Tiramos e tiramos. Até não mais haver cebola. Ela é a superposição de inúmeras camadas. E apenas isto. Não tem um centro oculto e primordial. A cebola são as camadas. As camadas não são parte da cebola. São a cebola. Em Psicodrama, em Socionomia, Moreno diz serem os papéis a parte tangível do Eu. Tangível é aquilo que toca. Uma tangente em Geometria é a reta que toca a circunferência em um único ponto. Papéis são a parte tangível do Eu. São a parte do Eu que tocam a experiência relacional. A experiência interior é acessada pela expressão dela na relação entre papéis. Socionomia, Psicodrama, são relacionais. Ao Psicodrama interessa o que acontece entre as pessoas, diz Moreno. Uma cebola será maior ou menor pela quantidade de camadas dela. Um ser humano quanto mais papéis desenvolver se traduz numa vida relacional mais rica. Com um pequeno esforço imaginativo, visualizemos a analogia: cebola, camadas, papéis socionômicos. Psicodrama, Sociodrama, Teatro Espontâneo, Socionomia.

domingo, 22 de outubro de 2017

Gelo e água

Gelo  é água, mas também é diferente de água. Gelo é água cristalizada. Água líquida flui facilmente, sempre procura um caminho mais fácil ou possível para escorrer,  se amolda aos obstáculos, contorna-os, passa por cima, torna-se irresistível quando é bloqueada. Assim é a água em sua forma líquida. Quando se congela adquire forma, e essa forma é a do recipiente em que está. Imóvel, rígida, dura, quebradiça por isso. Assim é a água em sua forma sólida, cristalizada. Para o Psicodrama, para a Socionomia, os papéis que atuamos na vida quanto mais fluidos e flexíveis mais perto do saudável. Quanto mais rígidos, mais cristalizados, mais assemelhados ao gelo, água sólida, menos saudáveis. A Espontaneidade é fluida, é líquida, é água líquida.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Temos nosso próprio tempo

Cada tempo tem o seu próprio olhar. E em cada tempo o olhar é o olhar do presente. Quando olhamos para trás ou para frente, para o passado ou para o futuro, levamos conosco o nosso olhar do presente. Olhar o nosso passado conservando o olhar do presente é como começar a ler uma história de suspense já conhecendo o final. Todas as ações parecem ou irrelevantes ou idiotas  ou absurdas ou mágicas. O mesmo acontece ao olharmos para o futuro com olhos de  presente. Levaremos a nossa visão impedindo ou dificultando a imaginação de criar algo novo. Por isto, ao dramatizarmos, aquecemos o protagonista e os egos auxiliares a usarem sempre e sempre o tempo presente, para enraizá-los no aqui e agora. Vivendo o presente daquele tempo criado e recriado no palco, em cena. Tudo está acontecendo, não apenas aconteceu ou acontecerá. Tudo no palco é presente, o tempo presente da cena.

domingo, 15 de outubro de 2017

Palco

O palco é um de nossos instrumentos. Mas o palco é mais do que um tablado. É mais do que isto. Bem mais. E nem precisa ser um tablado. Basta um espaço delimitado. E que para todos ali presentes seja reconhecido como palco. O palco é o espaço concretizado da fantasia, o espaço da imaginação criadora. Fora do palco é o locus da realidade, do que é. Dentro do palco é o locus da realidade do como se. Assim, entrar e sair do palco equivale a transitar entre realidade e fantasia, assumindo-as duas faces da mesma moeda, a do que é e a do como se. E só assim podemos entender a potência do uso da técnica do espelho. Sair do palco onde está sendo protagonista, ir para o domínio do real e ver um ego auxiliar fazendo seu espelho, ver-se atuando na fantasia, tendo um tempo para refletir e decidir os possíveis novos caminhos ou ver-se com a visão que os outros o veem, voltar para o palco reassumindo seu papel protagônico já agora enriquecido dessa experiência. Isto é o espelho. Em outros momentos, ainda que tomado pelo aquecimento e pela espontaneidade, perceber os limites impostos pela realidade do cenário dentro da realidade suplementar da cena. Se há uma parede na construção do cenário imaginário não se pode atravessá-la impunemente. Pode-se, reconhecendo a existência da parede imaginária, transformar-se magicamente e atravessá-la então. Sair e entrar do palco é tomar a direção de sua fantasia e deixá-la fecundar a realidade e, ao mesmo tempo, deixar a realidade factual colocar limites à fantasia. É experimentar estar sempre com os pés dentro e fora, fora e dentro, podendo circular entre os dois mundos, sem cristalizar-se na esterilidade da realidade ou na impulsividade do espontaneísmo. 

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Tele, outra vez.

O grande desafio, penso eu, de quem pratica o Psicodrama é, a todo tempo estar atento ao núcleo da Socionomia Moreniana. O Homem é um ser em relação. Pensar relacionalmente não faz parte dos hábitos mentais. Geralmente nos pensamos como agentes independentes de nossa vida, sem considerar nem levar em conta como quem me relaciono. E isto no meio psicodramático ganha alguns aspectos curiosos. Por exemplo,  o conceito de TELE. Tele é relacional, algo que acontece no palco de uma relação. Na vigência de uma relação entre dois papéis pode haver um reconhecimento mútuo de sinais afetivos iguais, contrários ou indiferentes. Mas MÚTUOS. Quando isto acontece, aquele aqui agora relacional é Télico. Se porventura, esse reconhecimento não é mútuo ele é dito como uma relação Não-Télica. Com tudo isto que faz parte de nosso arsenal de conhecimentos Socionômicos, ainda assim ouvimos psicodramistas falando de tele como um atributo que alguns possuem e outros não, como alguém tendo mais ou menos tele.  Tele não é um atributo individual. Tele é um atributo de uma relação entre dois papéis.

domingo, 8 de outubro de 2017

Tele, empatia

Em Socionomia (Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama) há um conceito central que não é fácil para ser compreendido e utilizado. Tele. Essa palavra em Moreno enunciava o conceito de empatia em mão dupla. Em Fenomenologia, empatia é uma ação de procurar apreender a visão de mundo do outro colocando-se em seu lugar, sentindo (pathos) o fenômeno de dentro (em) do outro. Em Moreno, como a base, o fundamento de seu método é o Homem é um ser relacional, ele avança no conceito de empatia original acrescentando a bilateralidade do ato. O Psicodramista e o o paciente se percebem mutuamente. Esse reconhecimento Moreniano que a relação psicoterápica é de mão dupla cobrou a criação desse neologismo, TELE. Em toda relação, terapêutica ou não, temos que considerar que os envolvidos podem ter múltiplas combinações de percepções mútuas. Eu e você podemos nos perceber, amando ou odiando ou indiferente, com o mesmo sinal, a mesma visão. Isto seria uma relação Télica. Existe mutualidade nessa relação. Mas, se, alguém ama e sente que o outro o ama, mas na percepção, no sentimento do outro existe indiferença ou ódio, seria uma relação Não-Télica. Seria uma relação em que os projetos dramáticos de ambos não coincidem. É como se fossem dois atores em um mesmo palco, em que um atua uma tragédia e o outro uma comédia. Em uma relação Télica os dois atuam no mesmo palco, ou atuando na mesma peça ou reconhecendo que apenas dividem o palco, mas não estão na mesma peça, ou estão na mesma peça como inimigos ou indiferentes. Tele representaria, a grosso modo, a honestidade e transparência das relações.  Utópico? Possível?

terça-feira, 3 de outubro de 2017

amador, profissional

Andei pensando sobre amador e profissional. Em geral, o consenso é que profissional é aquele que cobra remuneração e amador o que faz por amor à arte. Curioso. É como se fossem coisas antípodas, impossíveis de conviver na mesma pessoa. Como ao se profissionalizar já não mais importasse amar o que se faz. Não é assim que penso. Profissional, para mim, é quem professa um compromisso de atendimento. Qualquer que seja ele. Compromisso ético. Isto é um profissional. E para se ter um compromisso ético com a atividade realizada penso ser fundamental ter amor à sua arte. Um profissional pleno é um amador de sua atividade. A remuneração de um vero profissional não é necessariamente grana: a estética do bem feito é que é o seu verdadeiro pagamento.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

O corpo no Psicodrama

Voltando à Autobiografia de um gênio, Moreno diz no prefácio:
"Alguns postulados para um ego criativo…(2) as ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato – qualquer que seja o meio – primeiro na forma bruta e espontânea em que elas apareçam. Em seguida, os estilhaços do momento devem ser recolhidos e feitos novamente, maiores e maiores a cada vez, reforçados por experiências espontâneas. Não deixe que a próxima vez saiba demais sobre as vezes anteriores. Cuidado com as conservas culturais". 
Agora vamos pensar sobre o período inicial. Ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato. A posição vigente em toda psicoterapia à época de Moreno, e ainda hoje, era, e é, que toda manifestação física, toda ação, era, e é, vista como uma "atuação". Tradução (má) do "acting out", expressão Moreniana. O que seria "atuar"? Seria expressar por meio de ações o conflito mobilizado pela psicoterapia. Para Moreno, para o Psicodrama, o que sempre se fez e continuaria se fazer, era "acting in". Toda ação era interna, expressa apenas verbalmente. Quando o neologismo "acting out" foi usado por Moreno era para dar sentido à proposta psicodramática. "Acting out" (atuar para fora, numa tradução simplória) para o Psicodrama, para Moreno, é criar condições para que o corpo esteja presente em todas as suas nuances no setting terapêutico. Ou dito nas palavras de Moreno: as ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato. E não apenas verbalizadas. O ser humano em suas relações está presente verdadeiramente em corpo, sangue e pensamento. Todas as nossas relações, atitudes, ações são encarnadas em um corpo. E esse corpo está presente sempre no Psicodrama. Expressando suas ideias, afetos, conflitos, em todas as suas nuances no espaço terapêutico.

sábado, 23 de setembro de 2017

Sim, mas não demais.

Em sua Autobiografia de um gênio, Moreno diz no prefácio:
"Alguns postulados para um ego criativo…(2) as ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato – qualquer que seja o meio – primeiro na forma bruta e espontânea em que elas apareçam. Em seguida, os estilhaços do momento devem ser recolhidos e feitos novamente, maiores e maiores a cada vez, reforçados por experiências espontâneas. NÃO DEIXE QUE A PRÓXIMA VEZ SAIBA DEMAIS SOBRE AS VEZES ANTERIORES. Cuidado com as conservas culturais." Sobre esse texto há muito o que pensar. Começando, nesse post, pelo fim. Cuidado com as conservas culturais. No dia a dia do psicodramista, frequentemente, ouvimos as pessoas referirem-se às conservas culturais de forma algo pejorativa. E o que são conservas culturais? O análogo às conservas alimentares. Algo preservado da ação do tempo, algo imutável, algo que sempre permanece o mesmo. Essa é a vantagem das conservas. E sua possível desvantagem. Nas conservas alimentares o objetivo, o desejo, aquilo que se quer, é que seja sim mesmo. Que daqui a um ano ela esteja preservada, igual a um ano antes. Moreno usou essa analogia das conservas alimentares para referir-se aos produtos da cultura. Eles são necessariamente conservados para fazer existir uma corrente contínua das conquistas e avanços culturais. Portanto, espera-se que algo seja preservado da ação do tempo. Mas também é seu risco. Precisa ser mantido, mas precisa estar aberto à mudança e alteração. De um lado espera-se que o tempo nada altere. E de outro lado, deseja-se que algumas coisas mudem. Por isto, Moreno alerta com a palavra cuidado. Toda ação psicodramática tem um eixo norteador: aquecimento, dramatização e compartilhamento/processamento. É a nossa conserva cultural, central ao nosso método. Mas, cuidado. Essa sequência existe e se conserva porque tem uma lógica. O aquecimento é vital para o desenrolar de qualquer atividade psicodramática. Seja ela psicodrama, sociodrama, teatro espontâneo ou axiodrama. Tenha natureza clínica,pedagógica ou lúdica. Entretanto, onde está o cuidado cobrado por Moreno? está expresso na frase anterior da citação: NÃO DEIXE QUE A PRÓXIMA VEZ SAIBA DEMAIS SOBRE AS VEZES ANTERIORES. Todo início é sempre um começo. Entrar em um grupo, ainda que conhecido, é sempre um começo. Sua configuração, suas relações, seu momento, sua história, nunca é igual à vez anterior. Repetir o já conhecido (conserva) num momento diferente é caminho certo para que o trabalho não se desenvolva. Moreno usa a palavra demais. Ou seja, claro que o que já sei sobre aquele grupo é importante para mim. Mas não que seja a ponto de congelar a minha espontaneidade criativa. E permita ler o presente não com olhos conservados  do passado, mas com olhos de presente.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Sujeito de, sujeito a

As preposições são engraçadas. Se não prestarmos atenção a elas. Há, também, uma palavra curiosa na língua portuguesa. Sujeito. O substantivo sujeito é o agente da oração. é o dono da história. O adjetivo sujeito é aquele que está entregue a, submetido a, condicionado a. E isso está expresso com as preposições. a regência da palavra.  Sujeito de. Sujeito a. Todo processo psicoterápico, o Psicodrama em particular, visa a substituição do Sujeito a pelo Sujeito de. Quando alguém procura psicoterapia ele está sujeito à sua vida, sujeito à sua história, sentindo-se vítima de um destino, submetido a um domínio. Todo objetivo psicoterápico, no Psicodrama fundamentalmente, destina-se a ajudá-lo a transformar-se  em Sujeito de sua vida, Sujeito de sua História, escolhendo como agente o direcionamento e o curso de sua vida.

sábado, 16 de setembro de 2017

Resgate e afogamento

Há coisas que sempre me intrigaram. Uma delas é a diferença entre entre segurança e insegurança. E aí faço um jogo de palavras: A pessoa segura pode se sentir insegura. A pessoa insegura não pode se sentir insegura. Uma pessoa qualquer sente-se segura em seu papel quando a falha, o erro, o equivoco, o engano, o esquecimento, não o destrói. A pessoa sente-se insegura em seus papéis quando não fazer o certo, o errar, o esquecer, o falhar, o equivocar-se, são vividos como destrutivos.
A desconstrução dessa obrigatoriedade ao acerto, a desconstrução da obrigação de saber-se de antemão a resposta correta, a desconstrução do medo destrutivo ao erro. Tudo isto é matéria efetiva do Psicodrama/Teatro Espontâneo: Resgatar a Espontaneidade afogada no mar do medo, da obrigação irreversível, da rigidez do certo e do correto.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Psicodrama: Um e vários ponto(s) de vista

Lá nos idos do 2º grau aprendi em Física algo chamado Paralaxe. Trata-se da mudança de perspectiva entre figura e fundo pela mudança de posição do observador. Algo que ocorre quando olhamos o dedo indicador com apenas um olho aberto e depois alternamos o fechamento dos olhos. Esta mudança de posição relativa entre dedo e o fundo é a Paralaxe. E o que tem de análogo com o Psicodrama? Aqui quando reencenamos uma história, quando experimentamos outro final para ela, quando fazemos um espelho, duplo, inversão de papeis, quando usamos todos estes instrumentos de trabalho psicodramático, sempre o fazemos com o objetivo de permitir ao observador participante (grupo e/ou indivíduo) uma ou várias outras miradas novas da mesma cena. Isto é o que se torna o verdadeiro instrumento terapêutico do Psicodrama: a possibilidade de que o grupo e/ou indivíduo possa sair da visão única, cristalizada (talvez até patologizada) que até então acontecia para um horizonte de outras formas de ver. Sim, fazer Psicodrama é ajudar a construir múltiplos pontos de vista, é descongelar a visão de mundo. É fazer um movimento de Paralaxe existencial em que, sem que nada mude na superfície, algo se altere profundamente.



sábado, 9 de setembro de 2017

Fernando Pessoa e Teatro Espontâneo

Em “Autopsicografia” diz Pessoa: "O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem. Não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm.” Os participantes, quando não aquecidos, não envolvidos, sentem apenas a que eles não tem. O Protagonista finge (dramatiza) a dor que ele tem e estas são as suas duas dores: a sentida e a dramatizada.
Em um apontamento de Fernando Pessoa, por ele atribuído a Ricardo Reis, ele diz que Poesia não é um derramamento de emoção, mas sim a emoção submetida à disciplina do ritmo e da métrica. Em outro poema - Isto – ele diz: “Dizem que finjo e minto tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração”. Não vejo melhor definição de Teatro Espontâneo. O protagonista sente com a imaginação e tem sua emoção sob a disciplina do ritmo e da estética. Este é o antídoto do espontaneísmo e da impulsividade histriônica.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Imaginação no passado?

Imaginar o futuro e imaginar o passado. A nossa memória não é um mero depósito de coisas passadas. A cada vez que acesso uma lembrança ela é modificada, interferida pelo que acontece no momento da rememoração. Por ser a nossa memória algo dinâmico e não estático, é possível pensarmos em imaginar o passado. Criar imagens sobre o passado tal como criamos imagens sobre o futuro. Imaginar o passado, imaginar o futuro. As cenas psicodramáticas podem antecipar um futuro ainda não existente, como podem imaginar um passado diferente do que aconteceu. Moreno dizia que "a segunda vez liberta a primeira". Na segunda vez dramatizada as intervenções realizadas na cena serão realocadas na memória com essas modificações ou novos pontos de vista. Imaginar o futuro, imaginar o passado.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Autoridade?

Força é autoridade? Alguém tem autoridade? A autoridade pertence a alguém? Ou será a autoridade e o respeito algo dado pelo seu papel complementar? Um pai tem autoridade sobre o filho ou o filho dá autoridade ao pai? Reconhece a autoridade de seu papel complementar? Um chefe tem autoridade ou são seus subordinados que lhe emprestam autoridade? Não se pode impor autoridade ou respeito. Pode-se impor a força. A autoridade e o respeito não são pertencentes a quem pensa que os têm. A autoridade e o respeito são reconhecimento do outro sobre mim. Não são meus. Eu posso construir as pontes para que o outro me reconheça como autoridade e me tenha respeito. Mas o poder final concedente é o outro. 

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Ufa!!!


Pensando sobre o que Moreno escreveu. Ele retoma um conceito que sempre pertenceu ao teatro e depois à sociologia. o conceito de papéis. Em teatro, nas artes cênicas, o papel (role, em inglês), o personagem (character, em inglês) nem sempre têm definições claras. Mas, talvez forçando a barra um pouco e trazendo para a nossa realidade psicodramática, simplifique assim: Personagem é o ser encarnado pelo ator. Papel é a sua maneira de proceder, atos que ele pratica, sua função no enredo. Como tal, o mesmo personagem poderia ter alguns papéis diferentes. O personagem Fulano, com sua história pessoal, pode desempenhar papéis de pai, namorado, ciumento, patrão, empregado ou outros. Pode ser o papel de antagonista, aquele que enfrenta o protagonista, pode ser o próprio protagonista. pode ser o papel de coadjuvante. E em nosso campo, o Psicodrama/Sociodrama/Teatro Espontâneo? Para Moreno,o papel seria algo continuamente dinâmico, resultado da interação de cada pessoa com outro ser, humano ou não. O que Moreno avança e surpreende. é trazer que papel é sempre relacional. E traz em si sempre e sempre, duas dimensões. Uma convexa,voltada para fora, objetiva,  social, prescrita socialmente. Outra concava, voltada para dentro, subjetiva, pertencente à nossa história pessoal. Toda a historia social está presente em cada história pessoal. Em toda relação estabelecida, ela se dá por meio de papéis. Ou seja, cada personagem da relação complementa o papel do outro personagem. Ou não complementa, personagens falando textos de peças diferentes no mesmo palco. É impossível ser professor se não há o papel de estudante o complementando. E vice-versa, um estudante , o papel de estudante se constitui existindo alguém que esteja no papel de professor. Um complementa o outro. Um constitui o outro. Um cria o outro. Mas Moreno insistia em que esse jogo de papéis (veja o item do blog em que escrevo sobre a palavra play) era dinâmico. Todo o tempo os papéis podem intercambiar entre os personagens. A todo instante estamos entrando e saindo de papéis. Quanto mais relações, vínculos, estabelecemos, mais papéis podemos desempenhar. Quanto menos vínculos, menos papéis, mais pobre é o personagem. E ele era enfático nisso. E esquecemos isso. O personagem atua em papéis, os papéis sempre são um concavo/convexo. O convexo é social. O concavo é subjetivo. Fazemos Psicodrama, quando a dimensão subjetiva do personagem é privilegiada. Fazemos Sociodrama, quando a dimensão social de cada papel é enfatizada. fazemos Teatro Espontâneo quando fazemos isso de forma ludicamente transformadora.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Qual o antônimo, finalmente?

Pensando com meus botões, veio a mente uma conversa que ouvi durante um encontro de Sociodrama. A questão sempre em tela era o sentimento de impotência expressado por inúmeras pessoas. E eu, dialogando comigo, disse-me: "Qual é o antônimo de impotência?". A todos a quem fiz essa pergunta de todos escutei essa resposta: "potência". E disse-me então: "não é potência o antônimo de impotência. O antônimo de Impotência é Onipotência". A Onipotência é uma exigência de tudo saber, tudo fazer, de tudo ser responsável, de tudo ter que dar conta. Como isto é atributo divino e não humano, o resultado de uma busca onipotente é um achado de impotência. Reconhecer, perceber, aceitar, a existência de limites para nós em todos os papéis é sair do personagem messiânico, pura e nítida expressão do sentimento onipotente. Nós, do Psicodrama, Sociodrama, Teatro Espontâneo, da Socionomia, enfim, precisamos desenvolver, sim, a nossa Potência de ação, reconhecendo alcance, limite, avançando sempre que puder. Potência, apenas e tão somente, Potência.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

a lebre e a tartaruga

Será procurar e achar verbos e ações equivalentes? Haverá pessoas que procuram e outras que acham? Haverá situações em que procurar poderia ser substituído pelo achar? "Uma tartaruga sabe, mais do que a lebre, falar da estrada". Um provérbio chinês (esse é mesmo chinês). A lebre sai do ponto de saída e vai direto e rápido ao ponto de chegada. A tartaruga olha as margens da estrada. A lebre procura, busca. A tartaruga acha, encontra. A lebre sabe para onde vai, seu olhar está preso na linha de chegada. A tartaruga pode olhar em volta, pode olhar coisas diferentes antes da chegada. Quem procura tem muito claro o que quer, quem acha valoriza coisas que nem sabia que existia. Quanto mais rígida é a nossa forma de desempenhar nossos papéis, quanto mais cristalizado ele está, mais se parece com a lebre. Tal como a lebre se, porventura, a linha de chegada se deslocar, lá não estiver, for diferente do que supunha, do que imaginava, o caos se instala, a angústia aparece avassaladora, o desespero se torna dominante. Quanto mais nosso desempenho de papéis se torna flexível, espontaneamente flexível, mais se parece à tartaruga. E, como a tartaruga, a Espontaneidade possibilita que se enxergue coisas à margem da estrada. E, talvez, essas coisas possam se tornar o objetivo não buscado, mas encontrado.

domingo, 13 de agosto de 2017

Dia do papel de pai

Feliz Dia do papel de pai. O papel de pai inclui o papel biológico de doador de metade da contribuição genética da futura criança. Mas não se esgota nisso. Nem inclui apenas o patrimônio XY. Nem apenas a relação de consanguinidade. Ser pai é desempenhar a função, simultaneamente, protetora e estimuladora. Criativo no explorar novos mundos e conservador para preservar a continuidade. Gerador de confiança e primeiro desafio a ser enfrentado. Parceiro e mestre e aprendiz. Rigor e compreensão. Pode-se ser pai sem pai se ser. Pode-se desempenhar o papel de pai sem ter tido ou sido pai na expressão biológica. É possível, sim, ser pai de gente, de animais, plantas e coisas. Feliz dia daqueles que, em qualquer circunstancia, são tudo isso. E tudo isso suportado pelo amor incondicional.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O presente e o vivenciar

O que é reviver? O que seria presentificar uma imagem do passado ou uma imagem do futuro? Todas essas duas imagens tem um ponto em comum: seu presente é onde seu corpo está. O corpo é o que nos ancora no presente enquanto as imagens correm do passado ao futuro. Mas vividas no presente. O vivido é sentido. Aquilo vivido e percebido quando sentido é o vivenciado. Então, de nosso passado ao nosso futuro, vivenciamos todas essas imagens no presente. Seja no Teatro Espontâneo ou seja no Psicodrama ancorar-se no presente liberta a espontaneidade para encontrar novas ou diferentes expressões dessas imagens remontadas do passado ou antecipadas do futuro.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

A propósito de Barcelona e PSG

O que se faz com mais dinheiro? E o que se faz com muito mais dinheiro? E com muitíssimo mais dinheiro? À primeira questão todos talvez tenham já uma resposta pronta. E se depois perguntarmos a segunda e terceira questões? Provavelmente a maioria das pessoas teria dificuldade de ser explícita. Com mais dinheiro a vida pode ter uma mudança significativa. Com muito mais dinheiro o que se acresceria já não seria tão importante. Seria mais do mesmo, ou muitíssimo mais do mesmo. Se com mais dinheiro aparece uma casa nova, com muito mais dinheiro continuará sendo uma casa, mas muito maior. E com muitíssimo mais dinheiro? Um palácio, trés palácios, pias de ouro, jatos maiores e maiores. Essa é a diferença entre uma ambição de melhoria e a ostentação desmedida. Simplesmente , mais e muito mais dinheiro não faz mudanças significativas de ordem material. Mas na ordem da afetividade, sim. Na ordem das relações, sim. Traz mudanças e, provavelmente, mudanças não construtivas e, até, destrutivas. Algo de muito importante se perde. Mas, como não se sabe que perdeu, talvez nunca houvesse tido.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

poltrona e bicicleta

Em Física há diferença entre o equilíbrio estático e o dinâmico. O primeiro é fruto da imobilidade, da estabilidade. O segundo é construído pelo ritmo. Exemplo do equilíbrio estático é uma poltrona. Ela mantém sua posição quase indefinidamente. Está complemente equilibrada e imóvel e estável. Exemplo do equilíbrio dinâmico é uma bicicleta rodando. Movimenta-se, desloca-se, graças ao ritmo das pedaladas e o constante realinhar do corpo sobre o selim. Uma poltrona é duradoura, confiável em sua quase eternidade. Mas só está lá. De lá não sai. Uma bicicleta rodando é móvel, ágil. Mas tem seu risco de queda. O preço da estabilidade da poltrona é a imobilidade. O preço de andar de bicicleta é cair. Segurança e liberdade guardam as mesmas diferenças. Têm seus ganhos e têm seus preços. A escolha é humana.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Desconstruindo...

Desconstruir está sempre presente em toda atividade Socionômica (Psicodrama, Teatro Espontâneo, Socionomia). O que se desconstrói? A conserva cultural. Dito de outra maneira, aquilo que alguém já se habituou a sentir, pensar ou agir. Seja a dor ou alegria, o conceito ou o preconceito, a fé ou a crença. A intenção de balançar as raízes cristalizadas, de propor o acréscimo de um novo olhar, de um novo pensar, de um novo agir. De somar àquilo que já se conhece ou se pensa conhecer o risco de um "por que não?" O risco da experiencia, do experimentar antes de recusar. Quando Moreno diz que "a segunda vez liberta a primeira" mostra, poeticamente, isso. A possibilidade de experimentar um novo sentir ou pensar ou agir liberta ou abre o caminho para livrar-se do congelamento, da cristalização, da imobilidade das memórias  e das intenções.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Segurança, insegurança

Uma dupla, segurança versus insegurança, em que a escolha parece óbvia. Só parece. O que chamamos de segurança? Damos esse nome à ideia de que estamos corretos, que a escolha é acertada, que sabemos exatamente como fazer, à fixidez, enfim. Chamamos de insegurança à indecisão, hesitação, à mudança de planos, à troca de objetivos, à incerteza. Enfim. Buscamos aflitos a certeza, a inalterabilidade, a imobilidade. Corremos às léguas da incerteza, da mutabilidade, da mobilidade. Até na linguagem comum fazemos essa enorme diferença. Quem troca de posições ou ideias é vira-casaca, traíra. Quem desiste de algo é fraco, fracassado. Quem muda seu querer é volúvel. Tudo é para sempre. Tudo tem que ser previsível. "Procurou, agora aguente!". "Quem pariu Mateus que o embalance!". Tudo linear, tudo irreversível, tudo unidirecional, tudo sempre em frente. "Quem não avança, fracassa!". Então, se pensarmos diferente? Se considerarmos que mais do que a certeza, mais do que a segurança, mais do que a solidez, mais do que a fixidez, buscarmos a flexibilidade, o aprendizado dos planos B, a confiança no método, no conhecimento adquirido, o exercício da redefinição, a reflexão contínua sobre o caminho escolhido, a abertura da possibilidade de deixar de fazer o que se está fazendo sem pensar na palavra fracasso ou desistência. Segurança é irreal no nosso Universo, físico, afetivo e relacional. Diz o mestre Chico Buarque, em Beatriz: "Para sempre é sempre por um triz".

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Plateia, público

Plateia e Público não são sinônimos. Plateia, em grego, significa praça., com tudo o que acontece de interação entre pessoas numa praça.. Público é o que é feito diante de outras pessoas, assistência, auditório. Dos dois conceitos,  um, a plateia, pressupõe a interatividade. O outro, o público, pressupõe a mera assistência, a passividade de um auditório diante de um evento qualquer. Plateia = interação. Público = assistência passiva. A alquimia que promove a transformação de um público passivo numa plateia interativa chama-se, em Psicodrama e Teatro Espontâneo, de aquecimento (warming-up, caldeamento). Essa alquimia é fundamental, vital, para a nossa atividade. Do chumbo do público ao ouro da plateia. A dramatização só pode ocorrer, só é possível, numa plateia. Jamais num público. Ao condutor/diretor de Psicodrama e Teatro Espontâneo cabe  ter claro que poupar tempo e investimento no aquecimento gera o fracasso da dramatização. Esse é o coração do Psicodrama/TE.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Reinventando a roda

Já escutei muito essa expressão: "Não vamos reinventar a roda". Se já existe uma saída conhecida por que procurar outra solução? A roda está aí. Esse contínuo e imutável uso de conceitos, desempenhos, instrumentos, obras de arte; essas tantas rodas já inventadas e, portanto, inquestionáveis; a isso tudo Moreno chamou de Conservas Culturais. " A Mona Lisa é o maior quadro do mundo". Pronto. "Viver é sofrer". Pronto. "Quem não trabalha é vagabundo". "Se não parar vou falar com seu pai". Pronto. "Homem não chora". Pronto. "Guimarães Rosa é o maior escritor brasileiro". Pronto. "Isto é coisa de homem, isto é coisa de mulher". Pronto. Uma conserva culinária é conserva porque o conteúdo é conservado, não se alterará. Muito útil e necessário. A conserva cria e mantém a cultura. Mas também traz a imobilidade e inflexibilidade. "O que houve é o mesmo que há de ser". Para a tal inflexibilidade, rigidez, é que o Psicodrama estimula a espontaneidade e criatividade para reinventar a roda. O inalterável pode ser mudado. A conserva precisa existir para haver a rotina de vida, mas em relação ao desempenho de papéis abre o Psicodrama o lampejo do Role-Creating, criação no papel. Podemos criar a nossa forma de atuar o papel, quaisquer que sejam eles. O olhar pode ser descristalizado, desconservado, permitindo uma nova forma de ver. Reinventar a roda. Sem deixar de ser roda, ela também pode ser mesa.

domingo, 9 de julho de 2017

Condutor

Por que condutor, por que não apenas diretor? Conductor, em inglês, é maestro. Condutor em português pode ser o condutor de ônibus, de veículo qualquer. No primeiro sentido, maestro, acentua-se a função de harmonizar instrumentos diferentes, de diferentes sonoridades. De fazê-los produzir algo juntos. Sem perder sua sonoridade essencial usá-la a serviço da obra conjunta. No segundo sentido, motorista, mostra a função diretiva em si, de escolher caminhos, velocidades, pontos de paradas, respeito à sinalizações externas. Em Psicodrama e tudo o que se relaciona com ele, penso ser a palavra Condutor mais completa e menos autoritária do que diretor.

sábado, 8 de julho de 2017

Além, muito além

Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte...". Por acaso, reli esse trecho inicial de Iracema, obra de José de Alencar. E esse treco, pequeno trecho me remeteu ao Psicodrama. Moreno, criador do Psicodrama, e Zerka, grande renovadora do Psicodrama, tinham pontos de vista, posturas, atitudes, que não são fáceis de entender e muito menos de atuá-las. Talvez por isto, certamente por isto, fazer Psicodrama e tudo relacionado a ele, não é apenas aprender uma técnica ou várias técnicas. Não é só um saber a ser aprendido. Além, muito além disto, é ter como fundamento a ideia que todos podem ser agentes da própria mudança. É ter como fundamento ser o grupo senhor de seu destino, sendo o condutor/diretor um organizador, um iluminador de cenas, um estimulador de novas aventuras. É ter como fundamento o respeito integral a tudo o que aconteça no e com o grupo. É ter como fundamento ser ele, o condutor, um sensor do clima do grupo, por estar em papel diferenciado, sendo simultaneamente o diretor e membro do grupo. É ter como fundamento ser o aqui e agora o tempo e espaço do Psicodrama, mantendo todo o tempo o protagonista e o grupo nesse aqui e agora, palco da vida. É isto: Além muito além das técnicas psicodramáticas que ainda azulam no horizonte.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Delicadeza

Conta-se que um antigo governador da Bahia, na década de 40, Octávio Magabeira, ao sair do cargo, recebeu como parabéns pelo seu desempenho essa frase dita por um baiano: "O Senhor governou a Bahia com  delicadeza". Dirigir um grupo em qualquer circunstância (Teatro Espontâneo, Psicodrama, Sociodrama) exige isto do seu condutor: Delicadeza. E delicadeza não é frouxidão ou lerdeza. A delicadeza é o exercício da firmeza com mão leve. Leveza no olhar, ternura no conduzir, amorosidade no acolher, segurança no agir. Isto é dirigir em Psicodrama/Teatro Espontâneo.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

A armadura e o canastrão

O muro nos protege e nos limita. Armaduras medievais: tornaram-se cada vez mais pesadas e rígidas. Aumentaram a proteção e criaram um problema. Ao cair do cavalo  o cavaleiro tornava-se indefeso, qual uma tartaruga virada de costas. Sua incapacidade de se mexer o tornava presa fácil para o inimigo matá-lo a punhal. Entre o capacete e a armadura a garganta ficava exposta. Um muro protege para o inimigo ão entrar. Uma vez dentro o muro impede o auxilio e a fuga. Tal qual os papéis cristalizados. São úteis para a sobrevivência, porém imobilizam e dificultam o crescimento. Os canastrões de TV, Teatro ou cinema são exemplos de papéis cristalizados. Os atores canastrões são sempre os mesmos em qualquer personagem. São facilmente reconhecidos como sempre fazendo seu próprio  papel. Os vínculos medeiam as relações entre papéis. O desempenho cristalizado de um papel é como o de um ator canastrão: é sempre o mesmo. Não se adéqua à cena. Não deixa de ser mais fácil assumir a cristalização por não exigir o contínuo realinhamento em relação ao seu papel complementar. Mas, como canastrão, não transmite veracidade, não estabelece uma relação verdadeira. Protege, pode ser mais fácil, mas limita, apequena, reduz, impede o desenvolvimento do potencial das relações humanas.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Paralisias, impulsividades...

A angústia ou nos paralisa ou nos precipita num ação impulsiva. Essa polaridade de um mesmo estado afetivo pode ser melhor visto pelo Psicodrama (Teatro Espontâneo). De um lado, a espontaneidade, sendo a disponibilidade, a ausência de restrições prévias ou autorestrições, o estar pronto e aberto a tudo. E a outra face da moeda, a criatividade, a potencia de agir, de realizar a melhor ação possível, a mais adequada à circunstancia, a mais produtiva e fértil. Então, a paralisia e impulsividade, expressões da angústia, são, essencialmente, pouco ou nenhum desenvolvimento do par espontâneo criativo. Mas esse par, espontaneidade/criatividade, não é viver em um mundo ilusório, onírico ou fantasioso. Não é pairar acima das dores humanas. É, exatamente, o oposto, o contrário. É, diante de todos os entraves, das pedras pelo caminho, poder (espontaneidade) ter um repertório de respostas amplo e profundo e diversificado. E poder (criatividade) atuar aquela ou aquelas que melhor promovem sua vitalidade relacional, em seus múltiplos papéis. É reconhecer a merda e poder fazer dela adubo para a próxima ação. Sem ficar a reclamar do cheiro nem jogá-la no primeiro alvo que veja.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Método?

Método em grego significa por meio de (meth), caminho (hodos). Significa um caminho definido por meio do qual se chega a um objetivo. O Psicodrama (Socionomia) é um método de apreensão do mundo. Do mundo como um todo. Não apenas como psicoterapia. O próprio Moreno dizia que usar o Psicodrama apenas como psicoterapia seria como usar um avião para ir à esquina comprar algo. Então, mais, muito mais do que usar-se técnicas psicodramáticas, o Psicodrama necessita de uma visão de mundo, de uma filosofia. Apenas como usuário de técnicas psicodramáticas, essas podem a tudo servir. A ideia fundamental do Psicodrama, do ser humano como um ser em relação, ultrapassa a ação psicoterápica. Torna-se uma forma de viver a vida em seus vínculos. O conceito de papel como uma relação vincular em que os dois membros da equação (papéis complementares) se constituem mutuamente coloca-nos a responsabilidade da construção de nossas redes de vínculos. O conceito fenomenológico de tomar a realidade como ela se apresenta sem pressuposições; a ideia de todos terem, em potencial, a possibilidade de transformação; de reconhecer a imobilidade e fixidez como não criativos; de fazer da espontaneidade/flexibilidade a condição para uma vida saudável; de perceber que, em todos os papéis, há tempo de aprendizado, desenvolvimento e criação; que os papéis têm tempos de maturação diferentes. Psicodrama,Socionomia, é muito mais do que um método de tratamento. É uma forma peculiar de vivenciar as relações humanas.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Pai

Papel de pai. Suporte, ajuda, ombro, presença, distância próxima, proximidade distante, dor contida, dor expressa, alegria compartida, respeito. 

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Desenhos, séries, gente

"Não sou tão bom quanto gostaria de ser". "Se não puder ser ótimo não vale a pena ser bom". "Ficar doente é ser fraco". Olhando os desenhos animados, séries, filmes, vemos que os personagens mantêm suas características, pelas quais são reconhecidos, ao longo do tempo, das décadas. Pica-Pau, Popeye, Joey (Friends), Sheldon (Big Bang). Em qualquer que haja sido o tempo em que foi produzido, mesmo com diferenças de anos, nós os reconhecemos. O seu agir, suas ações são sempre as mesmas. Seres humanos reais e concretos se tiverem ao longo de suas vidas essa rigidez, fixidez, de ações e respostas, dos personagens citados, são para o Psicodrama papéis conservados, cristalizados. A essência da vitalidade relacional é a flexibilidade, adaptabilidade, fluidez. Para Moreno, criador do Psicodrama e Teatro Espontâneo, a patologia central geradora de outros problemas é a rigidez, a fixidez, a inflexibilidade, traduzida como falta de Espontaneidade e Criatividade. A definição moreniana para essa dupla é a capacidade de dar uma resposta nova a um problema antigo ou uma resposta adequada a um problema novo. Os personagens de desenhos, séries, filmes, são previsíveis, cristalizados. Não são espontâneos.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Senso de história

O senso de história existe desde sempre. Toda criança tem o ouvido atento para o ritmo de algo contado. Para ser história há que ter uma apresentação dos personagens, um problema, um clímax e uma finalização. Pode ser curta ou longa. Mas, qualquer criança cobra daquele que está contando algo: "Já terminou? E o final? História chata. O que a criança ou qualquer ouvinte percebe e cobra? Isto é o senso de história. Começo, desenrolar, clímax e final. Seja no Teatro Espontâneo, seja no TE aplicado à clínica que é o Psicodrama, trata-se sempre de história. História acontecida, história inventada. Só é possível dramatizar histórias. Histórias que se tornam cenas. Um simples estado de alma, um sentimento não é história, não dá para dramatizar. Um estado de espírito, um sentimento, devem ser localizado em uma cena. Uma cena que tenha esse sentimento/afeto como fundo. Dramatização = Ação de dramatizar. Precisamos transformar adjetivos em verbos de ação. Isto gera história. Histórias que se transformam em cenas dramatizadas. E isto é Teatro Espontâneo, Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama. 

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Apenas bobagens

Bobagens, apenas bobagens. Puras bobagens. Numa sessão aberta de Psicodrama e/ou Teatro Espontâneo, num grupo com pessoas de 67 anos a 23 anos, todo o tempo foi uma revisitação à bobagens da infância, adolescência. Power Rangers, A Hard's Days Night, Sydney Sheldon, de repente 30, Caverna do Dragão, Sgt. Peppers, Belchior, Trés espiãs demais, O Patinho Feio, Beatles e Caetano Veloso, O lagarto na Barra, profecias infantis, igrejas, sonhos, medos, mais Belchior, liberdade, coragem de sair, coragem de voltar. E um conselho onírico: Vá viver! Puras, puras bobagens! Benditas e maravilhosas bobagens.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Diretor, membro grupal

Moreno, criador do Teatro Espontâneo, Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama, dizia em um momento: "O Diretor é um membro do grupo em papel diferenciado". Olhemos com cuidado. A primeira parte da expressão diz ser o Diretor um membro do grupo. Sendo um membro do grupo, tudo o que acontece naquele grupo, sentimentos e ações, também o atingem, o afetam, o mobilizam. Perpassa por ele, ele é atravessado por todos os acontecimentos grupais. Mas, e esse mas é fundamental, Moreno acrescenta um limitador: "em papel diferenciado". Indiferenciação, diferenciação no papel. E o que é isto? estar diferenciado em um papel é a percepção constante desse atravessamento grupal, dessa mobilização, dessa afetação, dentro de um vínculo. Estar indiferenciado é agir movido pela impulsividade, pela reatividade. Assim, o Diretor em Teatro Espontâneo, Psicodrama, Sociodrama, é solicitado em sentidos distintos. De um lado, por ser membro do grupo, sentir, deixar-se atravessar pelas ocorrências grupais, ser uma verdadeira antena grupal. Mas, por ter que estar diferenciado em seu papel, tem que ter essa nítida percepção do que acontece em si como parte do grupo e quando for intervir, fazê-lo dirigido pela necessidade da cena, não pela reação espontânea de um membro grupal apenas. Todo o trabalho em nossa área Socionômica visa estimular, desenvolver, ajudar a criar, a espontaneidade de todo e cada membro do grupal. Entretanto, o Diretor de Psicodrama ou Teatro Espontâneo desenvolve sua espontaneidade, mas quando está em seu papel, essa espontaneidade tem que ser a necessária para aquela cena, aquele momento grupal. A nossa  Espontaneidade como Diretor é funcional. O membro grupal pode agir de qualquer forma, mas o Diretor, por estar diferenciado em seu papel, atua não em benefício de si, mas do desenvolvimento da cena grupal.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Ignorância

Ignorar é desconhecer, não saber algo, desconsiderar. Quando falamos de algo relacionado a conhecimento, essa ignorância é da esfera cognitiva. Mas, nas definições dicionarizadas, aparece, também, desconsiderar. Desconsiderar é não considerar. E considerar é fazer caso de, respeitar, observar, atentar. Portanto, desconsiderar, ignorar, desrespeitar, não observar, não atentar, não fazer caso de, são sinônimos. Do ponto de vista relacional, há uma ignorância do outro, um não fazer caso do outro, não respeitar o outro, não atentar ao outro. Essa ignorância relacional é o foco das ações Socionômicas, seja Psicodrama, seja Sociodrama, seja Axiodrama. No Teatro Espontâneo esse foco aparece não como um objetivo, como é nas outras ações, mas no próprio mecanismo de construção coletiva de uma história grupal, na absoluta necessidade para o desenrolar da cena da plena atenção ao outro, na total consideração do outro, no respeito completo à atuação do outro. Todas as criações Morenianas são lastreadas na ideia de que todos ser humano se constitui em sua relação com os outros, vinculados em múltiplos papéis.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Honestidade

Pensava sobre desonestidade, honestidade. Em todas as definições dicionarizadas aparecem como significado honradez, sinceridade, pudor, pureza. Refletindo sobre esses termos, todos referem-se a um olhar de uma outra pessoa. É alguém diante do outro quem pode ou não ser honesto. Ainda que esse outro possa ser alguém vendo a si, sendo um espectador de si. Honestidade, então, é algo relacional, é atributo de uma relação que vivencia transparência em suas transações afetivas e/ou cognitivas.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Quem casa...

Quem casa, quer casa. Assim diz uma expressão popular. E não se trata, exclusivamente, de casa em sentido material, físico. O novo casal, o novo par necessita delimitar um espaço para se construir como uma nova singularidade. Esse espaço é físico, material. Mas, não só. É também, e principalmente, um separação dos vínculos originais, familiares, primários. Separação necessária para o desenvolvimento de um novo papel anunciado por esse novo vínculo. O papel de parceiro de um casal, de um par. Soma-se aos papeis originais de filhos e filhas um novo e outro papel. Partner, parceiro, amantes, companheiros. 

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Bukowski e outros

O poeta beatnik Bukowski escreveu: "O problema com o mundo é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, enquanto as pessoas estúpidas estão cheias de certezas". Dois psicólogos americanos descreveram o agora chamado Efeito Dunning-Kruger: "O incompetente é tão incompetente que não reconhece sua própria incompetência, enquanto os competentes duvidam muitas vezes da própria competência." Poetas falam melhor que os técnicos. 

domingo, 14 de maio de 2017

dia do papel de Mãe

Hoje é Dia das Mães. Ou o Dia do Papel de Mãe. Pensando em termos psicodramáticos (socionômicos) o papel de mãe surge da relação com pessoas em que há os atributos de continência, aceitação, limite, disciplina, incondicionalidade do afeto e, sobretudo, magia de fazer da imaginação uma ferramenta de cura e resolução de problemas. É uma relação assimétrica entre os papéis - o de filho e o de mãe. Acolhimento de um lado do papel e necessidade no outro lado dessa relação. Mas nesse papel materno cabem atores mães biológicas, mulheres, homens, amigos, amantes, profissionais  de qualquer área. A  função de acolhimento versus necessidade é a fundadora do papel de psicoterapeuta, por exemplo. Pais podem e devem ser mães. E é função do papel materno. Hoje é dia do papel materno, dia da mãe que cada um pode ser na sua relação com o outro.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Uma outra forma de olhar

Habitualmente vemos o Teatro Espontâneo (TE) colocado como um dos instrumentos da Sociatria Moreniana. E a Sociatria é a parte da Socionomia de intervenção no grupo. Assim, Psicodrama, Sociodrama, Axiodrama são juntos com o TE postos como instrumentos Sociátricos. De uma certa forma, o TE é visto como algo de segundo plano. Apenas lúdico, apenas estético, apenas artístico, apenas para ser visto. Sem o peso consagrador da importância terapêutica atribuídos aos outros instrumentos. E se não for assim? E se pensarmos diferente? E se voltarmos à ideia original Moreniana da criação ou recriação no palco de uma situação para permitir um novo olhar? Isto resultou no Teatro Espontâneo. A partir de então Moreno viu o potencial da ação esteticamente trabalhada (TE) a ser aplicada em contextos específicos. No contexto de papéis sociais, o TE torna-se Sociodrama. No contexto de histórias individuais, o TE torna-se Psicodrama. No contexto de valores éticos de uma comunidade, o TE torna-se o Axiodrama. Todas estas intervenções são formas especializadas de Teatro Espontâneo. E do TE tem-se que aproveitar a visão estética da construção da cena, a atenção ao ritmo de desenvolvimento dessa cena, sua fluidez, atenção ao aquecimento da plateia como co-construtores da história. Pensar, agir, dirigir como Teatro Espontâneo faz todas as outras intervenções Sociátricas mais potentes e profundas. 

terça-feira, 9 de maio de 2017

Nem tanto nem tão pouco

Ao longo da vida desempenhamos múltiplos papéis. Papeis que surgem na relação com outras pessoas, nos vínculos que se estabelecem. E cada um desses papéis tem seu tempo e trajeto de maturação. No momento em que estamos entrando em contato com este novo papel nada sabemos dele, somos inexperientes nele. Tudo parece algo difícil de ser alcançado. Quando vemos alguém exercendo esse papel com maestria sentimos ou tememos não conseguir atingir aquele desempenho. Este período ou momento chamamos em Socionomia/Psicodrama de Tomada do Papel (Role-Taking). Com o tempo percebemos que aprendemos a exercer bem o papel, sabemos fazer o necessário. temos confiança no que fazemos ou agimos. mas seguimos estritamente o modelo ensinado. Fazemos bem feito o que aprendemos. O que tememos neste período talvez seja aquilo que nos surpreenda, que não esteja no roteiro ensinado. temos segurança enquanto tudo se comporta como o apreendido. Esse é o que chamamos o período do Desempenho do Papel (Em inglês é melhor: Role-Playing). E talvez nos chegue o momento em que transcendemos o ensinado, nos autorizamos a inovar, a criar, a agir conforme a necessidade. Em que não mais seguimos o modelo ensinado e apreendido, mas inventamos, criamos o nosso jeito de desempenhá-lo. A Criação no Papel (Role-Creating).  A visão de Moreno da Teoria dos Papéis remete para uma vida dinâmica, em que estamos continuamente tomando, exercendo e criando em papeis novos. Cada nova situação de vida, cada novo vínculo, cada novo interesse faz com que esta ciranda de papeis esteja rodando, girando. a grande patologia para Moreno era a cristalização no papel. o congelamento, a imobilidade na atuação de papéis. O fluxo contínuo e constante e circular de Role-Taking, Role-Paying, Role-Creating dos papéis permite a Espontaneidade neste desempenho. Aceitar que nos desejáveis múltiplos papéis que desempenhamos não estaremos nos mesmos estratos no mesmo momento de vida. Como profissionais podemos estar mais desenvolvidos no papel, mas nas relações amorosas não. Exigir de si e do outro que o desempenho em todos os papéis sejam iguais; esperar que o mau desempenho em um papel necessariamente leve ao mau desempenho em outros papeis. Isto é a patologia dos papéis em Moreno. E isto abre o caminho para a esperança. Ninguém é tão bom ou tão ruim em tudo. Sempre há possibilidade de encontramos a flexibilidade que permita esta compreensão e aceitação. 

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Engrenagens, vínculos


Assistindo mais uma vez a Tempos Modernos com Charlie Chaplin. A imagem das engrenagens girando permanece em mim. Carlitos girando preso nelas, embora com um sorriso no rosto. Olhando, o que vemos são rodas denteadas rodando em velocidades diferentes, com tamanhos diversos, com número de dentes variados. Girando ritmicamente. Pensando num sistema de engrenagens, quando uma delas muda seu passo todas as outras mudam também. Ou rangem, ou fazem barulho ou quebram. As relações humanas, nossos vínculos, são algo como sistema de engrenagens, Tal como essas, aquelas. Os vínculos tem seu tempo de amaciamento, em que as engrenagens no atrito mútuo, vão-se desgastando, amaciando-se, para que girem sem ruídos. Também os vínculos precisam de um tempo de cessões mútuas. E se uma delas altera seu passo, sua engrenagem complementar necessita alterar-se. Uma mudança em uma das pontas do vínculo obriga a mudança na outra ponta. Assim como na mecânica: não sendo feito o ajuste do passo, do ritmo, haverá ruído, barulho, rompimento, quebra. Estendendo a analogia, se uma das engrenagens é feita de uma material maximamente duro e e rígido, ela não se desgastará no processo de amaciamento. Não haverá ruído nem rangido, mas às custas do desgaste unilateral da engrenagem complementar, de sua destruição mesmo. Nos relacionamentos, a inflexibilidade, a rigidez, o autoritarismo de um dos lados promoverá o desgaste unilateral da engrenagem-vínculo complementar. Não haverá ruído nem rangido nem barulho. E tudo isto ás custas da destruição de um dos lados do vínculo. A paz dos cemitérios.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Dentro e fora

Moreno, criador do Psicodrama, escreve: "O Diretor é um membro do grupo em papel diferenciado". Pensemos um pouco. Membro do grupo. Então, como todos os participantes do grupo, também o Diretor tem uma relação de pertinência com esse grupo. Tudo o que acontece ao grupo e no grupo o atinge, o afeta, consoa no Diretor. Papel diferenciado. No Psicodrama diz-se que alguém está diferenciado no papel quando tem consciência, percepção, daquilo que lhe acontece, daquilo que o afeta, daquilo que o toca. E que portanto, sua ação não será uma simples reação impulsiva movida exclusivamente pelo afeto dominante. A indiferenciação seria, assim, seu oposto. O Diretor de Psicodrama está, em relação ao grupo, dentro e fora. Dentro por ser um membro do grupo, atravessado por todas as contingências grupais. Fora por estar diferenciado em seu papel, mantendo sua autopercepção permanentemente ligada nos seus atravessamentos grupais. Dentro o necessário para tudo consoar em si. Fora o suficiente para agir diferenciadamente. Ou seja, o participante do grupo desenvolve e é estimulado a agir espontaneamente. Ao Diretor cabe escolher dentre suas ações possíveis espontaneamente estimuladas pelo efeito grupal, aquelas que são operacionalmente, criativamente, mais úteis, cabíveis, necessárias ao trabalho diretivo. 

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Amar, Respeitar...

Penso há tempos na impossibilidade do amar a todas as pessoas. Esta quase exigência nos faz sentir ou culpados ou não-seres humanos. Amar é uma relação bilateral. Em termos psicodramáticos, uma relação Télica: Em que eu e o outro nos reconhecemos e interagimos dentro do mesmo vínculo, em relação complementar e com o mesmo tipo de afeto e intensidade. Isto seria amar em sentido relacional. Usamos a mesma palavra para também nos referirmos ao cuidado a todos os seres da Natureza e à própria Natureza. Essa relação não necessita ser bilateral, complementar. Pode ser unilateral. E talvez seja melhor chamá-la não de amor, por ser este um afeto necessariamente espontâneo. O respeito, prefiro esta palavra, não precisa ser espontâneo, podendo ser ensinado, aprendido e cobrado. O respeito é o reconhecimento do outro, da existência do outro. Respeitar é reconhecer e aceitar a existência do outro, sob qualquer forma. É o respeito que pode conduzir à harmonia ou à discordância, ambas construtivas para o processo humano. Se nulificamos, reificamos o outro, o tornamos coisas, tudo se admite e nada é proibido. No julgamento em Nuremberg ficou visível essa nulificação como forma de proteger-se da culpa. Hannah Arendt chamou a isto de banalização do mal. Respeitar é reconhecer a humanidade intrínseca de todos. E o Psicodrama por ter a sua base, seu alicerce, na ideia de que somos seres relacionais, seres em relação, constrói a possibilidade do respeito com suas inversões papel e consequentes multiplicações das visões de mundo. 

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Teatro Espontâneo e Psicodrama

Sempre temos visto escritos sobre o TE e todos dentro da perspectiva da ressonância junto à plateia, do potencial de transformação grupal ou dos protagonistas por meio da estética do momento. Quero agora refletir sobre outra vertente possível. O que muda no Diretor psicodramático que se dedica ao TE? O que se altera na sua prática, ainda que não seja teatro espontâneo que ele esteja realizando? Que especificidade de olhar psicodramático tem o diretor praticante de TE? Há alguma especificidade? Que importância tem para o psicodramista in status nascendi participar de TE?
Utilizando estas perguntas como iniciadores verbais, passemos a refletir. A rigor, o primeiro combatente (proto-agonista) é o que primeiro põe o pé no palco. Assim, o primeiro a proto-agonizar é o Diretor Psicodramático. Ele, naquele momento, é o que mais arrisca, o foco da atenção está sobre ele, espera-se um algo qualquer dele. Neste primeiro momento, a espontaneidade/criatividade do Diretor encontra seu maior espaço de desafio. O ritmo, a estética, a linha condutora advirá desta mesma espontaneidade criativa. Para saber enxergar e ouvir o grupo o Diretor precisa estar aberto, disponível, sem armaduras ou defesas prévias. E isto é exatamente o que o trabalho com o TE ajuda a desenvolver. O foco estético no TE é o eixo onde gira a Direção. Por isto, o cuidado com o ritmo, a fluidez, a ressonância junto ao grupo, a atenção particularmente quanto à manutenção do aquecimento grupal. Isto é vital. Porque se corre o risco, ao não se atentar para o aquecimento, que a plateia se esvazie. Como não há compromisso terapêutico, a plateia permanece enquanto se encontra motivada, interessada. Outro aspecto importante e curioso é que o público se apropria de partes ou trechos do acontecido. No compartilhamento é que se percebe que, da obra realizada, cada pessoa, cada parte da plateia, pinçou, apropriou-se de algo diferente.

Para o Diretor é necessário não ter uma postura autoral, quem dá (ou não dá) sentido ao acontecido é o público. Como o Diretor de TE trabalha fora da psiquiatria/psicologia, apresentando-se sem este aval, fica totalmente entregue ao que ele consegue construir junto com o grupo. Sua segurança virá da sua confiança em que o grupo é senhor e construtor de seu destino cênico. O grupo é que se dirige. Cabe ao Diretor, tão somente, dar forma esteticamente resolvida à dramatização.

Os psicodramistas não precisam todos fazer TE, mas se beneficiariam muito ao trabalhar com a ideia de ritmo e estética, de atentar sempre e sempre para o aquecimento grupal, de diminuir sua importância pessoal e ampliar sua confiança na capacidade de construção grupal. Por isto, fazendo Teatro Espontâneo farão um melhor Sócio Psicodrama.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

falar e mostrar

"Se você me disser, é um ensaio, uma tese. Mas se você me mostrar é uma história" (Bárbara Greene). Há tempos anotei esta frase. Não conheço a autora. Mas ela define, de uma forma elegante e sintética, o olhar, as ações e o objetivo de um condutor de Psicodrama ou Teatro Espontâneo. Ajudar a construir histórias que possam ser vistas. E ao serem vistas poderem ser vivenciadas. E ao serem vivenciadas possibilitar uma nova mirada, um redimensionamento das relações.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

O sozinho e o solitário

Estar só, sentir-se só. Sozinho, solitário. Estados de espírito não iguais, muito diferentes. Estar só é algo espacial, geográfico. É não ter pessoas em volta. Apenas isto. Sentir-se só é outra coisa. Nada tem a ver com quantidade de pessoas. Sentir-se só é consequência  de uma pobreza relacional. Solidão é não ter vínculos com nada. Uma pessoa isolada geograficamente vive e sobrevive das certezas de seus laços afetivos, das lembranças e desejos. Sentir-se só, o estar em solidão, é reconhecer a inexistência, é sentir o peso da ausência de vínculos que o ancore com o mundo.
"É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte" (Fernando Pessoa)

sábado, 1 de abril de 2017

1 de Abril de 1921 é a data inaugural do PSICODRAMA. Iniciou com uma sessão aberta em um teatro, em Viena, com um convite para a discussão sobre a realidade caótica do país àquela época. Cortinas abertas, uma única cadeira vermelha em cena, uma coroa sobre ela. Moreno convida a quem quiser assumir a coroa que suba ao palco. E com este gesto de desafio, coragem e comprometimento nasceu o PSICODRAMA.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Mitologia e reflexões

Lendo sobre Mitologia Grega refletimos e aprendemos. Harmonia é uma Deusa. E é filha de Afrodite, Deusa do Amor, erótica, sensual e bela, com Ares, Deus da Guerra, impulsivo, violento e sanguinário. Harmonia é filha de pais antagônicos, opostos. Mas, no final das contas, como para haver prole há que haver sexo, quem terminou prevalecendo foi Afrodite.

terça-feira, 28 de março de 2017

Biologia e analogia

Às vezes penso bobagens. Ok. Muitas vezes penso bobagens. Penso muito por analogias. Então, o mundo e tudo o que lhe acontece são fontes de ensinamento para mim. Há pouco pensava sobre o processo biológico do encistamento. Alguns seres unicelulares quando colocados em situação totalmente adversa se encistam. Ou seja tornam-se cistos para resistir. E assim duram muitíssimo tempo. Ao surgirem as condições favoráveis reanimam-se e voltam à vida. Durante aquele tempo em que se encistaram diminuíram ao máximo as trocas com o meio e baixaram seu metabolismo. Enquanto pensava sobre isto pensei na membrana que envolve as células. Elas individualizam essas células, mas são semi-permeáveis. Controlam as trocas com o meio, selecionando o que deve entrar e o que precisa sair. Este longo texto biológico tem sua analogia na vida relacional.O isolamento social é um encistamento social. Necessário para a sobrevivência, mas eliminando as relações que são trocas entre dois ambientes. Uma vida social construtiva pressupõe uma membrana social que nos individualiza e permite o controle das relações de troca afetiva. Uma psicoterapia relacional como é o Psicodrama propõe para os encistados a construção em palco de um meio favorável para sua volta à vida. E para os não encistados, os "normais", que a sua membrana afetiva social seja harmônica e ecologicamente assumida por eles.

segunda-feira, 27 de março de 2017

A louca da casa

Pensando sobre Teatro Espontâneo (TE) aparece uma colagem de ideias. TE é a construção coletiva de uma história grupal. É isto. E o que faz deste ISTO algo tão potente? O exercício da imaginação e sentimento grupal de pertinência. Mas, fiquemos na imaginação, por enquanto. "A louca da casa". Assim, no passado, se falava da imaginação. E essa louca da casa ficava restrita ao ambiente artístico. Aí era seu locus. Aí era permitido a ela, a louca da casa, viver e agir. Ao resto do mundo, o "mundo sério", não cabia referência a essa dama louca. Pessoas sérias, respeitáveis, são "realistas". E ser realista é estar preso a um mundo imutável, rígido, linear. Não vejo muita diferença desse pensar antigo do pensamento vigente hoje. E o Teatro Espontâneo? Um modo de ver o grupo como criador de sua história. Tornar a Louca da Casa o fio condutor da vivência grupal. Imagem em ação, imaginação. E quando se experimenta a existência e força dessa senhora louca da casa, percebe-se que o mundo sério, o mundo do real tão real, pode e necessita ser fecundado por ela. Diz Gilberto Gil: "A agulha do real nas mãos da fantasia". O Teatro Espontâneo dá mãos de fantasia à agulha do real. Intervem no real com a potencia criativa da louca da casa. Nossa imaginação.

terça-feira, 21 de março de 2017

D. Sebastião

QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL
                                                     Fernando Pessoa in Mensagem
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?


sábado, 18 de março de 2017

Psicofármaco, Psicodrama: Encontro?

Diz o Budismo entre suas Quatro Nobres Verdades: Existe a dor. O ser humano vive sua miséria e sua grandeza por não conhecer o futuro e querer mudar o passado. O primeiro gerando a ansiedade e o segundo gerando a culpa. Assim, entre angústia e a culpa vive este ser humano, demasiado humano. Hipócrates diz nos seus Aforismos: Sedar a dor é uma obra divina. La Rochefoucauld, a certa altura, fala: Todos sabem lidar bem com a dor … dos outros.
 A palavra Terapeuta vem do grego Therapein com o significado de “eu ajudo”. Isto posto temos duas posições frente à dor: a de ajuda e a de cura. Ambas provindo de atitudes existenciais diferentes. A ajuda implica no reconhecimento do esforço e capacidade de cada indivíduo trilhar seu caminho. A cura põe o indivíduo na posição de, passivamente, aguardar que algo lhe seja feito. A atitude de ajuda reconhece no outro seu potencial ao tempo em que reconhece, também, a momentânea ou duradoura dificuldade dele atualizar seu potencial. A atitude de cura tem um aspecto mais onipotente em que, do lado do curador, encontra-se a saúde e a certeza enquanto do lado do paciente estão a dúvida e a doença. A atitude de ajuda estabelece um vínculo no qual o gradiente entre os papéis complementares é menor, muito menor, do que na atitude de cura onde este gradiente é um fosso quase que intransponível ou mesmo intransponível. A atitude de ajuda, por ter um gradiente menor, permite que a inversão de papéis seja possível. A atitude de cura, pelo fosso que origina, cristaliza os papéis de curador e paciente.

Examinado, desta forma, o lado côncavo das ações, olhemos o Psicofármaco e o Psicodrama. De qual ponto de vista estamos olhando? Da ajuda ou da cura? Em ambas as terapêuticas há que se decidir: Se olho o psicofármaco com o olhar de ajuda ele funciona como um ego auxiliar químico para o cliente. Se o vejo com o olho da cura perpetuo no paciente o papel de doente e em mim o papel onipotente de curador. Ambos cristalizados. E o Psicodrama? De que ponto de vista o olhamos? O Diretor como aquele que ajuda é bastante diferente daquele que cura. Se o Diretor é terapeuta (eu ajudo), é dirigido, sim, pelo grupo ou cliente, no sentido de não saber, antecipadamente, qual o melhor para o grupo/cliente. Se o Diretor é um curador já sabe de antemão os destinos do grupo/cliente e, ativamente, o induz/conduz por aquele caminho. Quando meu objetivo é ajudar ao indivíduo/grupo a encontrar sua melhor realização possível, coloco-me longe da posição, ideologicamente determinada, de restringir meios de auxílio. É o leito de Procusto ideológico. O Terapeuta, seja biológico ou psicoterápico, é dirigido pela solicitação do cliente e é o seu momento (do cliente) que seleciona os mecanismos de ajuda, cabendo ao terapeuta (eu ajudo) estar atento e disponível para propiciar estes meios. O exercício de qualquer forma de Terapia (eu ajudo) é um caminho que passa entre o Desespero e a Ilusão: O Desespero da impotência e a Ilusão da onipotência.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...