terça-feira, 31 de dezembro de 2024

novo Ano Novo

    O ano do calendário está se encerrando. Chegamos, enfim, hoje, ao dia número 365. E depois o Dia 1 estará aí. O calendário diz que as coisas terminam e recomeçam. Todo ano há um fim de ano  e há um primeiro dia do novo ano. Mas, em nós, parece que vivemos como se a estrada da vida fosse uma linha reta de mão única. Parece-nos que os começos são novidades e os fins são definitivos. Talvez por isso a culpa esteja presente sempre em nós, como se o passado fosse sempre passado, irremediavelmente passado. E o futuro nos chega como sempre oportunidades únicas, irrepetíveis, o tal do cavalo selado que só passa uma vez. "Perdeu, playboy!". E se, realmente, olharmos para as coisas como se houvesse, sempre, a possibilidade, de fazer de forma diferente aquilo que se fez e não deu certo? E se pudéssemos experimentar novos erros, em lugar de imobilizarmo-nos na culpa penitencial? Na filosofia Moreniana que embasa o Psicodrama está sempre o presente, palco do passado e da expectativa do futuro. Mas sempre o presente. Onde, ajudados pela louca da casa, a imaginação, podemos experimentar a re-visão do passado e viver o futuro. E, por fim, sair da imobilidade da culpa e da dor (do passado) e da imobilidade do temor (do futuro). Psicodrama é mais do que exercício de técnicas psicodramáticas. Psicodrama é o exercício contínuo da flexibilidade como instrumento do viver. Que possamos cometer erros novos. Porque repeti-los não é inteligente, e não tê-los é estarmos imóveis e imobilizados na vida.

domingo, 22 de dezembro de 2024

Natal e Psicodrama


  A origem do Natal está nas comemorações do Solstício de Inverno no Hemisfério Norte. Solstícios são os pontos da trajetória terrestre em que os hemisférios estão mais próximos (verão) ou mais distantes (inverno) do Sol. Assim, para as tradições místicas do Hemisfério Norte, esse período era quando, em seu hemisfério, Dezembro, a inclinação da Terra em relação ao Sol, voltava a se aproximar, quando o Inverno anunciava o seu fim, quando as esperanças de um novo plantio, de um degelo, surgiam, respondendo à expectativa da espera. Nas tradições místicas isso era o símbolo da renovação, do anúncio de um novo tempo. Avatares e deuses eram comemorados nesse dia. Krishina, Mitra, por exemplo. Por isto a tradição cristã aproveitou-se desse simbolismo. Entre nós é o Solstício de verão, dia mais longo, noite, qualquer que seja o tipo de noite, mais curta. E isso que tem a ver com o nosso Psicodrama/Teatro Espontâneo? Nada. E tudo. Moreno, o criador do Método Socionômico (Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama) era um judeu imbuído das tradições judaicas, principalmente da filosofia hassídica. E esse Hassidismo tinha por base a renovação, a fé na transformação, a esperança de um recomeço. Socionomia, Sociodrama, Psicodrama Morenianos são sempre fundados nessa atitude de mudança, transformação, um novo olhar, uma nova chance, um outro começo. Noites mais e mais curtas, dias e dias mais longos. Que seja assim e assim seja para cada pessoa e para todas as pessoas.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

estudante e aluno

 Nunca fui professor de alunos. Sempre fui professor de estudantes. Em termos psicodramáticos, toda relação se dá entre papéis complementares. O complementar do aluno é o instrutor. O aluno relaciona-se com a instrução, apenas. O papel complementar do estudante é o próprio conhecimento, o professor é o meio de despertar o interesse e compartilhar experiência. Há uma semana recebo um convite (um presente) de um professor de psicologia. Para dar uma entrevista a um grupo que que apresentaria um trabalho sobre Psicodrama. Tivemos um encontro online, longo. E, como sempre considero importante, marquei um encontro grupal e presencial. Aqui um parênteses. Em, geral, os outros métodos psicoterápicos podem ser apreendidos pela leitura de textos confiáveis. Com o Método socionômico, o psicodrama, considero que, sem a experiência direta de uma atividade psicodramática, torna-se quase impossível apreender-se a essência do método. Um relato de um ato psicodramático, para quem nunca o haja vivenciado, pode ser visto como mágico, mágica ou teatrinho (com esse ar depreciativo, mesmo). E, esse pequeno grupo de cinco estudantes, vivenciou uma sessão psicodramática. E hoje eles apresentaram. Mostro, por orgulho deles e de nosso método, algumas depoimentos: "Resumo de conversa: foi foda pra caramba!", "A turma e o professor demonstraram encantamento e curiosidade sobre a nossa experiência. Foi realmente algo muito rico pra nós, enquanto grupo, mas para turma também, que não fazia ideia de como funcionava o psicodrama na prática", "Foi muito bem aceito pela turma". No começo, fiz uma diferença entre estudante e aluno. E que nunca fui professor de alunos e sim de estudantes. As pessoas, em si, não são uma coisa ou outra. Essa relação vincular se constrói pelos que estão interessados. E, nesse caso, o papel do professor é vital, é essencial. Ele não é o detentor do conhecimento, não é fornecedor desse conhecimento, não é um instrutor de saber. Educar ( em latim ex-ducere, conduzir para fora, algo que já está ali, e não enfiar goela abaixo algo estranho à pessoa). obrigado Luzia, Jessika, Fernanda, Eduardo, Juliane. Estudantes, enfim.


quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Novamente Poesia

 Há um conhecido poema de Robert Frost, The road not taken ( O caminho não trilhado) que faz referência a alguém que chega em uma floresta e há dois caminhos a partir dali. Frost lamenta que sendo apenas um terá que escolher. Ele escolhe o mais convidativo pela textura da grama. Ao fim, ele diz:

 "A estrada se partiu no bosque amarelado –

Tomei dos dois caminhos o menos trilhado,

E justamente isso fez a diferença."

"Two roads diverged in a wood, and I –

I took the one less traveled by,

And that has made all the difference."

 E é isto: A escolha faz toda a diferença, e não há como saber como seria o outro caminho caso houvesse sido trilhado. Talvez em universos paralelos possam existir outros Frost que houvessem tomado o outro caminho. Mas, seria o outro Frost. Em cada um dos universos paralelos poderiam existir outros Frost caminhando outros caminhos. Mas, não o mesmo Frost caminhando todos os caminhos. Mas, na imaginação, naquilo que o Psicodrama chama de Realidade Suplementar (que não é tão somente imaginação) é possível experimentar-se COMO SE fossem reais os outros caminhos (os outros mundos possíveis ou até impossíveis) A questão central é qual o nível de aquecimento (isso é o cerne da psicodramatização) que transforma a imaginação simples numa experiência de Realidade Suplementar. O COMO SE acontece quando a experiência afetiva colore de realidade a cena imaginada. É como uma experiência onírica em vigília. Não é, mas É. É como se fosse. É criada para o Protagonista uma (ou umas) realidades que suplementam a então vivida ou imaginada. E isso pode acrescentar ao poema de Frost um toque vivenciado do experienciar. Moreno chamava a isso a Verdade Poética, que não é a dos poetas, mas do próprio protagonista de sua própria história.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O Samba do Psicodrama.

  Escutava hoje, Dia Nacional do Samba, Feitio de Oração, de Noel Rosa e Vadico. E hoje, embora seja a centésima milionésima vez que escuto essa canção, escutei um verso de outro jeito: "Sambar é chorar de alegria, É sorrir de nostalgia, Dentro da melodia". E mais de cinquenta anos depois, Gil e Caetano fazem Desde que o Samba é Samba: "O samba é o pai do prazer, O samba é o filho da dor, O grande poder transformador". E contemporâneo à Noel e Vadico, Jacob Moreno criava o Psicodrama. E a que leva esse mashup, essa vitamina de frutas diversas? Várias coisas brotam. Uma, que pode-se dramatizar tudo o que for dramatizável num palco, mas "Dentro da melodia". Há que se respeitar os limites da cena dramática, do palco psicodramático. Sair da melodia, desafinar, corresponde às atuações espontaneístas e não espontâneas. Àquelas ditadas pela impulsividade e não pelo aquecimento específico para a cena. E palco psicodramático, tal como o samba, tem o poder transformador de acolher a dor e o prazer.  dando-lhes a oportunidade de serem vistos e percebidos pelos seus outros lados. A Terceira Margem do Rio, diria Guimarães Rosa.. 

terça-feira, 26 de novembro de 2024

De como o Psicodrama está vivo e atuante em todos os aspectos da Vida.

De como o Psicodrama está vivo e atuante em todos os aspectos da Vida.

Ontem foi a festa, online, do Prêmio FEBRAP 2024, do Congresso Brasileiro de Psicodrama. E contarei como uma história. No primeiro semestre recebo um convite da presidente do Congresso presencial, Graça Campos, para fazer parte da comissão que atribuiria o aludido prêmio. Com a amiga de sempre, Rosana Rebouças, sob a coordenação do amigo de sempre, Devanir Merengué. Ao longo de vários encontros online e mensagens, fomos nos construindo enquanto grupo. Peculiaridades, formas de pensar, maneiras de ser. Enfim, tornamo-nos um grupo com uma tarefa: Não julgar, mas ponderar sobre os trabalhos. E foram chegando. Alguns rápidos, outros demorados. Alguns tivemos bastante tempo para ler. Outros, chegados prestes ao apagar das luzes tivemos que ler sobre pressão do tempo. E fomos conversando, refletindo, ponderando, voltando a conversar, tornando a ponderar (No sentido exato de atribuir peso). E fomos chegando, após longos e vivenciados meses, a um resultado. E apareceu um consenso. Uma luz parecia advir dos ensaios. Uma mesma luz. a luz dos Morenos. A presença corpórea, em carne e sangue, dos autores em seus trabalhos. Uma profundidade abissal de reflexões. Um estender conceitual e denso dos conceitos Morenianos. "Sem os quais a vida (Psicodramática) é nada, sem os quais se quer morrer' (Jobim e Vinícius, com licença poética). Encantamo-nos. A luz Moreniana emitida por eles nos alcançou com a força da verdade humana. E a luz continua. Decide-se que, em vez de premio pecuniário, publicaríamos um livro. Um e-book. Com os cinco autores que representavam e contemplavam todas as facetas psicodramáticas. Todas, mesmo. Tivemos um encontro presencial em que a magia psicodramática revelou-se mais uma vez. O agrupamento de autores transformou-se em um grupo. UM GRUPO. Aquilo que seria um trabalho burocrático transformou-se num ato psicodramático prolongado. O grupo se estendeu além congresso. E veio a noite de ontem. Muitas e muitas pessoas prestigiaram. A direção de Devanir foi minimamente intervencionista. Ele pediu que os autores "vendessem" seus trabalhos. E novamente a magia surge. Os autores são atores de seus papéis. Vimos a construção de cada ensaio em falas de dez minutos. O parto. A dor e a delícia (obrigado, Caetano) de cada partejar. A grande, a enorme, contribuição dos Morenos: O corpo, a mente, o espírito, o amor como ato. "O sinônimo de Amor é amar" (C.Augusto,C.Noam,Paulo Sérgio Valle). Amar é ação de amar. Essa lição do Psicodrama. Autores, Comissão, membros diretoria da FEBRAP, participantes. Todos banhados na magia Psicodramática que transforma atos burocráticos em atos psicodramáticos. A teoria Socionômica vive enquanto pensarmos, sentirmos e agirmos como psicodramatistas. No exercício profissional, nas relações pessoais. Na vida enfim. Aos criadores do livro resta a certeza de que responderam ao tema do Congresso: "Que mundo queremos? Eu, Você, Nós"

sábado, 23 de novembro de 2024

Voltando a Zerka e Moreno

 Venho pensando há algum tempo na palavra vivência. Talvez minhas reflexões desgostem algumas pessoas, mas penso valer a pena pensarmos. O grande Millôr Fernandes já dizia: livre pensar é só pensar. Segundo a Marcia Karp, uma das últimas discípulas diretas de Moreno e Zerka, ele dizia sempre "Throw away the script". "Jogue fora o roteiro". Pela própria essência do Psicodrama e de todas as ferramentas Socionômicas, essa essência é contrária a planejar, ter roteiro, pressupor, criar uma meta a ser alcançada, ter um final desejado e programado. É tudo que difere das chamas vivências. Elas têm título, já indicando o caminho a ser seguido e o fim a ser alcançado, têm roteiro já definido, têm aquecimento planejado. Chegam ao fim desejado, mas diferem de um Psicodrama aberto (e de todas as atividades socionômicas), em que o aquecimento decorre do mapeamento do agrupamento, em que o tema protagônico vai se desenvolvendo e sendo criado pelo grupo, em que o emergente grupal se destaca na peneira espontânea, em que o protagonista o é por, naquele instante, naquele momento, naquele já então grupo, sua história ter pedaços e partes da história de todos naquele Momento Moreniano. O Psicodrama aberto (e tudo o mais em Socionomia), é arriscado, vive ao sabor do aquecimento, do grupo e do Condutor. Ele chegará sempre ao que naquele pedaço de tempo foi ´possível chegar naquele grupo, naquele recorte de tempo, naquele flash de vida. "Throw Away the Script".

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

TE e Psicodrama

  Regra geral, ao falarmos de Teatro Espontâneo (TE) o que sinto que as pessoas escutam é algo como lúdico, interessante, mas, Pra Quê? Se observarmos os textos psicodramáticos mais iniciais, o TE é colocado como um dos tipos de intervenção sociátricas, ao lado do Psicodrama, Axiodrama e Sociodrama. O mestre Moysés Aguiar tinha outro ponto de vista, do qual comungo. Dizia ele que o TE seria o grande guarda-chuva da socionomia, e sob ele estariam os outros tipos de intervenção. assim, o TE aplicado à história pessoal seria o Psicodrama. O TE aplicado a grupos de papéis sociais seria o Sociodrama e o TE aplicado a temas éticos teríamos o Axiodrama. E que vantagens poderíamos ter ao assim pensarmos?. O TE insiste sempre em alguns pontos. Aquecimento contínuo, estética e ritmo. E, na prática, observando e participando de inúmeros atos socionômicos, percebemos que esses três focos, em geral, não são observados e nas direções não se vê essa preocupação. Por que o aquecimento contínuo? Porque aquecer um grupo ou um protagonista ou um ego auxiliar não é uma etapa que, uma vez acontecida, já está garantida. Durante todo o desenrolar do Ato manter o grupo ou protagonista ou ego auxiliar aquecidos, ou seja, centrados na cena, impede que a psicodramatização seja transformada em mera encenação, sem verdade dramática. Quanto ao ritmo, vemos que muitas e muitas vezes o Diretor dirige a cena sem observar o impacto da cena no grupo, sem perceber que a cena está lenta, enrolada, chata, e o grupo já se desaqueceu, se desligou do palco. E estética? Há sempre várias formas de se fazer algo, mas há formas mais bem acabadas, mais redondas, mas cuidadas. E essas formas têm mais impacto que as formas mal ajustadas, mal acabadas. Nenhum Diretor de Psicodrama precisa, necessariamente, fazer o Teatro espontâneo. Mas, todos se beneficiariam da visão de Moysés Aguiar. Minha anual e eterna homenagem ao Mestre em seu nono ano em que saiu do palco, neste dia.


quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Pessoa, palavras, descrições

 Pensava comigo que estamos perdendo o uso de palavras e nos deixando, cada vez mais, usar palavras extremas. esquecendo as nuances intermediárias. Isso veio à mente ao ler poesia e como o poeta consegue construir, em nós, o estado de espírito análogo ao dele ao escrever. Palavras, neologismos, formas diversas de pintar essa paisagem mental, como dizia Fernando Pessoa. Quando vamos rarefazendo nosso vocabulário pessoal, ao mesmo tempo, vamos retirando as nuances de cor e vendo cada vez mais em preto e branco, ou tons de cinza. O discurso pobre em palavras é pobre em nuances, e aglutina coisas variadas numa mesma caixa. O médico clínico, o psiquiatra , o psicoterapeuta, percebe como a autodescrição ou contação de uma história torna-se superficial. Nosso Psicodrama, com o recurso da Psicodramatização ou da simples formação de imagens, pode trazer ao protagonista uma visão de tonalidades diferentes, não descritas antes pela linguagem mais sumária. "Não é bem isso", "não é bem assim",  "não, não, é muito menos ou muito mais". A poesia, a literatura, a arte, acrescenta mais nuances e variações à descrição da paisagem mental de Pessoa.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Palco

 "Minha alma cheira a talco, como um bumbum de bebê". Ao falarmos a palavra palco essa musica de Gil vem à cabeça. O palco no psicodrama é um dos instrumentos fundamentais para seu exercício pleno. Pode ser um palco como o de Moreno em Beacon, pode ser um praticável, um espaço delimitado fisicamente ou consensualmente. Mas um palco. Existe uma intencionalidade no uso do palco, similar ao Teatro: O palco amplifica a cena, torna-a o centro das atenções, dá relevo, profundidade ao desenrolar cênico. porém, além disso, há um plus fundamentado na teoria socionômica moreniana. No palco prevalece a verdade dramática, a verdade poética, a fantasia, a realidade suplementar. Na plateia prevalece a realidade objetiva, a consensual do grupo, a "real". Assim, entrar e sair do palco numa atividade Socionomica tem um significado muitíssimo mais profundo. É entrar e sair da Realidade Suplementar, é atravessar a fenda, a separação entre realidade "real" e realidade dramática. É poder, como adultos, voltar a transitar entre esses dois mundos. A nossa pretensa maturidade, mais que uma fissura, cria um verdadeiro abismo intransponível entre o mundo que vivemos e o mundo fantástico, suplementar. Só tendo um palco e conhecendo seu poder instrumental poderemos usar adequadamente o recurso do Espelho. Ao sairmos do palco e vermos a nossa cena reencenada, a vemos da plateia, a vemos do mundo "real", a vemos como um outro qualquer a veria. Ou seja Nos vemos em ação. Cheira a talco, cheira a bebê, nos remete à infância, à origem de tudo, ao status nascendi de nossas cenas. Palco.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Puxa!

 Voltando a um tema algo complicado no Psicodrama. Há algum tempo usa-se a palavra empatia com muita frequência. "Vc não tem empatia", "vc precisa desenvolver empatia". a forma como é dita e cobrada lembra um atributo moral ou uma virtude ou m defeito em sua ausência. etimologicamente, empatia vem do grego em (dentro) + pathos (sentimento). O que seria "sentir de dentro" uma tradução aproximada. Até hoje em Grécia é usada nesse sentido. A capacidade de colocar-se no lugar no outro sentindo aproximadamente o que ele (o outro) sente. Em fenomenologia não não é usada como um atributo ou virtude moral. É uma ferramenta de investigação. E essa ferramenta pressupõe um preparo para ser exercida. esse preparo é uma profunda e honesta depuração dos prejulgamentos, dos preconceitos. com isso feito no maior rigor pode ser exercida como ferramenta diagnóstica. Mas, isso sempre exige que haja uma validação por parte do investigado. Foi dessa forma que o psiquiatra e filósofo Karl Jaspers trouxe para a psiquiatria o conhecimento da fenomenologia. E Moreno? Ele estava desenvolvendo um conceito de empatia, mão dupla. Essa empatia recíproca, base da relação entre papéis, ele chamou de Tele. Algo que, à distância permitia que duas pessoas em relação pudessem se perceber com mais nitidez. Ele expressou isso num poema escrito muito tempo antes do próprio conceito: Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face, e quando você estiver perto arrancarei seus olhos e os colocarei no lugar dos meus; arrancarei os meus olhos e os colocarei no lugar dos seus; então verei você com os seus olhos e você me verá com os meus olhos. Essa empatia dupla de Moreno, a Tele, não seria mais um instrumento investigatório, mas sim a base de compreensão do das escolhas soicoométricas. Ou seja, é a possibilidade de nos reconhecermos com os mesmos sinais que possibilita uma relação saudável. Isso significa que se eu e outra pessoa nos vemos e nos percebemos como inimigos, p.ex., isso é télico. porque seria pouco saudável se o vejo como inimigo e ele como amigo, simplificando. Para que não se transforme em um atributo que uns têm e outros não, que uns têm muito e outros o têm pouco, Moysés Aguiar nos ajudou trazendo a ideia de projeto cênico comum. Ou seja, numa peça, em um palco, os personagens precisam se complementar. nas relações, caso eu esteja num drama romântico e a outra pessoa em uma comédia satírica seria um projeto não télico. É algo da construção das relações, não é uma qualidade pessoal. As relações é que podem ser télicas ou não télicas, e não as pessoas envolvidas.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

E, finalmente, o que é Psicodrama?

 Hoje estive com uma turma de psicologia para fazermos uma manhã de Psicodrama. A maioria nada conhecia de Moreno e Psicodrama. Como manhã de informação e formação foi muito produtiva. mas, ao final, duas pessoas me questionaram sobre a palavra adequação que leram sobre espontaneidade e criatividade. A dúvida deles: É algo de enquadramento em normas? É para ajustar as pessoas às normas sociais? Pena que foi entre nós três e a professora que me convidou. Pena que os outros já haviam saído. Mas, como talvez eles estejam me lendo em algum momento, e como sei, que essa questão sempre e sempre perpassa quem entra em contato com Moreno e Cia, parece ser agora um bom momento. O pensamento do psicodramatista é na Cena. Não apenas na cena desenrolada em um palco explícito, não apenas no palco psicodramático. Sempre que os papéis entram em relação, nós temos uma cena. E quando nos referimos á capacidade de reagir ou agir de forma adequada, absolutamente não é pensando numa adequação moral. Mas, à cena que está se desenrolando naquela relação. O espontaneísmo seria a resposta impulsiva, levando em conta, tão somente, os desejos pessoais. A reação ou ação criativa leva em conta o outro em sua resposta. É a mais adequada àquela cena naquele encontro. Daí porque Moreno referia-se à respostas cristalizadas, conservadas (no jargão psicodramático). A resposta tornada habitual, fixa, imutável. A ação repetida sem outras razões que a repetição. A história contada numa narrativa imutável. A Socionomia Moreniana busca que criemos e experimentemos outros pontos de vista, outras formas de agir. A Socionomia visa IN-Comodar. Sair da comodidade conservada, do angulo de mirada fixo, da opinião congelada, do sentimento fossilizado. Esse é o objetivo. Nada tem de moralizante, normalizador, nem estímulo à impulsividade. É o espaço do experimentar e refletir.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Congresso e reflexões

 Depois de um congresso de Psicodrama muitas coisas vêm à cabeça. Psicodrama é um Método, lastreado numa Filosofia. Psicodrama (Socionomia seria o termo mais correto, mas o hábito faz o monge). Sem isso o Psicodrama transforma-se apenas numa aplicação de técnicas. O ser humano é um Ser sempre em relação. Essa é a base. Portanto, o Outro, o papel complementar em múltiplos papéis, é tão nosso constituidor quanto o somos dele. O Outro precisa ser visto como Tu, não como o ele, tão só o ele. mas, repito, como um Tu. Alguém a quem complemento e que me complementa. Simples. mas complexo. Exige a disposição, o afeto, a possibilidade de inverter os papéis, assim ganhando o acréscimo da visão do outro. Ele é meu Tu e eu posso seu o tu dele. Eu sou o outro do outro. Tudo isso não é Método. É a filosofia Moreniana que, perdida, despersonaliza o nosso fazer num mero exercício técnico e estético. Quando faço essa observação é para lembrar que o Psicodrama, a Socionomia, a filosofia Moreniana, são para o dia-a-dia, não apenas para o consultório. Pode-se aprender psicodrama, mas há que se tornar Psicodramatista.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A agulha do real

 Uma das coisas que me incomodam e surpreendem nas redes é a contínua cobrança de que tudo é possível, tudo só depende da pessoa, que a derrota é sempre consequência de inação pessoal. Surpreso porque uma das coisas importantes num trabalho psicoterápico é o reconhecimento dos limites. Claro, esses limites podem ser imaginários, serem criações pessoais. Mas há os limites impostos pela realidade. Reconhecer o limite não é ser limitado por eles, necessariamente. Simplesmente, é saber contra o que está brigando.  A falta do limite gera o espontaneísmo das ações. No Psicodrama,  onde a fantasia é estimulada, o próprio palco exerce um limite à ação espontânea. Fora do palco é a realidade "real". No palco é a realidade dramática, a nossa chamada realidade suplementar. Ao se montar uma cena delimitando-se, por exemplo uma parede, podemos atravessá-la por uma ação magica, mas sabemos que há uma parece. Se por ventura, o protagonista a ultrapassa, impulsivamente, a cena será remontada para incluir a solução espontânea, porém adequada ao real. O que vemos nas redes é um estimulo à ação impulsiva junto à culpabilidade pela não obtenção do que deseja. Como se dissesse: você pode tudo, se não consegue é por fraqueza, falta de persistência, falta de vontade. Ou seja, o mundo é onipotentemente seu. E o contrário, o antônimo de onipotência é impotência, é a sensação de fracasso. Por isso volto ao mestre Gilberto Gil: "A agulha do real nas mãos da fantasia", em  A Linha e o Linho. É isto.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

"Capricho"

 Há expressões de minha infância: "Ser caprichoso", fazer as coisas "No capricho". Significava ser cuidadoso no que fazia, fazer o melhor possível, não ser desleixado, alinhavando as coisas. E há o perfeccionismo. "Não consigo nem pensar em errar!", frase de uma paciente O temor de cometer um erro torna-se tão grande que o perfeccionista torna-se lento, fazendo e refazendo, tornando-se, na prática, improdutivo ou pouco produtivo. E isso é o oposto de ser "caprichoso", "cuidadoso". A rigidez e imobilidade são sempre, em a natureza, sinônimos ou indicadores de não vida. A Vida é mudança, flexibilidade. O "caprichoso" sente o prazer do fim de sua obra, goza de sua ação. E as pessoas presas do medo do erro, perfeccionistas, são  ou tornam suas vidas rígidas, imóveis, desnaturadas. E com isso não usufruem do prazer do ato bem feito, do ato realizado. Estão sempre esperando algo melhor do que conseguiram, estão sempre deixando de se gratificar, vivendo num contínuo do "podia ser melhor". E, se me perguntarem em que o Psicodrama (ou qualquer outra forma psicoterápica) poderia ser útil? Permitir que aquela pessoa perceba ou descubra seu temor de errar, sua necessidade de se proteger da crítica antecipada, sua permanente necessidade de controlar o futuro. Tarefa que, por ser impossível, torna o perfeccionista um candidato à experiência de sentir-se derrotado, ao longo de sua vida. 

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Propaganda e Psicodrama

 Gosto de observar propaganda. Elas, como são destinadas a vender um produto, captam a essência do Zeitgeist , do espírito do tempo, de forma pragmática. Vi um outdoor (em português (???), em inglês seria billboard). Lá estava: "Qual a diferença entre homens e ícones". O produto a ser vendido era um curso para transformar as pessoas em celebridades (?), em "ícones". Estava de carona e tive tempo de ler e pensar. Ícone em grego é imagem, estátua. Na igreja Bizantina aqueles quadros são chamados de Ícones. E pensei. No Psicodrama privilegiamos a flexibilidade, a mudança, e chamamos de conservas culturais àquelas situações que são tomadas sempre de uma mesma maneira, não são recriadas. A conserva é o que se mantém inalterado, fixo, estável. A Espontaneidade Criatividade permitem que se reelabore a conserva, lhe dê uma novo uso, uma nova saída, uma nova e adequada resposta, em lugar da mera repetição. A conserva cultural cria a cultura ( Que aliteração!), mas sem ser renovada e recriada conduz à imobilidade. Aí ela se torna uma questão psicodramática. As respostas emocionais e comportamentais conservadas constituem (Outra aliteração!), os sintomas, as nossas queixas humanas. E aí? que tem a ver com o outdoor? Uma imagem é uma conserva cultural. Algo fixo, preservado, sempre o mesmo, mas submetido ao desgaste temporal. O que me vem à cabeça é a cena bíblica da mudança da mulher de  Lot em uma estátua de sal. Imóvel no tempo, sem ação, sem vida, sem autonomia. Uma condenação pela violação de uma ordem. E, hoje buscamos nos transformar em ícones. Presos à nossa imagem exposta e consumida nas chamadas redes sociais (redes comerciais). De punição tornou-se meta, símbolo de sucesso. Ser condenado a uma eterna e imutável imagem, sem escolha, sempre presos a si, sem vínculos. Para o Psicodrama, seria o nosso antidestino.

domingo, 21 de julho de 2024

duplo/dublagem e outras coisas

 Lendo alguns escritos e em algumas direções, percebi uma certa confusão, importante confusão, entre a técnica fundamental do duplo e a tomada de papel. Vamos ao começo. O  Duplo ou dublagem (em inglês, double).remete ao primeiro Universo, à fase de total indiferenciação entre a criança e o outro. Nessa fase, o caos primitivo, há uma completa mescla entra a criança e o papel parental. Portanto, a criança e a mãe, p.ex., são fundidos pela indiferenciação. Dessa forma, a mãe pode sentir o que a criança sente, porém ela PODE expressar verbalmente. Uma experiência cotidiana nos papéis parentais. O Duplo remete a essa fase. Então, não é um pensamento, uma interpretação racional, não é uma sugestão, um ensinamento, que o diretor/terapeuta ou o ego auxiliar pensa que é o melhor para o protagonista da cena. Mas, assumindo sua postura, abrindo-se à espontaneidade do momento, deixar vir a si o que o protagonista PODE estar sentindo e não expressa. É a isso que Moysés Aguiar chamava de dublagem. Tal como em um filme, o texto é a fala do ator dita em uma língua que não entendemos, apenas o diretor ou ego auxiliar o dubla para a linguagem verbal. Não é uma interpretação ou racionalização do protagonista, mas verdadeiramente uma dublagem em outra língua. Mas, como os italianos diriam traduttori, traditori - tradutor, traidor. Após a dublagem/duplo é necessário, imprescindível, perceber a validação ou não validação pelo protagonista. Por um gesto de concordância ou negação, por uma verbalização confirmatória ou não. O Duplo/Dublagem não se valida por si, pela "sapiência" do diretor/terapeuta. É como um tradutor de um texto ter que perguntar ao autor do texto se apreendeu o sentido real do que escreveu. É um caminho proposto pelo diretor/terapeuta,  trilhado pelo protagonista. 

sábado, 6 de julho de 2024

Analogias e metáforas

Lendo um filósofo espanhol, Ortega y Gasset: Ele descreve um passeio por um bosque/floresta. E vai descrevendo os sons. Um canto de pássaro lhe chama a atenção, sobrepondo-se aos outros sons. E, no momento seguinte, ele dirige a atenção para os sons que haviam se tornado fundo, tornando-os figura. E, aí acontece o toque genial. Todos os sons ali estão, todos são simultâneos. Mas, somos nós que, ao intencionalmente, dirigir a atenção para um determinado objeto, ou lembrança, ou desejo, os tornamos figura ou fundo. Bela metáfora para a psicoterapia. E, em especial, para o Psicodrama. Tudo está sempre aqui conosco. É nossa direção do olhar, a nossa intenção, que torna algo aparente ou oculto, superficial ou profundo. Lembro que Verdade em grego é Aletheia. Literalmente Não Esquecimento.. As verdades não são inventadas.  São desvelamento, revelação, reencontro, dar-se conta, olhar em outra perspectiva, trazer o fundo para figura e deixar a, até então, figura, no fundo, transformando-as de imagens fixas em cenas móveis. Todas as psicoterapias assim fazem, cada uma com seu método. Mas, o Psicodrama, ao tridimensionalizar em cena, ao permitir que o protagonista veja com seus olhos a sua cena, potencializa essa transformação de algo fixo e imutável em algo dinâmico

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Uau!

 Hoje, 3 de Julho, é data de nascimento de Franz Kafka, Em 1883. Lendo um de seus Aforismos, há este: "Há dois pecados humanos capitais, dos quais se derivam todos os outros: impaciência e indolência. Por impaciência foram os humanos expulsos do Paraíso; por indolência não regressaram. Entretanto talvez haja somente um pecado capital: a impaciência. Por impaciência foram expulsos, por impaciência não regressaram." Claro que essa é a história do ser humano. mas, acho que podemos, à luz de Kafka, olhar as ações de direção do Diretor/Condutor psicodramático. Impaciência e indolência. E, novamente, impaciência. Vamos iniciar pela indolência ou preguiça ou acomodamento. Isso nos conduz, ao dirigir, a estabelecer planos rígidos, pré-determinados, que nos desobrigariam (que ilusão!) da faina de encontramo-nos com o imprevisto, de lidar o aqui e agora. E a impaciência? Impor o tempo do Condutor ao grupo é impaciência. Urgir pela dramatização, é impaciência. Forçar um protagonista, é impaciência. Atropelar o aquecimento, é impaciência. E essa última observação kafkiana, de que a impaciência sozinha é responsável por todos os outros pecados? Trazendo a nosso mundo psicodramático, diria, de maneira escatológica,, que "toda merda PODE se tornar adubo". Essa é a maneira que expresso em grupos de psicodrama publico ou teatro espontâneo, a minha visão de que não há erros irreversíveis numa direção psicodramática, não há pecados de direção, desde que possamos nos abrir a que todo acontecimento pode ser a próxima cena em status nascendi, pode ser o germe da próxima dramatização. Só se tornará uma "merda" se nos ativermos à aparência, à frustração, à impotência. Dando-se uma funcionalidade de aquecimento, de experimentação, de possibilidade de um novo rumo, de se escutar o que o grupo deseja, a alquimia escatológica, merda em adubo, se fará.

sábado, 22 de junho de 2024

Junhos e Psicodramas

 Esta época, principalmente no Norte e Nordeste, são as chamadas Festas Juninas. Santo Antonio (13/06), S. João (24/06) e S. Pedro (29/06). Cada uma com suas tradições, ritos e simbolismos. Estamos chegando ao S. João. E, nesta festa, havia e ainda há, o pular a fogueira. E quando duas pessoas pulam juntas a fogueira são chamados de compadres e comadres de fogueira. O Compadrio, de qualquer natureza, em todos os países latinos, sempre teve uma força de associação e compromisso enormes. O compadre e a comadre sempre foram considerados substitutos do papel parental, com quase igual ou igual, na ausência dos pais, responsabilidade. Nunca foi uma banalidade apenas social. E isto me remete ao grupo, à cena psicodramática. Até hoje dizemos: :"Esse cara pulou uma gueira". Ou seja, escapou de um risco ou perigo. Compartilhar riscos e perigos, compartilhar experiências boas ou ruins. Compartilhar = Com + Partilhar. Experienciar juntos. Essa é a força constitutiva de um grupo. No Psicodrama, na cena psicodramática, os riscos e experiências não são físicos, como nas fogueiras da via. Mas, expor-se, desnudar-se, mostrar-se, abrir sua própria Caixa de Pandora, é vivenciado como uma fogueira. Estar juntos nesse momento protagônico, consolida o grupo. E quem constrói essa possibilidade, é o aquecimento inicial do grupo e a manutenção do aquecimento durante a atividade grupal. Aquecimento, fogueira, queimor, calor, mudança de estado, rituais de compadrio, coesão grupal, continência para o protagonista, amor grupal. E viva S. João e a cultura popular! Evoé!

quarta-feira, 12 de junho de 2024

novidade ou originalidade

Há tempos venho refletindo sobre o uso do adjetivo. Não, não será algo gramatical. Mas, ao fato de que há tempos o adjetivo passa a compor palavras que se referem a coisas antigas, tradicionais ou já estabelecidas. Algo como neo psicodrama, psicanálise concreta, pilates estrutural. Acho que dá para entender. A justaposição de um adjetivo dá uma aparência (apenas aparência) de novidade, coisa fresca, distinta de coisas antigas e ultrapassadas. É comercial, vende a ideia, compra-se a ideia. E a fila anda. Mas, onde está a consistência? Onde está o fundamento? Para o Psicodrama Moreniano, para Moreno, originalidade não é o mesmo de novidade. As novidades podem não ser originais Embora o original seja uma novidade. Confuso o meu pensamento? Vamos indo. Novidade refere-se à temporalidade, ao mais novo no tempo cronológico, ao mais recente. Tal como os modelos novos da marca da maçã. E originalidade? Essa tem a ver com origem, a partir dela algo se origina. A criação original dá origem a um novo caminho. A criação nova é apenas, e quase tão somente, uma maquiagem de algo mais antigo. Novidade é uma forma comercial de vender algo antigo ou tradicional em uma embalagem nova. Isso é fato de marketing. Mas, para nós, profissionais da área psicoterápica ou médica? Qual o nosso risco e o risco de quem compra a ideia da novidade ser necessariamente melhor que aquilo mais antigo no tempo? O risco é aquilo que já mencionei. A falta de fundamento e consistência. O Psicodrama nasceu no século XX, em sua primeira metade. Estamos centenários. E há muita coisa nova, novíssima, quase que anual. E nós? Em lugar do desespero, talvez o aprofundamento. o voltar às raízes, o apropriar-se verdadeira e existencialmente dos conceitos psicodramáticos, criados e e tornados sólidos ao longo do tempo. Voltar ao substantivo, à coisa-em si. O substantivo é duradouro, o adjetivo é circunstancial. Psicodrama é um método substantivo, tem substância, tem solidez, tem consistência. E é centenário.

segunda-feira, 27 de maio de 2024

papéis...

 Pensava como é difícil o psiquiatra ou psicoterapeuta deixar a posição de autoridade e compartilhar com o paciente/cliente o seu próprio tratamento. Também para quem trabalha com educação essa dificuldade está presente. O que o Psicodrama traz, tal como Paulo Freire, é que cada pessoa tem que ser, dentro de suas possibilidades, agente de seu tratamento ou sua educação. A relação é assimétrica, sem dúvida. Mas é complementar. A cada uma das partes há um excesso e uma falta. Ao paciente/estudante há um conhecimento de sua vida e seus conhecimentos e há uma falta de um direcionamento e um ordenamento. Ao psiquiatra/psicoterapeuta/educador há um acúmulo de conhecimento técnico, mas uma falta intensa do conhecimento do outro. Isso é que torna a relação entre esses dois papéis complementares. A assimetria decorre mais da posição. Um está e outro vem. Um paga, outro recebe. Um tem um papel de ofertar  algo, o outro tem um papel demandante algo. Um está mais organizado, mais estruturado, outro mais desorganizado, e mais desestruturado. Talvez exatamente por isso crie a assimetria. mas Moreno, destacou a inversão de papéis. Com isso é possível pensar-se que os papéis podem se intercambiar. Assim, é possível pensar-se que o estudante pode em determinado instante ser o professor e o professor ser o estudante. O Paciente pode trazer luz à uma situação, colocando-o no polo de terapeuta. Ao se cristalizarem definitivamente,médico/paciente,professor/estudante/, psicoterapeuta/cliente, dão lugar às patologias relacionais. Moreno sempre acentuou que os papéis devem ser flutuantes ao sabor de seu desempenho. É o que torna os relacionamentos mutuamente saudáveis, construtivos e férteis.

sábado, 18 de maio de 2024

Livre pensar é só pensar

 Qual a diferença entre vaidade, autoestima, orgulho, autogratificação, arrogância? pensava como essas palavras referem-se a atitudes similares ou, pelo menos, confundíveis. Quando a vaidade se distancia da autoestima? Quanto a autogratificação se aproxima da vaidade? E a arrogância? Algo que pensava: Todas são atitudes relacionais. Seja, em relação a si ou ao outro. Sempre há um outro. Na autoestima existe o eu comigo. Como me estimo, qual minha estimativa de mim. Baixa, alta, depreciativa, afirmativa. Na vaidade talvez já exista o desejo de exibir aos outros sua descoberta de seus atributos. No orgulho, além de uma grande auto estimativa , existe a satisfação excessiva. Fácil diferenciar? Não, até escrevendo acho difícil. Talvez, autoestima seja a minha e orgulho seja a do outro. E arrogância? É o exercício dos despotismo agressivo misturado com a vaidade. E, talvez, tudo termine sendo aquilo que escrevi. O que é meu, o que são atitudes minhas são positivas, têm uma conotação positiva. E, quando esses mesmos atributos estiverem no outro, eu os veja com valoração negativa. Daí porque a inversão de papéis moreniana, psicodramática, tenha seu lugar de possibilitar nova perspectiva de nossa visão de mundo conservada, cristalizada.

domingo, 12 de maio de 2024

Dia do papel de Mãe

  Hoje é Dia das Mães. Ou o Dia do Papel de Mãe. Pensando em termos psicodramáticos (socionômicos) o papel de mãe surge da relação com pessoas em que há os atributos de continência, aceitação, limite, disciplina, incondicionalidade do afeto e, sobretudo, magia de fazer da imaginação uma  ferramenta de cura e resolução de problemas. É uma relação assimétrica entre os papéis - o de filho/a e o de mãe. Acolhimento de uma lado do papel e necessidade no outro lado dessa relação. Mas nesse papel materno cabem atores mães biológicas, mulheres, homens, amantes, amigo, profissionais de qualquer área. A função de acolhimento versus necessidade é a fundante no papel de psicoterapeuta, por exemplo. Pais podem e devem ser mães. Hoje é dia do papel materno, dia da mãe que cada um pode ser na sua relação com o outro.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Raul e Psicodrama

Escutando pela enésima vez Raul Seixas, volto a ouvir Sociedade Alternativa. E lá está uma frase, escrita no sec. XX por Crowley, mas já presente em escritos Rosacruzes anteriores: "Faz o que Tu queres pois é tudo da Lei." E por que escrevo sobre isto aqui? Porque, em geral, o conceito que se tem da palavra Espontaneidade, alicerce do Psicodrama, é de que ser espontâneo é fazer o que se quer e o que se tem vontade. Não, não é definitivamente isso. Isso é espontaneísmo. O contrário do que se objetiva no Psicodrama. Voltemos à frase. Misticamente falando, há duas particularidades. Uma é "o que Tu queres". A outra é "Lei". O Querer aí refere-se não apenas a desejar, mas aquilo que realmente importa em sua vida. Aquilo que, sem o que, nada faria sentido. Não é um querer qualquer, volúvel e flutuante. E Lei, é a Lei universal da Harmonia. Não a lei da justiça comum. Voltando para o Psicodrama, a confusão é parecida. Espontaneidade não é FAZER. Fazer é ação. E Espontaneidade é um estado. Um estado de disponibilidade, o mais perto possível da absoluta disponibilidade. É estar sem impedimentos, bloqueios ou temores prévios à ação. Ser Espontâneo é Estar Espontâneo. E para que? Para abrir espaço à Ação criativa, à CRIATIVIDADE. Espontaneidade = estado de disponibilidade sem coibições. Criatividade =  a melhor escolha para aquela cena, para aquele momento. Quanto menos Espontâneo, menor repertório de escolhas adequadas. Quanto mais Espontâneo, mais possibilidades de escolha da melhor resposta. E isso, com certeza, é diferente, profundamente diferente, de fazer-se o que se lhe dá na telha.

sábado, 27 de abril de 2024

Filme

Assisti ao filme Guerra Civil (aquele com Wagner Moura). E hoje lembrei-me dele. E de tudo que tem de impactante no filme, há esta frase emblemática: "Que tipo de americano você é?". Essa frase poderia ser mais ampla ainda: "Que tipo de ser humano vc é?" Ou ainda: "E você é ser humano?". Lembrei-me do título do livro de Moreno: "Quem sobreviverá?" Lembrei-me do tema do nosso XXIV Congresso Brasileiro de Psicodrama: "Que mundo nós queremos? Eu, Tu, Nós". No fundo esse é o nosso problema. Nós e Eles. Essa constante dicotomia. Quem não está comigo está contra mim. Outra era e é a ideia fundante do Psicodrama:  O ser humano é um ser em relação. Ou seja, ele se constitui na relação com o outro. O Outro não é o nosso oponente. É o nosso constituidor. Por isso a pergunta do filme, para mim, é tão impactante. Não há tipos de seres humanos. De alta categoria ou baixa categoria, ser humano de verdade ou sub-humano.  Não há gradações de importância para ser um ser humano. Desumanizar, tirar o status de humano, é o passo facilitador para pura eliminação dos seres ditos não-humanos. Ser humano e pronto. Apenas e tanto. Merecedor de vida, dignidade e respeito. Por ser humano.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Solidão vendida

 Vi uma propaganda do mercado imobiliário cujo título era: "Exclusividade é Sublime". A par do mau gosto de usar um adjetivo referente a um sofisticado sentimento (sublime), essa ideia de exclusividade ser a meta é discutível à luz da teoria Socionômica de Moreno. Tirando esse uso torpe da palavra sublime, vamos olhar a palavra exclusividade. "Qualidade do que pertence unicamente a uma pessoa". Sob essa ótica a solitária de uma penitenciária poderia ser vendida com a mesma propaganda. Mas, veja, na penitenciária é punição máxima, estar excluído do convívio de todos, estando totalmente só. Mas, como? Estar só é visto corretamente no sistema prisional como punição máxima. E é realmente. Mas, para vender um produto isto passa a ser desejável? Ser único, não ter com quem compartilhe. Assim também são vendidas ilhas, condomínios, peças de roupa. E a ideia de que o ser humano é um ser relacional? Que só existe na relação entre as pessoas? Ideia Moreniana que os tempos desfizeram. Vendem exclusividade e a pessoas compram solidão.

domingo, 14 de abril de 2024

Professor, Estudante

 Há alguns dias um grupo de estudantes de Psicologia me procurou porque querem fazer uma intervenção grupal usando o teatro espontâneo. Eles fizeram o trabalho intelectual, leram livros do mestre Moysés Aguiar, treinaram entre si. Enfim,  nos reunimos, presencialmente, como foi uma demanda minha. Durante cerca de três horas estivemos juntos experimentando o Psicodrama. Ao final, quando lhes peço o compartilhamento da noite, recebo algumas observações: "Não esperava que fosse assim, pensei que seria uma aula", Há no Sufismo (uma corrente mística muçulmana) uma expressão que diz: "Ensina-me a aprender." No papel complementar ao de professor não está o de aluno e, sim, o de estudante. Aluno é passivo na relação com quem ensina, apenas deixa-se encher e preencher com aquilo que vem do professor. Estudante é papel ativo, ele busca o conhecimento, não espera que ele venha até ele. Educação, Maestria são profundamente diferentes de instrução. Instrução é alguém pegar seu conhecimento e colocá-lo dentro do instruído/aluno. Educação, etimologicamente ex-ducere, conduzir para fora. Ajudar a trazer de DENTRO do Estudante o que lá está ou pode estar, a seu modo e tempo. Construir com ele o conhecimento. E aí ambos aproveitam e crescem em conhecimento. Um complementa o outro. Papéis complementares assimétricos.  Professor - Estudante.

sábado, 6 de abril de 2024

Sagan, Heráclito, Medusa, Conserva Cultural

 Carl Sagan era um astrônomo dedicado à divulgação do pensar científico, que se contrapõe ao pensar dogmático das crenças. Em uma de suas inúmeras palestras captei esta frase: "As nossas preferências não determinam o que é verdade." Não é porque gosto ou não gosto, me contraria ou não, me agride ou não, que os fatos são ou deixam de ser verdadeiros. Ciência é sempre e sempre uma aproximação de uma verdade. Jamais será uma verdade absoluta. A essência da Ciência é a dúvida. Não a dúvida da descrença. mas a dúvida metódica, que abre novos caminhos, que não se satisfaz com: "É assim e pronto!", que aguça a curiosidade. Aliás, esta palavra curiosidade, tem sua raiz etimológica na palavra latina "CUR", que significa  "Por Que?". Ciência é pergunta, é curiosidade, é desafio ao já sabido, é o antidogma. E isso me lembra muito à Moreno e a postura e atitude psicodramática. Moreno referia-se às "Conservas Culturais", ao conhecimento cristalizado e imóvel. É o nunca questionar, é o nunca perguntar-se " e por que não?", é o " E se experimentarmos diferente?", é o "se fizermos diferentes?", é o "vamos experimentar e ver?". No palco psicodramático chagam histórias de vida prontas. Tom Zé diz em "parque Industrial": "É somente requentar e usar". Isso é conserva Cultural. Requentar e usar. mas, cuidado. às vezes tem-se que usar e comer a comida requentada. Mas, e se experimentássemos, na própria comida requentada descobrir um sabor novo, comê-la de outra maneira, perceber o verdadeiro sabor do prato, mesmo requentado? A Conserva Cultural não é o objeto, a palavra. A Conserva Cultural propriamente dita é a nossa atitude conservadora, strictu sensu, que paralisa a vida. Heráclito já dizia: "Não se entra duas vezes no mesmo rio". A Vida, o Mundo, são mutantes, flexíveis. O olhar de Medusa é que petrificava. É o nosso olhar, a nossa forma de experienciar o mundo que petrifica e o torna uma conserva Cultural.

terça-feira, 19 de março de 2024

Pais

 Hoje seria aniversário de meu pai. 112 anos faria. E hoje, aos 70 anos, sinto falta de ter uma pessoa mágica, que tudo resolve, em que confiava plena e totalmente. Hoje pesa estar nesse lugar. Lugar que para outros é mágico, poderoso, solucionador de problemas. Dá para entender, mutatis mutandis, a expressão evangélica que todos tem um lugar para dormir e só o Filho do Homem não tem onde repousar. Em escala, a tarefa dos pais é assim. É o fim da linha, posto da último esperança. E eles não têm onde repousar. A missão torna-se maior que o bem estar pessoal. O outro se torna mais importante do que meu próprio estar bem. É fácil gerar pessoas. Mas, não é fácil ser pais. Transcender-se por amor.

domingo, 10 de março de 2024

Notícia de jornal

 "A dor da gente não sai no jornal". Trecho da música, "Noticia de jornal", de Haroldo Barbosa, também gravada por Chico Buarque (procurem ouvir). Pois é. A dor pode não se revelar à visão dos outros. "Quem vê cara, não vê coração". Ditado popular e verdadeiro. Olhar-se no espelho é uma   mão dupla. Vejo meu reflexo e esse reflexo produz em mim uma reação de similaridade. A Neurociência fala de neurônio espelho.  Algo como "me torno o que vejo em mim". Então, uma imagem especular cuidada pode levar a pessoa que olha a sentir-se algo melhor. E o contrário também é verdadeiro. Ver-se descuidado, semblante triste, reforça a sensação depressiva. E o nosso Psicodrama? Ele tem entre suas técnicas fundamentais o chamado Espelho. E o Espelho usa o palco como se tornasse possível a pessoa ver-se agindo de fora, sendo plateia de si. O Diretor/Condutor, após uma cena determinada, solicita ao protagonista que saia do palco para ver, em seu lugar, um ego Auxiliar reencenando o que aconteceu antes. Ao sair do palco, saindo do mundo do Como Se, indo para a plateia, o protagonista vê-se em ação. Seu gestual, sua expressão facial, seu tom de voz, sua prosódia sua interação. Vê-se, enfim. E para que? Ao contrário da interpretação de uma história contada que traduz o ponto de vista do psicoterapeuta, aqui é a própria pessoa que tem a chance de ver-se e ter uma nova opinião, uma nova dúvida. Muda-se algo na mirada da vida. Inclui-se o ponto de vista observacional e relacional do outro. Não, a dor da gente não sai no jornal. Mas, no palco psicodramático o protagonista tem a possibilidade de perceber isto. Que, como dizia Moreno , a nossa cabeça não é transparente. E por assim ser, a dor transforma a todos em ilhas, isoladas sem relações entre elas. O vínculo é o istmo/ponte que muda a ilha em continente. O palco psicodramático e todas as suas técnicas fundamentais promovem essa construção de pontes vinculares, transformando ilhas em penínsulas.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Alunos? Mestres

O Pai do Psicodrama, Jacob Levy Moreno, e a Mãe (sim, Zerka Moreno foi a Mãe do Psicodrama atual) quando falavam de papeis. E Papel é  a maneira pela qual pessoas envolvidas em um vínculo exibem traços culturais e pessoais, de forma  ativa e  complementar. E ao falarem da dinâmica dos papéis nos ensinam que ao entrarmos numa relação vincular qualquer, pessoal ou profissional, no primeiro momento, Role Taking (Tomada de Papel), há tanto temores quanto desejos. É quando apreendemos e aprendemos o be-a-ba do papel. É quando parece inalcançável, é quando se precisa persistir ainda que a voz interior diga que não dará certo. Em algum momento, a relação começa a fluir, percebemos, ainda com temor, mas já com alegria e prazer que fazemos direitinho. Esse momento chamamos Role Playing. Um parêntese: a tradução habitual é desempenho. To Play é um verbo muito mais rico do que o verbo desempenhar. To play é atuar (cenicamente), é tocar um instrumento, é jogar, é brincar. Não é, tão só e friamente, desempenhar mecânica e assepticamente. Role-Playing inclui todos aqueles sentidos que perdemos na tradução. Eventualmente, em circunstâncias cruciais, quando os manuais já não nos dão suporte, o supervisor já não tem respostas, algumas criam soluções originais, fora do script. Um salto sem paraquedas na certeza de voar. Role Creating (Criação no papel).  Coração dispara, garganta seca. O estômago contrai. Um parto.  Maiêutica (partejar em grego e em Sócrates) psicodramática. Como os partos, não acontecem sempre. Como os partos, alegria faz par com temor. Como os partos damos à luz uma ação original. Com prazer, alegria e um sincero "como pude fazer isso?". E voltamos a desenvolver a ação partejada. Uma cria nova. E essa história não nem deve ser vista como sucessão de fases. A vida é dinâmica, as relações são dinâmicas. A cada momento podemos passar pelos modos de funcionar. É uma dança circular e continua. E sendo assim, vitaliza as relações entre papéis, elas não se cristalizam, não se fossilizam. Desejar, aprender/apreender, fazer, desejar, aprender, fazer. E criar quando nos permitimos colocar o pé no vazio. A imagem do filhote de passarinho que nunca voou saindo do ninho. As asas foram criadas, mas quem as bate somos nós. Isso não é crença que visa sempre o resultado. Isso é Fé, confiança no método. Salto no escuro.
Esse texto é dedicado aos membros da PROFINT. Alunos? Não. Mestres.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Carnaval e Psicodrama

Carnaval. "Carnis levare", Início dos quarenta dias da Quaresma, quando o comer carne é proibido. Cristianização da Lupercália romana. E nessa festa há o que falar. O calendário romano iniciava-se em março, mês dedicado à principal divindade romana, o deus Marte. Então, no mês anterior era o mês da purificação e da fertilidade. Em 15 de fevereiro (Februarius em Latim, februs = purificação) Era a Lupercália, terceiro dia dessa comemoração. Rito em que homens nus corriam açoitando com tiras de pele de animal todos e, principalmente as mulheres. Ser açoitada por esses chicotes e marcadas pelo sangue do sacrifício, era sinal de fertilidade. Mas, o caos era completo. Caos, sem organização, em que os hábitos eram invertidos, papéis eram invertidos, exibição de uma desinibição sem freios. Esgotava-se o ano civil com essa explosão catártica e fértil. E o nosso Psicodrama? Durante muito tempo o Teatro da Espontaneidade de Moreno foi associado a um happening, a um "laissez faire". A um caos. A quase uma lupercália onde nada é proibido e tudo é permitido. E ainda agora,  a maioria das pessoas associa espontaneidade com descontrole e exposição, "fazer o que dá na cabeça". Algo atemorizante muitas vezes. Espontaneidade, para Moreno, é ter liberdade de se fazer e Criatividade, sempre associada, a capacidade, o poder de fazer a melhor escolha, para a cena, para a vida. Ser mais espontâneo, diminuindo as restrições, é ter mais possibilidades de escolha para o ato criativo. Não falamos nem pensamos, no Psicodrama, na espontaneidade solta, descolada da ação criativa. Espontaneidade sem criatividade é espontaneísmo. Desenvolver, aumentar a Espontaneidade é diminuir as  restrições prévias, os "não pode" antecipados, os prejulgamentos, as pressuposições. Numa atividade psicodramática esse é o objetivo de nosso Aquecimento (Caldeamento, Warming up). E para que? Para possibilitar a escolha da melhor ação criativa na Cena. Seja na Cena, seja na Vida. Espontaneidade é um estado, Criatividade é uma ação. 

domingo, 21 de janeiro de 2024

O côncavo e o convexo

Escrevo sobre Psicodrama, sempre relacionado com as coisas da vida, no consultório e além consultório. E por que faço isto? Porque, apesar do psicodrama ser mais que centenário, ainda é um ilustre desconhecido para o senso comum. Como entre a palavra psico e a palavra drama parece que a palavra drama chama mais a atenção. Drama, dramático, teatro, teatrinho, banalidade. E psico, remete à psicologia, psicoterapia. Seria um teatrinho em que apenas se representa uma atitude dramática? E olhem que a palavra drama e dramático já tem algo de desqualificante, leviano, no uso cotidiano. Não. O Psicodrama advém do Teatro, mas não é Teatro. Teatro é re(a)presentação de algo escrito ou imaginado, por um autor,e atuado por um ator ou atriz. As técnicas psicodramáticas vêm do fazer teatral, o palco é do Teatro. Mas a peça é a história daquela pessoa ou grupo. O protagonista em uma peça teatral é a personagem central re(a)presentada por um ator. No Psicodrama o protagonista/autor atua sua vida no aqui e agora. O texto é vivido naquele instante. No palco teatral, tal como descrito por Aristóteles, é a plateia que sente o impacto da catarse da história. Não o ator/atriz. Esse sentiu o impacto na leitura, nos ensaios, na criação da personagem. Não na hora da atuação. Naquele momento é a personagem quem atua.. No Psicodrama é o protagonista e o grupo que vivenciam o impacto catártico de sua própria história. As técnicas psicodramáticas são para o protagonista/autor também ser a plateia de si. ver-se em cena. O Psicodrama, fenomenologicamente, põe o protagonista para experimentar os múltiplos papéis em cena. As várias posições de olhar de cada papel com o qual se relaciona. O palco no Psicodrama é experiência de multiplicar miradas e visões, de incorporar, além da sua já existente, outras formas e maneiras de conhecer e experienciar o mundo e suas relações. O drama que cuidamos é o Drama do existir de cada um em seus múltiplos papéis e vínculos. É o dentro e o fora, o subjetivo e o objetivo, o côncavo e o convexo.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Além, muito além...

 Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte...". Por acaso, reli esse trecho inicial de Iracema, obra de José de Alencar. E esse trecho, pequeno trecho, me remeteu ao Psicodrama. Moreno, criador do Psicodrama, e Zerka, grande renovadora do Psicodrama, tinham pontos de vista, posturas, atitudes, que não são fáceis de entender e muito menos de atuá-las. Talvez por isto, certamente por isto, fazer Psicodrama e tudo relacionado a ele, não é apenas aprender uma técnica ou várias técnicas. Não é só um saber a ser aprendido. Além, muito além disto, é ter como fundamento a ideia que todos podem ser agentes da própria mudança. É ter como fundamento ser o grupo senhor de seu destino, sendo o condutor/diretor um organizador, um iluminador de cenas, um estimulador de novas aventuras. É ter como fundamento o respeito integral a tudo o que aconteça no e com o grupo. É ter como fundamento ser ele, o condutor, um sensor do clima do grupo, por estar em papel diferenciado, sendo simultaneamente o diretor e membro do grupo. É ter como fundamento ser o aqui e agora o tempo e espaço do Psicodrama, mantendo todo o tempo o protagonista e o grupo nesse aqui e agora, palco da vida. É isto: Além, muito além das técnicas psicodramáticas que ainda azulam no horizonte.

Postagem em destaque

E assim é.

Experimentar e refletir.  Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo.  Há mais de trinta anos...