O ano do calendário está se encerrando. Chegará, enfim, amanhã, o dia número 365. E depois o Dia 1 estará aí. O calendário diz que as coisas terminam e recomeçam. Todo ano há um fim de ano e há um primeiro dia do novo ano. Mas, em nós, parece que vivemos como se a estrada da vida fosse uma linha reta de mão única. Parece-nos que os começos são novidades e os fins são definitivos. Talvez por isso a culpa esteja presente sempre em nós, como se o passado fosse sempre passado, irremediavelmente passado. E o futuro nos chega como sempre oportunidades únicas, irrepetíveis, o tal do cavalo selado que só passa uma vez. "Perdeu, playboy!". E se, realmente, olharmos para as coisas como se houvesse, sempre, a possibilidade, de fazer de forma diferente aquilo que se fez e não deu certo? E se pudéssemos experimentar novos erros, em lugar de imobilizarmo-nos na culpa penitencial? Na filosofia Moreniana que embasa o Psicodrama está sempre o presente, palco do passado e da expectativa do futuro. Mas sempre o presente. Onde, ajudados pela louca da casa, a imaginação, podemos experimentar a re-visão do passado e viver o futuro. E, por fim, sair da imobilidade da culpa e da dor (do passado) e da imobilidade do temor (do futuro). Psicodrama é mais do que exercício de técnicas psicodramáticas. Psicodrama é o exercício contínuo da flexibilidade como instrumento do viver. Que possamos cometer erros novos. Porque repeti-los não é inteligente, e não tê-los é estarmos imóveis e imobilizados na vida.
sábado, 30 de dezembro de 2023
quarta-feira, 20 de dezembro de 2023
Natal e Psicodrama
A origem do Natal está nas comemorações do Solstício de Inverno no Hemisfério Norte. Solstícios são os pontos da trajetória terrestre em que os hemisférios estão mais próximos (verão) ou mais distantes (inverno) do Sol. Assim, para as tradições místicas do Hemisfério Norte, esse período era quando, em seu hemisfério, Dezembro, a inclinação da Terra em relação ao Sol, voltava a se aproximar, quando o Inverno anunciava o seu fim, quando as esperanças de um novo plantio, de um degelo, surgiam, respondendo à expectativa da espera. Nas tradições místicas isso era o símbolo da renovação, do anúncio de um novo tempo. Avatares e deuses eram comemorados nesse dia. Krishina, Mitra, por exemplo. Por isto a tradição cristã aproveitou-se desse simbolismo. E isso que tem a ver com o nosso Psicodrama/Teatro Espontâneo? Nada. E tudo. Moreno, o criador do Método Socionômico (Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama) era um judeu imbuído das tradições judaicas, principalmente da filosofia hassídica. E esse Hassidismo tinha por base a renovação, a fé na transformação, a esperança de um recomeço. Socionomia, Sociodrama, Psicodrama Morenianos são sempre fundados nessa atitude de mudança, transformação, um novo olhar, uma nova chance, um outro começo. Que seja assim e assim seja para cada pessoa e para todas as pessoas.
terça-feira, 5 de dezembro de 2023
O boomerang
Quanto eu aprendo com meus pacientes? Quanto o que digo a eles se dirige, como um boomerang, para mim? Quanto o que eles concluem sobre si reflete em mim? Assim como ele é o outro para mim, eu sou o outro para ele. Ao contrário de outras abordagens, o corpo do Diretor/Condutor, verdadeiramente em carne e sangue, está presente todo o tempo. É possível, não sei, que em outras abordagens a presença da pessoa do psicoterapeuta não seja tão visível, que a técnica possa se sobrepor ao estilo. E dizia o Conde de Buffon que "o estilo é o Homem". A relação terapêutica no Psicodrama se faz entre duas pessoas que atuam em papeis diferenciados. Em nossa abordagem, seja a forma Bipessoal ou a forma Grupal, há diferenças marcantes no uso das técnicas psicodramáticas entre condutores diferentes. Ritmo, estética, olhar, vivência da filosofia psicodramática. No Psicodrama não é difícil encontrar-se conduções psicodramáticas sem nada ter a ver com o cerne, o centro do Psicodrama. E esse cerne, esse centro, necessariamente, tem a ver com as ideias de Moreno que podem se expressar pelas técnicas. Mas, o exercício, apenas, da técnica não faz, necessariamente, um Psicodramatista.
terça-feira, 28 de novembro de 2023
la Fontaine
Sempre considerei os poetas, escritores, artistas em geral, como os que chegam, primeiro e melhor esteticamente, ao ser humano e seu existir, comparando com os técnicos, como nós. Há uma fábula de la Fontaine, as Raposas e as Uvas. essa fábula, em que a raposa, por não conseguir alcançar o galho da parreira onde estavam as uvas desejadas, sai dizendo: "Mas, também, elas estão verdes!". Quanta humanidade nessa fábula! Há uma outra expressão popular que diz: "Quem desdenha, quer comprar!". .A mesma coisa. Desqualifica-se aquilo que não se pode ter ou alcançar. E isto acontece corriqueiramente. E esta é uma das situações em que, propondo-se a cena em ação, o protagonista saindo do palco, um ego auxiliar ocupando seu papel e ele, o protagonista vendo e enxergando de fora do palco, de fora da cena, sua vida passando ante seus olhos. A isto chamamos de Espelho. E por que? E Para que? Porque é sempre difícil ver-se de fora, ver-se como em cena, ver-se com os olhos da plateia. E essa técnica psicodramática, uma das três fundamentais, propicia isto. Sem interpretações do diretor/condutor/terapeuta. Ele, o protagonista tem a chance de ver-se. E perceber que seu desdém, seu enverdecimento de seu desejo, é uma manobra para não sofrer pela impossibilidade ou incapacidade. La Fontaine e Moreno. Duas visões analógicas do drama humano.
quarta-feira, 22 de novembro de 2023
Hoje no Psicodrama
Hoje, numa sessão psicoterápica, uma pessoa me fala sobre sua relação com seu enteado, portador de gravíssima quadro psiquiátrico, Diz ela: "Me sentei longe". Pedi para refazer a cena: Piscina, estirada numa cadeira, tomando sol, óculos escuros. Seguida por outra: respondendo a solicitação vai para a piscina com o enteado, senta-se no primeiro degrau, muda. Paro a cena e pergunto: Que está acontecendo agora com vc? Responde: " estou irritada, não queria estar aqui, acho desagradável estar com ele". Peço-lhe que capture esse estado e veja em sua vida onde mais esse estado esteve presente. "Claro, nas reuniões obrigatórios com meu pai". " E no meu ciúme de minha irmã com minha mãe". E continuamos. Mais do que a história acontecida e verbalizada, o acréscimo da cena deu-lhe uma chance de perceber no aqui e agora os afetos envolvidos e pôde fazer a ligação entre cenas anteriores e as atuais. é o que me encanta em nosso Psicodrama. Sua potência terapêutica. Potência de, ao presentificar o passado, poder vivenciar as múltiplas camadas que a cena traz e tem e contém. Sem que houvesse interpretações de minha parte. Era sua cena, vista e enxergada por ela. Era sua a compreensão.
domingo, 12 de novembro de 2023
Onde se fala de agricultura e outras coisas
Espontaneidade, espontâneo, Teatro da Espontaneidade, Teatro Espontâneo. A espontaneidade é como a humildade: quando as percebemos, as perdemos. Quando mais temos delas consciência, menos elas serão reais. É que, tanto uma quanto a outra, não são atos, ações. São estados de alma pré-existentes que servem de chão e base para as ações que a criatividade e a necessidade e a adequação à circunstância/cena requeiram. Humildade e Espontaneidade são estados a serem cultivados. Como se cultiva alguma planta qualquer. Deixa-se a semente, aguamos, damos sustentação e esperamos que venha à luz a planta, a espontaneidade, a humildade. Elas não são objetivos a serem alcançados, perseguidos.. Elas são as condições para que a Criatividade tenha à mão todos os recursos possíveis para poder escolher o melhor ato criativo. A Espontaneidade é uma condição humana para se adequar ao ambiente. Talvez por isso, ao se fazer Teatro Espontâneo, em que não há roteiro escrito, não há metas a serem alcançadas, não há fins previstos, em que o grupo tem o coração e o motivo para criarem algo coletivamente, em que o Diretor/Condutor está despido de qualquer veste autoritária, viés autoral. Tal como o Jardineiro Fiel ele cuida do grupo, da cena, poda algumas folhas/imagens para ajudar no crescimento da planta/cena, o aquecimento é o preparo da terra, a fertilização do solo, a correção das deficiências que porventura haja no solo/grupo. Ele está a serviço do grupo, como um jardineiro fiel está para a sua planta. O Jardineiro conhece a melhor maneira para ajudar sua planta, mas não pode forçá-la, fazê-la ser o que ele quer e não o que ela pode ser e quer ser. Por isso, em todos os tempos a agricultura é símbolo da paciência, confiança, humildade. E, em nosso caso, da Espontaneidade. PS. A Alquimia era também conhecida como Agricultura Celeste. Pelas mesmas razões: Paciência, confiança, humildade, a espera pelo melhor tempo para a a Grande Obra. A nossa Grande Obra é a Cena.
sábado, 4 de novembro de 2023
Tempos
"Tempo, Tempo, Tempo. És o Senhor do Destino". (Caetano Veloso). Sete décadas de minhas voltas em redor do Sol. E o que significa? Experiência? Já li definições de experiência como: "um pente que é dado ao ser humano quando ele já está ficando careca". Hipócrates dizia que "toda experiência é enganosa". Outro dia, conversando com algumas pessoas sobre algo da década de 50/60 disse: "a minha vantagem é que não li em livros, eu vivi a mudança paradigmática dos anos 50/60." O velho é testemunha da História. Se tiver olhos para enxergar além de ver, apenas. Mas, todos nós, qualquer que seja a nossa idade, somos testemunhas da História. Talvez, a questão central não seja a duração cronológica de nossas vidas. Talvez a questão central seja vivenciar o vivido. Moreno, criador do Psicodrama, referia-se a isso como "Momento". O tempo do vivido. Kairós, em Grego, diferente do Chronos, tempo marcado em relógio. O Momento Moreniano, o vivido e experienciado, diferente do tempo cronológico automatizado das conservas culturais. Existir, viver, vivenciar, Momento Moreniano.
domingo, 29 de outubro de 2023
Surpresas
Conversando com alguns, bem mais jovens, médicos, escutei, surpreso de forma agradável, algumas observações: "Eu converso com meu paciente e isso a consulta ficar melhor"; "acho que é mais importante dizer que ele não tem gravidade do que dizer que ele não tem nada"; "Acho que a gente não entende de saúde, a gente aprende doença". O que um médico psiquiatra psicodramatista contribui nessa conversa? Eu disse: "acho que vcs estão falando de CLÌNICA". A palavra clínica vem do Grego Klinikós que significa Leito. Ou seja o Clínico está junto com o paciente, na intimidade do leito (real ou figurado) do paciente. O grande clínico e pensador da Medicina, William Osler disse: "O bom médico trata as doenças, mas o grande médico trata o paciente”. Tratar o paciente é estabelecer um vínculo entre o profissional e o paciente, não entre, apenas, o profissional e a doença. E é aí que o nosso Moreno, criador do Psicodrama, aparece com sua insistência em ser o ser humano um ser relacional. O médico medieval Avicena disse: "A imaginação é a metade da doença; a tranquilidade é a metade do remédio; e a paciência é o começo da cura". Reconhecer o ser humano que TEM a doença, mas não É a doença, é a essência do exercício dessa atividade profissional tão humana e tão antiga. Bem a atitude psicodramática. Mesmo não sendo Psicodrama, é Psicodrama.
terça-feira, 17 de outubro de 2023
Ah, a criação espontânea!
Numa manhã de domingo ensolarado, estávamos, eu e o pessoal da Matriz Criativa (CE), conversando e trabalhando sobre Teatro Espontâneo. Já é o nosso segundo encontro online. nesse dia nos dedicamos a perceber e criar o senso de história: início, desenrolar, desfecho. Ritmo, estética. Em uma das vezes após experimentarmos várias vezes, uma participante inicia com um grito "Fora!", a participante seguinte emenda com "Dentro!", a próxima disse, em tom de voz algo conciliador: "Dentro, Fora". E o último encerra com tom enfático e definitivo: "dentro, fora, o que importa?". Interrompo e faço uma observação: "Vcs perceberam que dramatizaram a Fita de Moebius (Uma fita torcida uma vez, em que o lado externo se torna lado interno ao ser continuado? ? "Imaginem se, em vez de criarem espontaneamente, eu lhes houvesse pedido para "Dramatizem a fita de Moebius!"? Belo exemplo de criação coletiva que faz brotar do caos amorfo inicial um cosmo de criação que pode ser lida e sentida de múltiplas formas. Um sketch espontâneo com resultado filosófico.
quarta-feira, 11 de outubro de 2023
O artista e o diretor
Assistia a uma entrevista do grande pianista, já falecido, Arthur Rubinstein, em que lhe é perguntado o que ele achava de ser considerado o melhor pianista do mundo. Diz ele: "Fico muito aborrecido. Em Arte não há como se dizer o maior ou melhor. Cada artista pode ser diferente". De fato, afora os esportes e outras situações em que claramente um ganha e outro perde, só se pode ser diferente. Assim é na direção de um ato psicodramático. Como uma obra artística, o dirigir não pode ser julgado em termos de melhor ou pior. mas, sim, de que forma aquele que dirigiu usou as ferramentas à sua disposição e o olhar psicodramático para atingir o objetivo. Em Psicodrama, em toda direção de ações socionômicas há estilo, há ritmo, há estética. Isso é que faz a diferença entre os vários Diretores. A atenção para o ritmo, aquecimento, estética da cena pode fazer daquele ato de uma intervenção terapêutica a uma obra de arte cênica.
segunda-feira, 2 de outubro de 2023
A ponte e o vínculo
Congresso de Psicodrama. Florianópolis. Ponte Hercílio Luz. Ponte. Pontes. Ligação de ilha ao continente. Vínculo. Ligação entre papéis. Tema do Congresso. Atividade pública no parque. "Quando o muro separa, uma ponte une". Dia chuvoso. Toldo grande, cadeiras. Espaço. Primeira ponte se fez entre eu e a Música. Segunda ponte entre eu e o músico (Blévio e Regina). Pessoas chegando. Sentando. Esperando. A Música inicia-se e vai-se construindo com a sensibilidade de Diretor de Psicodrama do nosso casal. As pessoas são convidadas a sentir as músicas, sentir o corpo e deixar o corpo dançar. Camila. O aquecimento vai-se fazendo sem palavras. Só música, letras, voz e violão. Mercedes Sosa, Caetano, Ceumar, Lenine. Todos, enfim, no presente e aqui. Dispostos e disponíveis. Duas histórias. De pontes rompidas e muros construídos e impenetráveis. Pessoas passeando no parque. parando para escutar as músicas e ficando pelo que estava rolando. Uma nova história, de uma dessas pessoas. Um novo olhar. Uma nova ponte. O final intenso. O compartilhamento inicia-se por outro passante que tornou-se ficante. Diz ele;" Foi comovente e verdadeiro". Bela definição de um ato psicodramático. Atingiu e comoveu. Mas foi visto não como representação tão somente, mas como uma dramatização vivida no como se. Toda a potência de um palco e de um método. Obrigado Blévio, Regina, Camila, Ademar, Mari e Mari. Obrigado a Moysés. As pontes podem, sim, ser construídas.
segunda-feira, 25 de setembro de 2023
Novamente Alice
Lendo Alice através do Espelho, de Lewis Carrol, vi esta passagem: “O que você acharia de morar na Casa do Espelho, Kitty? Será que lhe dariam leite lá? Talvez o leite do Espelho não seja gostoso… mas, oh, Kitty! agora chegamos ao corredor. Só se consegue dar uma espiadinha no corredor da Casa do Espelho deixando a porta da nossa sala de estar escancarada: é muito parecido com o nosso corredor, até onde se pode ver, só que adiante pode ser completamente diferente. Oh, Kitty, como seria bom se pudéssemos atravessar para a Casa do Espelho! Tenho certeza de que nela, oh! há tantas coisas bonitas! Vamos fazer de conta que é possível atravessar para lá de alguma maneira, Kitty. Vamos fazer de conta que o espelho ficou todo macio, como gaze, para podermos atravessá-lo." Não há como não lembrar de uma das três técnicas fundamentais do Psicodrama: o Espelho. Sinteticamente, o protagonista passa a ser plateia e um ego auxiliar reproduz sua cena que ele a verá de fora. Aqui Alice tem a curiosidade de ver além do corredor que não está visível de onde ela está. Ela atravessa o espelho e diz:" É muito parecido com o nosso corredor, até onde se pode ver, só que adiante pode ser completamente diferente. " Ela abre a possibilidade de ver além do que já foi visto. É tudo que esperamos do Psicodrama. Dar e dar-se uma nova chance de ver além do corredor.
sábado, 16 de setembro de 2023
Dostoievski e Moreno
Relendo Crime e Castigo de Dostoievski me deparei com essa passagem: ""Porque exiges de mim um heroísmo que talvez não tenhas? Isso é tirania, é uma violência!". Vem-me à cabeça muitas coisas. Uma, é sempre mais fácil dizer ao outro o que deve ser feito. Outra, de fora não se tem a dimensão subjetiva de nossas ações. Moreno dizia que nossa cabeça não é transparente para os outros. Esse trecho do grande russo mostra também o caráter tirânico do conselho compulsório. E aí, não há como não lembrar do nosso Psicodrama. O dr. J.L. Moreno (como ele gostava de ser chamado) colocou a Inversão de Papéis, uma das três técnicas fundamentais, como aquele que está no seu poema considerado Divisa do Psicodrama: "Então ver-te-ei com os teus olho e tu ver-me-ás com os meus". Isso é inversão de papéis. Incluir o ponto de vista do outro aliando-se ao meu ponto de vista. Aí saímos do do impasse dostoievskiano. Nós poderemos sugerir admitindo o sentimento e visão de mundo do outro. Deixando a ordem (assim é sentido) tirânica e ditatorial e passando a uma ajuda ou sugestão mais sintônica e harmônica com a posição existencial daquele que está em sofrimento. Psicodrama ontem, hoje e sempre.
sábado, 9 de setembro de 2023
Sonhos impossíveis
Realizando um Psicodrama Público (Diadema), o tema era a canção do musical "Homem de La Mancha", "Sonhar, sonhar mais um sonho impossível". Muitas pessoas, muitos psicodramatistas, estudantes de quarto semestre de Psicologia (Disciplina Psicodrama). Cada pessoa escolheu um verso para si. Solicitamos que nos trouxessem uma imagem ou cena para a qual aquele verso pudesse ser a legenda. Três apareceram. "É minha lei, é minha questão", "Se esse chão que beijei for meu leito e perdão" e "Sonhar mais um sonho impossível". As três cenas foram dramatizadas. É sempre bom escutar a experiência de quem participa pela primeira vez. "Não esperava, me surpreendeu", "Não gosto de me expor, mas aqui me senti acolhida. Sinto estar em algo maior do que eu, mas eu faço parte disso", "Gostaria de ter tido mais coragem, veio uma cena, mas tive vergonha. Da próxima vez não perderei a oportunidade". Uma psicodramatista, repetindo o caso Dora, diz "sempre faço papéis de boazinha, hoje fiz de uma vilã, foi diferente". Quarenta anos depois uma cena encontra uma nova perspectiva. "Minha autoestima sem crítica destrutiva, aumentou". Duplos, solilóquios, interposição de resistência, inversão de papéis. entrevista no papel, catarse de integração. Múltiplas técnicas. Mas o Psicodrama está além e acima do exercício de técnicas. Confiança no grupo, confiança no Método, deixar o protagonista ser guia de sua história, não pretender ou supor que há necessidade de dar soluções ao fim e ao cabo. Aceitar o timing da cena e da vida.
Mais um sonho impossível
O inimigo invencível
A tortura implacável
A incabível prisão
Num limite improvável
O inacessível chão
Se é terrível demais
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
segunda-feira, 4 de setembro de 2023
Ah, a música!
Realizamos uma atividade aberta para o Congresso Iberoamericano de Psicodrama. O tema era "A Ponte e a Ilha". A trilha sonora era sobre isso, mas a música que se revelou o tema protagônico foi de Lenine e Lula Queiroga, A Ponte. Nela há há três versos, entre tantos, que nos chama a atenção psicodramática. Uma é "Como se faz para lavar a roupa? Vai na fonte". Outra "A ilha é uma maravilha, mas como se faz para sair da ilha? Pela ponte". E o terceiro, "A ponte não é para ir nem para voltar, é somente para atravessar". Esses três versos são o resumo do Psicodrama. O primeiro, referindo-se ao óbvio ( e necessário) lembrete, para se lavar uma roupa, vai-se na fonte. Buscar a fonte de cada cena desdobrada, ou em psicodramtiquês, o Status Nascendi (O ovo, a cena em seu estado de nascimento) de cada cena: É na fonte que lavamos a roupa. O segundo verso, sobre a ilha ser uma maravilha, mas é uma ilha. Isolada, sem contato com o continente. Físico, na geografia. Relacional, em nosso caso humano e psicodramático. As relações em corredor, simbióticas, podem ser uma maravilha, mas são estéreis relacionalmente, isoladas. Lagoa Azul. E como se faz para sair de uma ilha que é uma maravilha? Pela ponte. Pela construção de vínculos outros. Em outros e múltiplos papéis. Cada ponte construída é um vínculo novo criado. O terceiro verso define o exercício do Psicodrama: Não é para ir nem voltar. É para atravessar. Sair da ilha relacional ou conceitual, estabelecer pontes-vínculo novos. Sai da imobilidade da conserva, ainda que maravilhosa. Atravessar é um verbo de movimento, É dado aos Papas o título de Pontifex, construtor de pontes. Para seu papel de líder religioso é inteligível. O Psicodramatista é um Pontifex.
quarta-feira, 30 de agosto de 2023
Fatos, imaginação e música
Quando me dei conta, já se passaram 16 dias desde a última postagem aqui no Blog. E aí me veio a necessidade de escrever algo. O que estou fazendo agora é abrir o blog, iniciar a escrever falando do que me acontece agora. e nesse momento me surge a ideia de relacionar com o compromisso de uma direção psicodramática. E se, convidado para dirigir uma atividade eu houvesse me esquecido e, pegado de surpresa com o lembrete do celular, chego rapidamente ao local onde haverá a atividade. Não tinha me preparado e devo dirigir. Continuando o "Como se", chego à sala, me apresento ou sou apresentado, e conto o que me aconteceu. Que, esbaforido, cheguei, por haver me esquecido do horário. Falo da surpresa, do receio de faltar ao compromisso, da vontade de realizar o compromisso, e da tela em branco que estava em minha cabeça naquela hora. peço ao grupo para compartilhar se vivenciaram algo assim. Aparecem alguns relatos e...iniciou-se o Psicodrama. O aquecimento, primeira fase de qualquer atividade socionômica (Psicodrama, Sociodrama, Teatro Espontâneo, Axiodrama), é para o grupo e para o Diretor. Na maioria das vezes, o aquecimento do Diretor é anterior ao início da ação psicodramática. Chega mais cedo, reconhece o espaço, apropria-se do espaço cênico, se prepara fisicamente, relaxa o corpo. Mas, e se acontece algo como na cena proposta? o aquecimento dar-se-á em ação. Troca-se o pneu com o carro em movimento. Tudo pode ser aproveitado e é aproveitável na ação psicodramática. Até o desaquecimento do próprio Diretor/Condutor. Colocar-se como o "´protagonista" inicial relatando suas dificuldades estabiliza emocionalmente o diretor/condutor e mostra ao grupo algo do que pode e é esperado acontecer. Como diz Pepeu Gomes: "A noite vai ter Lua cheia e tudo pode acontecer".
segunda-feira, 14 de agosto de 2023
MIles Davis. Mestre.
Não toco nenhum instrumento e sou apaixonado por música. A frase de Nietzsche "A vida sem música seria um erro" poderia ser minha legenda de vida. Vendo uma entrevista de Herbie Hancock em que ele cita o grande Miles Davis como tendo dito a ele após Herbie tocar uma note errada: "It's not the note you play that's the wrong note - it's the note you play afterwards that makes it right or wrong." "Não é a nota que você toca que é errada. É a nota seguinte que faz o acerto ou o erro.". Isso é pura Direção em Psicodrama ou em Teatro Espontâneo. O erro pode ser o início espontâneo de uma nova versão. Se, ao percebermos nosso engano ficamos paralisados procurando consertar, perderemos o ritmo, o timing, bloquearemos nossa criatividade. É a nota seguinte que exibe espetacularmente o nosso engano ou nos coloca em um novo caminho.
terça-feira, 1 de agosto de 2023
Não, nunca são.
Perdi um grande mestre, um grande companheiro, um grande ser humano. Perguntaram-me como estava. E respondi que sabia da situação progressivamente ruim de saúde dele, mas quando aconteceu fiquei triste. "Mas vc sabia que ia acontecer". Sim, sabia. mas o fato, a transição, a morte aconteceu recentemente. Há oito anos tb vivi algo parecido. E isso me remete a que as experiências só são efetivamente lidadas quando acontecem. "As coisas nunca são como imaginamos, ou são melhores ou são piores". Li isso há tempos. O Psicodrama possibilita que o fato imaginado, temido, sonhado, seja, efetivamente, vivido como se fosse realidade real. Não imaginamos o futuro, nem lembramos o passado. O palco psicodramático é um grande máquina do tempo que traz, o passado vivido ou imaginado e o futuro imaginado ou sonhado ou desejado, para o presente da cena. E, no como se psicodramático, vive-se o como é da realidade real. Não, as coisas nunca são como imaginadas. Não apenas são melhores ou piores. Elas podem ser diferentes. A dramatização psicodramática abre a chance de uma outra visão, de uma outra experiência.
sábado, 22 de julho de 2023
De como o Psicodrama cria
É. Eu aprendo e me surpreendo com o Psicodrama. Realizando hoje uma atividade aberta, havia apenas cinco pessoas. A história dramatizada, a partir do aquecimento, nasceu de uma série de palavras e de um gesto. Cm esses tijolos uma pessoa construiu uma sinopse de história. Convidadas para serem egos auxiliares, os participantes só tinham , para se guiar, sua espontaneidade criativa e o clima sugerido. E foi mágico, surpreendente, potente, recriador. Como todos somos seres humanos, sempre, caso deixemos nosso lado espontâneo criativo aparecer, somos capazes de fazer algo da dor, da alegria, da dúvida, da certeza, do outro. E isto aconteceu. E a história dramatizada atingiu a todos. Do Caos houve o Cosmos. Do amorfo surgiu a forma, do nada surgiu o tudo. E Moreno disse: "Sê espontâneo!". E a luz se fez.
terça-feira, 18 de julho de 2023
Certezas e acasos
Quando sentimos que o tempo passou ou está passando? Quando algum evento nos lembra que todo “até logo” pode ser um “adeus”. Pode ser uma perda de vínculo afetivo, morte de ídolo, diagnóstico médico. A consciência de que há um limite. Só que não sabemos se é no próximo minuto ou daqui a cem anos. Para lidar com isso, penso que há alguns truques. Crer-se imortal é um deles. Outro, quase sempre presente em manuais de autoajuda: ”Só vivemos no presente”. Chamo de truques porque, no fundo, não torna mais aceitável a imponderabilidade da vida. Não é mais fácil suportar-se que, façamos o que façamos, o destino é uma loteria. O Acaso representa muito na vida. Por acaso há diversidade genética, por acaso há seleção natural, por acaso há evolução biológica, por acaso vivemos, por acaso morremos. Existir pode ser fácil. Viver, tomar consciência, conviver com o eterno acaso. Einstein não podendo suportar a incerteza da Mecânica Quântica cunhou a frase: “Deus não joga dados”. Talvez Deus seja os dados.
quinta-feira, 13 de julho de 2023
Por que?
Por que escrever tanto sobre Psicodrama? Porque, em relação à outras abordagens e métodos psicoterápicos ele é menos conhecido. E reconhecido. Muitas vezes o método psicodramático é minimizado como teatrinho, representação, mera vivência experiencial. O que o Psicodrama (Nome metonímico de todas as ferramentas socionômicas criadas por J.L.Moreno) trouxe de novo e revolucionário foi trazer ao centro de atenção a tridimensionalidade de todas as ações humanas. A história narrada é linear, é submetida ao leito de Procusto da narrativa. O que vem antes torna-se causa do que vem depois. Coisas simultâneas tem que ser narradas de forma sequencial. O corpo, na narrativa é imaginado, a forma verbal ganha precedência. Na metodologia Moreniana VEMOS a cena, podemos participar delas, el a é concreta e não imaginada, a linguagem analógica gestual pode ser percebida. Ao verbo se acrescenta o corpo e a ação. O palco, onde a cena se desenrola torna-se, por força do aquecimento e do "Como Se", a própria realidade do acontecido, do imaginado, do sonhado. O "Como Se" torna-se "É". Isso é um pouco do mundo psicodramático.
domingo, 9 de julho de 2023
Ok, mas...
Psicodrama é F***! Nessa manhã tivemos uma linda experiência psicodramática. Inicia-se com três pessoas. E, como em todo aquecimento, vamos tateando a melhor forma de fazê-lo. Chega uma quarta pessoa, trazendo uma quinta pessoa. E essa quinta pessoa tem 10 meses de idade. Depois uma sexta pessoa. Sugiro, lembrando-me de uma outra experiência profunda em que tb isso aconteceu, que todos os participantes brincassem de "cacique". Todos os menores gestos feitos pelo mini participante eram por nós imitados. Ele rapidamente percebeu o que acontecia, abriu um sorriso brincalhão e passou a experimentar gestos novos. Isso levou o grupo a um estado de "emoção divertida". Recuperando as consonâncias de cada um dos membros do grupo, chegamos a criar uma história. História, vimos depois, comum e corriqueira, da maternidade, das relações intrafamiliar e interpessoal, , das redes ou da falta de redes, da rigidez do certo e saudável ao possível para mim. O papel de Mãe e o papel de Filho (Esse atuado pelo minipartcipante de 10 meses. Com a espontaneidade da criança age, ele participou e entrou na "brincadeira". Escolhendo, negando, chorando.. Ao fim, a expressão de desespero da protagonista: "toda saída que escolho aparece um empecilho". Compartilhando, o Co-Inconsciente grupal Moreniano falou alto. Um participante recém chegado à paternidade, outro que teve a vida vivida em boa parte, por conta própria, dependendo só de si. Uma mãe com história similar à história criada, duas psicólogas infantis. Tudo começou com um "..., mas... E termina com um compartilhamento: A histórias foi de vários ...,Mas..." pesados e em desespero,, e descobrimos que pode haver "...,Mas..." alegres , construtivos e motivadores. Frases soltas: "Tudo passa", "Tudo passa pode nos obrigar a aguentar demais". A vida como ela é. Psicodrama é vida, Teatro Espontâneo é vida.
terça-feira, 27 de junho de 2023
autômatos e espontâneos
Lendo o livro de Moreno "Quem sobreviverá?" tive diante de mim um clarão de centelha. Autômato e Sue Sponte significam, em grego e latim, a mesma coisa: "De vontade própria". Autós e Sue, próprios. Matos e Sponte, vontade. Mas o nosso Moreno assinalava já há mais de 50 anos os riscos do autômato e o seu antídoto, a espontaneidade criadora (sue sponte). Autômato, automático, espontâneo, espontaneidade. Onde diferiram essas duas palavras? O que significa hoje autômato, automático e o que significa hoje espontâneo? São quase antônimos. O autômato passou a ser um ser um instrumento dirigido a uma finalidade. Espontâneo passou a ser, no Psicodrama, a liberdade de escolha criativa. A resposta automática é única para toda questão. A resposta espontânea é adequada e proporcional. Ao fim, diz Moreno para sobreviver ao nosso empobrecimento criativo diante dos instrumentos automáticos temos que estimular a espontaneidade criadora e criativa. E isso para que não submerjamos à preguiça criativa gerada pelas facilidades dos instrumentos, cada vez mais sofisticados na capacidade de gerar e conservar conteúdos, com rapidez e precisão. São práticos, são úteis, são precisos, são rápidos. Mas, e os seres humanos serão ainda necessários? Ou seremos aprendizes de feiticeiros?
quarta-feira, 21 de junho de 2023
Companheirismo/companhia
Outro dia conversando com uma paciente apareceu uma dicotomia inesperada. O seu parceiro era uma excelente companhia, mas não era companheiro. Após o termino da sessão fiquei refletindo. Ser companheiro/a, ser companhia. Ambas têm sua etimologia na palavra pão, panis: o que compartilha o pão. Então o que difere? o que faz a diferença? Vamos pensar. O que seria uma companhia? Alguém que compartilha socialmente, alguém que tem uma boa conversa, alguém que topa tudo para se divertir, alguém que convive fácil em todos os círculos de amizade. E o que seria ser companheiro/a? É estar ao lado, alternando e invertendo papeis, é poder sentir o outro com a mesma sinalização afetiva, é, enfim, poder desenvolver uma relação télica. Então, a companhia é reconhecida no universo social O companheirismo é reconhecido numa relação de proximidade afetiva.
terça-feira, 13 de junho de 2023
Antonio, Fernando, Moreno
Hoje é 13 de Junho. Santo Antonio. De Lisboa e de Pádua. Meu onomástico. St. Antonio nasceu como Fernando. Ao ingressar na Ordem Franciscana tomou o nome de Antonio. É considerado pelos católicos como protetor de causas difíceis, buscador de parceria amorosa. E hoje é aniversário de nascimento de Fernando Pessoa, em 1888. Batizado como Fernando Antonio Nogueira Pessoa. Há um verso dele: "Todo começo é involuntário". Interpretar poesia é uma armadilha e uma traição ao poeta. Poesia sente-se. Com a cabeça e o coração. Então, para mim, esse verso remete à experiência psicodramática. Para mim, sugere que há de se aproveitar s coisas como as coisas se apresentam. Não se pode produzir o grupo ideal, o mundo ideal. Os começos são involuntários, são espontâneos, mas sua continuação necessita de criatividade. Conduzir uma atividade psicodramática qualquer com planos elaborados, roteiros a serem seguidos, sequencias de aquecimento pré-determinadas, ou seja, planejar uma atividade de Psicodrama, retira dela a experiência fundamental: Deixar-se conduzir pelo grupo. Moreno dizia: "Throw away the script". "Jogue fora o roteiro". Isso é aceitar o "involuntário" de Pessoa. Entretanto, isso tendo sido aceito (e aceitar isto é a espontaneidade moreniana), sua continuidade necessita da criatividade para melhor levá-la a cabo. Antonio, Fernando, Moreno. Buscador de parceria, inícios involuntários, espontaneidade, vínculos.
sábado, 27 de maio de 2023
Borges e Moreno
Talvez, junto a Fernando Pessoa e Herman Hesse, Jorge Luis Borges, seja um dos alicerces de meu sentir e pensar. Em um de seus grandes contos ele escreve: "O futuro não tem realidade a não ser como esperança presente, que o passado não tem realidade a não ser como lembrança presente." (Tlön, Uqbar e Orbis Tertius). Como sempre, o artista, o poeta chega primeiro e diz melhor todas as nossas verdades científicas. Esse período de Borges define toda a essência do pensar psicodramático. Zerka Moreno, companheira de Moreno e a grande sistematizadora da teoria psicodramática, em suas dramatizações sempre e sempre insistia pela contínua atenção à presentificação do protagonista e egos auxiliares. Usar o tempo presente, sempre. Nossas histórias de aventuras, infantis ou não, sempre começam por "Era uma vez" ou "Há muito tempo numa galáxia distante" ou "Cinderela era uma órfã" ou "Quando era pequeno" ou "quando eu crescer" ou "Quando for independente" ou "Quando eu for feliz". As nossas histórias são narradas no tempo passado ou num tempo futuro. No Psicodrama, seguindo Borges e Moreno, tudo no palco se passa no presente. As histórias não são contadas, nem no pretérito nem no futuro. Não são narradas, são dramatizadas, são vivenciadas, são atuadas "no como se". Mesmo o sonho não é contado. É dramatizado no presente desde o seu início. Todo o sonhado torna-se o vivido. São aquilo que Moreno chamava de verdade poética. O palco psicodramático é como se fosse uma máquina do tempo às inversas: não vai ao passado ou ao futuro, torna o futuro e o passado presentes. Essa é a razão principal do aquecimento, etapa inicial de toda atividade socionômica: trazer os membros do grupo para o presente e ajudar ao protagonista a se fundar no presente.
quinta-feira, 18 de maio de 2023
Moreno entra em cena
Fernando Pessoa escreveu: "Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra coisa todos os dias são meus". Num ano civil comum, a data de morte de Moreno - 14 de maio - vem primeiro do que seu nascimento -18 de maio de 1889. Quando nasceu, como todos, era só um desejo e uma promessa. Fernando pessoa diz "todo começo é involuntário". Em seu início ele era um improvável filho de comerciante sefardita. Ao fim da vida, Moreno. Como todos os seres humanos somos construções de acasos, oportunidades e talentos. Moreno tornou-se isso: acasos e genialidade. E todos os dias foram dele.
domingo, 14 de maio de 2023
Moreno sai de cena
quarta-feira, 10 de maio de 2023
E por que não?
Em 1968 Caetano Veloso lançou Alegria, Alegria. Seus últimos versos dizem: "Por que não, por que não?". A resposta "porque sim", vem muitas e muitas vezes de quem detém alguma forma de autoridade, parental, educacional, laboral. A pergunta de Caetano é um dos núcleos da atividade psicoterápica psicodramática. O "porque sim" corresponde ao que nós chamamos de cristalizações, visões conservadas, imutáveis, congeladas, inquestionáveis, da realidade. A busca do psicodrama pela Criatividade e Espontaneidade é o contínuo exercício do "por que não?". Por que não experimentar algo novo, uma atitude cênica que substitua a atitude existencial, já cristalizada, no palco. Experimentar sair do inquestionável e questionar. Experimentar sair do imutável e mudar, experimentar sair da conserva cultural e vitalizar a existência. O Psicodrama experimenta, questiona, in-comoda, tira do já acomodado (que nunca é cômodo), reconta histórias já tornadas históricas, experimenta o riso em lugar do choro, o choro em lugar do cínico agir. O Psicodrama não parte de ideias pré-concebidas, mas ele as questiona, ele as expõe a um outro olhar. Os problemas existenciais muitas vezes são histórias contadas e recontadas e sempre de um mesmo jeito. Se, quem conta um conto acrescenta um ponto, ao não modificarmos jamais nossa própria narrativa vital, somos expostos e vivenciamos um looping contínuo. É o tema do filme "Feitiço do tempo". Todo e cada dia é o mesmo dia. Como dizia Mário Quintana, "Quem faz um poema salva um afogado". Psicodrama pode fazer poesia.
quinta-feira, 27 de abril de 2023
Experimentar e refletir
Em todas as atividades de Psicodrama, Sociodrama, Teatro Espontâneo que realizo inicio sempre dizendo só haver duas regras: ninguém é obrigado a fazer coisa alguma, mas, antes de desistir experimente. Experimentar é, verdadeiramente, dedicar-se a vivenciar aquele instante. Não apenas tentar. Tentar, o verbo tentar, já traz embutida a concepção de se estar de "pé atrás". Tentar algo não é, decididamente, experimentar algo. Após a verdadeira experiência vem o momento de reflexão, de ponderação, de medição de ganhos e perdas. Depois desse instante reflexivo surge a possibilidade da decisão: continuar ou para e fazer algo diferente. Nos atos psicodramáticos, sociodramáticos ou de teatro espontâneo, o aquecimento realizado adequadamente propicia a experiência real e profunda da dramatização. E em cada momento, o Diretor/condutor pode interromper e sinalizar ao protagonista ou ao grupo que reflita e decida se seguiremos pelo mesmo caminho ou experimentamos outro. Mas, não apenas no palco psicodramático o experimentar e refletir são as ferramentas existenciais fundamentais. Da vida experimentada na dramatização do palco psicodramático à vida vivida nos palcos da vida. Experimentar, tão só, sem refletir, é bater cabeça, ficar sujeito aos ventos e tempestades das escolhas. Refletir sem experimentar é estagnar-se no marasmo do pensamento e raciocínio. Experimentar e refletir.
sexta-feira, 14 de abril de 2023
Papéis, papéis
"Quando tomamos consciência de nosso papel, mesmo o mais obscuro, só então somos felizes. Só então podemos viver em paz e morrer em paz, pois o que dá um sentido à vida dá um sentido à morte."
Terra dos homens/Antoine de Saint-Exupéry
Penso que Exupéry falava de papel no sentido de propósito. Mas, no Psicodrama, papel tem outra conotação, próxima e distante do uso que se faz em teatro e cinema. Nestes, papel é quase equivalente a personagem. Embora possamos dizer que uma personagem pode desempenhar vários papéis na peça ou filme. Já no Psicodrama há algo disso, não sendo isso. Papel é um conceito psicodramático do somatório de falas e comportamentos que nos surgem numa relação e em complementaridade do contra papel. Os dois papéis se complementam sendo extremidades de um mesmo vínculo. Serem complementares significa que um é criado em função do outro. Por analogia, uma tampa está para a caneta assim como o filho está para uma mãe. Um só tem funcionalidade em razão da existência do outro. Na relação real, imaginária ou psicodramática. Portanto, a essência da ideia de papel é sua diversidade e flexibilidade. Mais vínculos, mais papéis. poder transitar entre papéis tem seu oposto na cristalização dos papéis. Em que o individuo congela um ou poucos papéis, transformando seus complementares reais em complementares imaginários. Quem cristaliza, p.ex. o papel de filho transforma todas suas relações em relação parental/filho, simplificando. Flexibilidade (para transitar entre os papéis) e multiplicidade vincular (para ter um conjunto universo de papéis, maior).
domingo, 9 de abril de 2023
A passagem
Hoje acordei com saudade de um primo bem mais velho que morreu no Chile em !971. Foi um dos poetas chamados de Geração Mapa no final da década de 50 na Bahia. E uma poesia dele, entre várias que, na distancia de 14 anos de diferença de idade, sempre me marcaram, há uma, em particular:
Pedra e musgo. Silenciosa paz, sombria quietude.
árvores mortas, troncos sazonados, berço e ataúde do mistério vital.
árvores vivas, salmos coloridos, anseios góticos arborizados no interior de estranha catedral.
A par das poderosas imagens criadas pela sua poética, do ritmo quase gregoriano medieval, há essa construção: pedra e musgo.
No Psicodrama há uma palavra, Conserva, que tem um conceito original, embora a palavra seja comum. Na acepção habitual conserva é algo feito para durar, para não ser decomposta pelo tempo. Assim é com as conservas alimentícias. Para o criador do Psicodrama, Moreno, Conserva Cultural é uma produção qualquer da cultura humana que se imobiliza ou é imobilizada. Um livro, por exemplo, enquanto está sendo gestado é algo vivo em constante mutação (Não é, Dani?). Após concluído ele não mais pertence ao autor e sim a quem o lerá. E é nesse ato de ler, por exemplo, que o conceito de conserva cultural pode ser melhor explicado. Pode-se repetir infinitas vezes um poema de Pessoa ou Borges, sempre como um poema de Borges ou Pessoa. Enquanto assim for, será uma conserva cultural. Mas, ao lermos um livro qualquer e ele ser transformado pela minha vivência, deixando de ser apenas um ícone conservado, voltará à vida. Moreno insistia que a vida precisa ser vivida dando vida às conservas culturais. Olhar a Mona Lisa como "A Mona Lisa", à distancia, sem nos apropriamos dela, sem dela fazer parte nossa, é uma conserva cultural. Quem faz essa transformação, quem vivifica essas conservas é a nossa espontaneidade/criatividade. Ela é a força vital que faz que sobre a pedra, morta e conservada, nasça o musgo vivo em transformação.
sexta-feira, 31 de março de 2023
Quem e o que
Algo que aprendi há muito tempo é que o instrumento sozinho nada é. A mão que o utiliza é que determina se será um instrumento eficaz ou não, construtivo ou não. Assim é na Medicina. Em grego Farmakon significa remédio e veneno. Porque ele pode ser ambos. Uma cirurgia não é feita pelo bisturi e sim pela mão do cirurgião. O remédio auto prescrito pode ser grandemente lesivo à saúde paciente. O ECT pode ser um instrumento heroico para um paciente com depressão refratária e ideação suicida presente. O ECT foi usado nos Gulags como instrumento de repressão. Se no uso do instrumento médico de tratamento não estiver envolvido vieses religiosos, morais ou de outras matizes, o profissional é responsável pelo seu uso. No âmbito da área psiquiátrica há os remédios e outras terapias biológicas que têm fundamentação científica e os que não a têm. No âmbito das psicoterapias, quase todas elas não foram criadas com a determinação de serem validadas. A validação é um processo que exige replicabilidade, protocolo de uso e outras exigências que quase todas as psicoterapias não podem cumprir. Mas, como as psicoterapias são mais destinadas aos seres humanos que são portadores de problemas psiquiátricos e não, propriamente, aos sintomas e sinais psicopatológicos, aquele que as utiliza precisa conhecer o terreno que está pisando para lidar com suas ferramentas psicoterápicas. A exceção à essa quase regra é a TCC por ter sido criada por Aaron Beck com a a meta de ser validada, ajustando-se às exigências formais. O Psicodrama, como todas as formas psicoterápicas não é uma camisa de força terapêutica. Ele não é aplicado independente do que o paciente apresenta. Como todas as formas psicoterápicas, a ajuda (terapia em grego é ajuda e não cura) ao ser humano caminha lado a lado com os tratamentos mais responsivos sintomaticamente. O conhecimento nunca é suficiente. O que atrapalha são as pretensões de conhecimento hegemônico. Em toda atividade profissional há profissionais com conhecimento dos efeitos e limites de seu instrumento e profissionais que só superficialmente conhecem seu próprio instrumento e seus limites. Essa é toda a diferença.
segunda-feira, 27 de março de 2023
Hoje é comemorado o Dia Mundial do Teatro. E como dizia Augusto Boal, "Todos somos Teatro. Alguns fazem Teatro". Como sou parte de um método psicoterápico, o Psicodrama, que tem suas raízes fincadas no Teatro, pensarei aqui como Psicodramatista no Dia do Teatro. Em geral, o texto das peças ou sua forma de execução são denominados de forma diferentes. Drama, tragédia, comédia, farsa, tragicomédia, burlesco. O texto ou a forma de execução. Um texto pode ser criado, escrito, para ser tragédia, mas pode ser montado como farsa ou comédia. No Psicodrama, de resto, não usamos essa terminologia classificatória. O texto e a dramatização, no Psicodrama, são do protagonista e criado por ele. A forma com que se desenrola essa dramatização pode ser ser sugerida pelo Diretor (o coordenador do grupo) ou ser desenvolvida pelo próprios atores (egos-auxiliares, no Psicodrama) e protagonista. Mas, o protagonista não é quem se coloca na linha de frente em primeiro lugar. É quem encarna e vive, em sua história, a história-tema daquele grupo, naquele momento, Assim, o protagonista é alguém que emerge do grupo, mas leva o grupo em sua dramatização. Mesmo sendo algo pessoal, naquele momento, caso ele seja o protagonista, todo o grupo sente-se contemplado. O grupo vê-se no palco. Aquela história, é sua história. Se assim não for, ele será um falso protagonista, até um bode expiatório. Estará no palco embora não sendo a voz do grupo, encarnada. No Dia Mundial do Teatro, numa época em que não está claro que tipo de cena está no palco, reverencio essa forma profundamente humana de ser. E sinto-me honrado, como Psicodramatista, de ter tão nobre origem.
sábado, 18 de março de 2023
MPB, Moreno, Corpo
Há uma belíssima música/letra do grande cantor e compositor e esquecido Taiguara chamada Hoje que diz em sua letra:
"Hoje
Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo"
Há um ensinamento de Moreno, contado por Zerka Moreno, que diz:
"O Corpo lembra quando a mente esquece"
Tanto o poeta quanto o psicoterapeuta perceberam a mesma coisa: Em nosso corpo as vivências se inscrevem. "Quero ficar no seu corpo feito tatuagem" (Tatuagem, Chico Buarque). Augusto Boal dizia ser o corpo o nosso palco. Por isso, baseado nisso, as dramatizações podem alcançar um nível profundidade de uma vivência mais amplo que a recordação verbal dela. No Onirodrama, Moreno sugeria que a pessoa não contasse o sonho, mas assumisse a mesma postura ao dormir, iniciasse a contar e passasse a atuar o sonho e não contá-lo. O corpo vai agindo, lembrando sem lembrar. Nas dramatizações o mesmo acontece. Uma história contada tende a ser repetida de forma cristalizada. Ao se transpor para o palco, o corpo estando presente traz consigo a memória inscrita dos movimentos e, ao serem atuados, trazem de volta algo da vivência original, o que permite a Moreno dizer que "as segunda vez libera a primeira".
quinta-feira, 9 de março de 2023
utopias
Pensando aqui sobre a palavra Utopia. Neologismo criado por Thomas More. Significando U (nenhum, não existente) Topos (lugar). Seu livro fala de um país justo, igualitário, de modo racional de vida. Mas, com o tempo, o adjetivo Utópico passou a ter a conotação de ilusório, irreal, fora da realidade. Deixou de ser uma esperança para ser uma crítica pejorativa. O ideal deveria existir como fonte alimentadora de projetos e não como fonte de desânimo.
Vejam essas citações de Moreno:
"No todo, por conseguinte, o experimento sociométrico é ainda projeto do futuro."
"O experimento principal foi visualizado como projeto mundial – esquema bem próximo da utopia, em termos de conceito –, ainda que deva ser chamado à nossa atenção, repetidamente, a fim de que não seja excluído de nossa agenda de tarefas diárias, mais práticas, da sociometria."
"O experimento sociométrico acabará por tornar-se total, não apenas em expansão e extensão, mas também em intensidade, marcando, assim, o início da sociometria política."
Ele coloca, claramente, que seu projeto é utópico, mas (Importante!), ele não pode ser separado das ações cotidianas, "das tarefas diárias". Há um ditado chinês que diz: "Antes de salvar o mundo dê três voltas dentro de casa". Essas são as nossas primeiras tarefas diárias: Nossas relações. A Utopia Moreniana se realiza na construção de relações interpessoais télicas. Do Interpessoal para o Grupal e daí para o Social. Pois, "Que adianta se ganhar o Mundo e perder a alma?". (Marcos,8:36). A alma Moreniana é relacional. Eu sou com Você. Ubuntu. Nós nos construímos e nos constituímos. A Utopia Moreniana, talvez ao contrário da Utopia de More (lugar que não existe num tempo ignorado), seguindo os passos Psicodramáticos, ela se realiza nas "tarefas diárias, práticas", no Aqui e Agora.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
Gramática Psicodramática II
Há uma música do repertório de Zé Ramalho chamada Sinônimos. Nela o último verso diz: O Sinônimo de Amor é Amar. O sinônimo de um substantivo ser um verbo poder ser um verbo é muito curioso. Mas, faz sentido. O verbo traduz uma ação, um processo ou um estado. O substantivo Amor individualiza o nome do objeto. O verbo Amar o coloca em relação a outro alguém ou alguma coisa. O verbo Amar exige complemento direto ou indireto: ama-se alguém ou a alguém. O próprio livro de Mario de Andrade Amar, verbo intransitivo, paradoxalmente reforça isso pela situação de impossibilidade de haver uma relação entre os dois personagens. O Psicodrama dramatiza verbos de ação ou processo. Não seria possível dramatizar o substantivo Amor, substantivo. Mas é possível dramatizar o amar, verbo, de alguém por outro alguém. No caso do livro de Mário de Andrade seria possível dramatizar a intransitividade daquela relação, sua impossibilidade, mas seria do verbo Amar. E o que fica disso tudo? Ao propor uma dramatização pense sempre num verbo de processo ou ação para traduzir a intenção da cena. Os verbos de ação ou processo colocam, necessariamente, outro personagem em cena e em um contexto. Aparece o drama, o conflito, o palco surge.
sábado, 4 de fevereiro de 2023
gramática psicodramática I
Escutando um álbum de Zé Ramalho parei em uma que diz: O "sinônimo de amor é amar". À parte a poesia desse verso, ele expressa uma verdade psicodramática. Explico: é tentador no palco dramático procurar fazer dramatizações de qualquer expressão do protagonista. Mas, por exemplo, se essa palavra, amor, aparecesse e fosse solicitado ao protagonista para dramatizar o amor, seria impossível. Por que? Amor é um sentimento. Não se pode dramatizar um sentimento. Pode-se representá-lo, simbolizá-lo, denotá-lo, com uma imagem. mas dramatizá-lo, não. Explico outra vez: Drama em grego significa ação, dramatização é a ação de dramatizar. Sentimento não é ação. Só é possível dramatizar-se verbos que relacionam sujeito e objeto em forme de ação. Chorar não é possível dramatizar. Chorar a perda de um parente compõe uma cena possível. Voar não se pode dramatizar. Voar para o palácio do Rei pode ser dramatizado. Há que se transformar adjetivos e substantivos, abstratos ou concretos, em verbos de ação. Amor: imagem. amar a alguém num determinado contexto: dramatização, cena. Essa diferença apontada por Zé Ramalho é uma lição psicodramática.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
Curiar e imaginar
Lendo um texto, publicado na Revista Brasileira de Psicodrama, escrito por Michele Vasconcelos, Karen Venâncio e Maria Cristina de Carvalho, veio-me a vontade de fazer uma multiplicação dramática do texto. Na Multiplicação Dramática (olá, Pedro!), após uma cena, as pessoas deixando-se levar pela Consonância daquela cena (repercussão em mim) apresentam uma cena (Ressonância). Não é uma cena consequência, não é uma escolha lógica ou racional, não é uma reflexão. É uma Ressonância, uma ação gerada a partir de uma Consonância com a cena-estímulo. A cena ressonante atuada por uma pessoa pode gerar e gera novas consonâncias e. portanto, novas cenas ressonantes. Viver é assim. Não é uma sequencia linear, causal. O ato de viver é preenchido por afetos consonantes e atos ressonantes. Por, isso, Moreno dizia sermos nós seres em relação. O outro, de qualquer forma, consoa em mim. E eu, de qualquer maneira, enceno uma ressonância. Consonância e Ressonância minhas do texto: Minhas pernas começam a sentirem-se inquietas, uma vontade de levantar. Levanto, abro portas, ligo para alguém, pego livro, Minha cena ressonante congela com os braços estendidos, numa posição incômoda. O solilóquio (verbalização do conteúdo que me acontece) é: "Estou muito incomodado, mas estou muito curioso". E, curiosidade está em falta no mercado. E a Imaginação, tema do texto da revista, a louca da casa, está em falta no mercado. Curiar (verbo usado na minha infância para significar ter curiosidade), Imaginar, são coisas arriscosas (como diria Xangai, mestre-cantador). Curiar e Imaginar são ações de expansão no mundo, ações prazerosas e arriscosas. É sair do conhecido, ainda que ruim, mas conhecido. Quando Pompeu dizia a seus soldados romanos "Navigar necesse est, Viver non est necesse" (navegar é preciso, viver não é preciso) o acento estava em ser a missão maior do que os soldados.. Mas, a palavra Preciso, ser necessário, é homófona de Preciso, exatidão. Então, em navegar há rotas pré-estabelecidas que orientam o rumo, há as estrelas, há os mapas. Em viver, esta exatidão ou pretensa exatidão não existe. Cada ato, ainda que similar a outro, é um ato novo, é uma nova resposta consonante como ato anterior e com o contexto de então. Moreno chamava de Conserva Cultural ao mais do mesmo. ao repetir as rotas já conhecidas. Curiar, imaginar, poetar, encenar, no consultório, na sala de aula, em qualquer lugar ou espaço, existente ou por existir, no viver, enfim. Obrigado, Michele, Karen e Cris.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
Alegria? Pode?
"Aqui jaz aquele que trouxe alegria à psiquiatria". Epitáfio de J.L.Moreno
"Eu nunca vi um fanático ter senso de humor, nem uma pessoa com senso de humor ser fanático" Amós Oz
"Muito riso, pouco siso" provérbio popular
Há alguns dias, conversando em uma live com amigos (Nori Cepeda, Marilene Queiroz, Gueira Vilhena) apareceu a palavra alegria. E veio-me à mente essa expressão popular que relaciona o riso à pouca profundidade de pensamento. Logo a seguir assisti a uma conversa do Dalai Lama com o Cardeal Tutu em que ambos falam de que a alegria é a alegria da vida significativa, da compaixão. E ambos com vidas de lutas e resistências e sofrimentos atrozes. E ambos riem. A frase do escritor israelense Amós Oz encaixa-se como uma luva. Pode-se ser profundo sem ser fanático. E o fanático não ri porque não considera o outro, só a si e seu pensamento. Diz o cardeal Tutu "uma pessoa é uma pessoa por meio de outra pessoa". Esse é o significado de Ubuntu para o sul-africano. Frase que poderia ser um título de qualquer texto psicodramático. E Moreno, ao falar de alegria não fala da alegria tosca, mas da alegria da compaixão. à Psiquiatria faltava na época (na época?) compaixão, o sentir junto, a dor e a alegria. Isso é compaixão. Compaixão não é ter dó, ter pena. É poder sentir com, sentir junto, alegria ou tristeza. Derrota ou vitória. Perda ou ganho. E o fanático exclui, isola, sobrepõe sua verdade à experiência do outro. Moreno, judeu, Amós, israelense, Tutu, negro do apartheid, Dalai lama exilado de uma terra ocupada. Experiências de vida sofridas e de lutas constantes. Mas todos expressam a alegria da compaixão.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2023
Reflexões
Como gosto muito de literatura policial, detetives, estava lendo outro dia e me deparei com uma frase em um livro despretensioso, de Chirovici; "Acredito que as coisas que não fizemos nos definem tanto quanto as que fizemos. Aí, para variar, minha cabeça de videoclipe, associou a uma frase de Fernando Pessoa, em seu heterônimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego: "A renúncia é a libertação. Não querer é poder". Como se não fora bastante, lembrei da chamada Confissão de Maat, no julgamento dos mortos no Antigo Egito que são 42 negativas de ações, afirmações sobre atos que não foram praticados, P. Ex " Eu não pequei. Eu não roubei com violência. Eu não furtei. Eu não assassinei homem ou mulher". Chico e Ruy Guerra na versão de Impossible Dream, dizem "Negar quando é fácil ceder",. Lembrei da desobediência civil de Thoreau, da recusa ao ato violento da Ahimsa Hindu. Ou seja, essa reflexão me pôs na direção da minha vida. Não posso me autodesculpar ou desculpar-me perante os outros por ter sida obrigado a fazer algo. Sempre há a possibilidade da recusa, do não libertador, do não fazer. Claro que todos essas negações têm preço. E alto. Há que se aceitar o preço a ser pago, aceitar a renúncia para haver libertação,
"Quando tomamos consciência de nosso papel, mesmo o mais obscuro, só então somos felizes. Só então podemos viver em paz e morrer em paz, pois o que dá um sentido à vida dá um sentido à morte". "Terra dos homens" Antoine de Saint-Exupéry
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E assim é.
Experimentar e refletir. Este blog é um espaço para mostrar ideias sobre o psicodrama, sobre o teatro espontâneo. Há mais de trinta anos...
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