Penso que uma virada de ano, uma mudança de data, pode ser apenas uma coisa cronológica, uma virada de calendário. Mas também pode ser um ritual pessoal de dar sentido à própria vida. As coisas serão ou não banais de acordo com o significado que agreguemos a elas. Então, nesse Ano Novo cronológico desejo a todos que cometam erros novos. Porque repeti-los é nada ter aprendido com a experiência. Não tê-los representa uma completa imobilidade na vida.
segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
Esperar, expectar
Esperar, ter esperança, expectar, ter expectativa. Embora palavras de etimologia próxima, talvez possamos brincar um pouco com elas. Iniciemos por expectar. Parece-me que expectar é a espera de forma ansiosa. Expectar é formular uma imagem e aguardar que ela se concretize. Esperar, ter esperança, é abrir-se para o novo, deixar-se surpreender pelo inesperado. A expectativa pode ser frustrante. O futuro ao chegar pode não corresponder à imagem criada, à expectativa criada. Ter esperança, esperar, apenas esperar, sem imagens antecipadas, é como a criança que absorve o mundo como ele se apresenta. O adulto, expecta. A criança espera. A angústia do adulto está na expectativa da chegada do imaginado. A alegria da criança está em receber, é alegria do que simplesmente virá. Com essa visão poética podemos pensar o Psicodrama/Teatro Espontâneo com o olhar da espera pueril, de aguardar o que virá sem preconcepções. Tomar o que vem não pelo que não foi, mas pelo que é. E isso, não tão poeticamente, é a atitude fenomenológica: Não expectar e frustrar-se, mas esperar e ver.
“Uma
criança é inocência e esquecimento, um novo começo, um jogo, um
moto-contínuo, um primeiro movimento, um “sim” sagrado. Para o
jogo da criação um “sim” sagrado é necessário”. Nietzche
"Não deixe que a próxima vez saiba demais sobre as vezes anteriores" Moreno
terça-feira, 25 de dezembro de 2018
Natal e Psicodrama
A origem do Natal está nas comemorações do Solstício de Inverno no Hemisfério Norte. Solstícios são os pontos da trajetória terrestre em que os hemisférios estão mais próximos (verão) ou mais distantes (inverno) do Sol. Assim, para as tradições místicas do Hemisfério Norte, esse período era quando, em seu hemisfério, Dezembro, a inclinação da Terra em relação ao Sol, voltava a se aproximar, quando o Inverno anunciava o seu fim, quando as esperanças de um novo plantio, de um degelo, surgiam, respondendo à expectativa da espera. Nas tradições místicas isso era o símbolo da renovação, do anúncio de um novo tempo. Avatares e deuses eram comemorados nesse dia. Krishina, Mitra, por exemplo. Por isto a tradição cristã aproveitou-se desse simbolismo. E isso que tem a ver com o nosso Psicodrama/Teatro Espontâneo? Nada. E tudo. Moreno, o criador do Método Socionômico (Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama) era um judeu imbuído das tradições judaicas, principalmente da filosofia hassídica. E esse Hassidismo tinha por base a renovação, a fé na transformação, a esperança de um recomeço. Socionomia, Sociodrama, Psicodrama Morenianos são sempre fundados nessa atitude de mudança, transformação, um novo olhar, uma nova chance, um outro começo.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
Paulinho da Viola, Chico.
Achei bom repetir.
Ouvindo um samba antigo de Paulinho da Viola, Dança da Solidão:
"Solidão é a lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão"
Ouvindo um samba antigo de Paulinho da Viola, Dança da Solidão:
"Solidão é a lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra cavada no coração
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão"
Muitas imagens me ocorrem. Mas há uma especial. Desilusão e solidão. Des-ilusão. O desfazimento de uma ilusão. Havia uma ilusão reconhecida, mas não assumida. O desvelar a ilusão é sentido e expresso como desilusão. E seguindo o poeta Paulinho da Viola, esse desvelar revela a solidão oculta, embora existente. A ilusão é que seria a forma de velar, esconder a solidão. Solidão, ilusão, desilusão, solidão. E a roda gira e gira, sem parar. E solidão é diferente de estar só. O estar só é espacial. O sentir-se só, a solidão, é relacional, é a ausência ou fragilidade dos vínculos. Como diz Chico Buarque: “Os poetas, como os cegos, sabem ver na escuridão.”
quinta-feira, 6 de dezembro de 2018
etimologia mais uma vez
Conversava com um cliente que é diretor de teatro. E enquanto conversava sobre o quanto ele não suporta a hipocrisia fiquei pensando com os meus botões. A palavra hipócrita designava na antiga Grécia os atores de Teatro. Hipocrinein é fingimento, hipócrités é aquele que finge, o ator. Com o passar do tempo a palavra hipócrita passou a se referir àquele que finge sem ser ator. Essa delimitação que no dia a dia fazemos, o palco é onde a realidade inventada, imaginada pode ser vista como realidade. mas para queles que atuam na vida fingindo uma personagem que não são, fora de um palco, os designamos de hipócritas.A verdade dramática, a verdade poética, a verdade psicodramática, é reconhecida porque há um palco físico ou suposto, há um contrato tácito que do palco para dentro é verdade dramática, do palco para fora é verdade do real compartilhado. Mas quando nas relações humanas não há esse contrato estabelecido, não há o palco suposto, ficamos diante de atores (hipócritas) fazendo uma personagem, fingindo uma personagem, às escondidas, veladamente.E os tomamos como seres reais. E não é para noooossa alegria.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
Amélie, Zen
No maravilhoso e meu preferido filme "O destino de Amélie Poulain" há essa frase: "O tolo olha o dedo que está apontando para o céu". Há uma expressão Zen, secular, que diz: "Quando o dedo aponta para a Lua, cuidado para não confundir o dedo com a Lua". A mesma coisa. Ambas referem-se a não se confundir o instrumento da busca com o objetivo da busca. Qualquer método, procedimento, técnica, nada mais são que dedos apontando para a Lua (ou o céu). Em Psicodrama (Teatro Espontâneo) há um método, há técnicas. Mas todos, tudo isso, estão a serviço da Criatividade. A meta do Psicodrama (TE) é concretizar o subjetivo, é possibilitar que a cena possua sua potência transformadora, é apropriar subjetivamente a cena e novamente devolvê-la ao grupo. Quando o método, a técnica, passam à frente do objetivo do Psicodrama (Teatro Espontâneo), surge a direção cristalizada, burocrática, preocupada em seguir o passo a passo, preocupada em fazer o correto. Conservas. Psicodrama (TE) é vida e , como tal, é o oposto, o inverso, da automatização.
sexta-feira, 30 de novembro de 2018
Como é que é?
Lá
nos idos do 2º grau aprendi em Física algo chamado Paralaxe.
Trata-se da mudança de perspectiva entre figura e fundo pela mudança
de posição do observador. Algo que ocorre quando olhamos o dedo
indicador com apenas um olho aberto e depois alternamos o fechamento
dos olhos. Esta mudança de posição relativa entre dedo e o fundo é
a Paralaxe. E o que tem de análogo com o Psicodrama? Aqui quando
reencenamos uma história, quando experimentamos outro final para
ela, quando fazemos um espelho, duplo, inversão de papeis, quando
usamos todos estes instrumentos de trabalho psicodramático, sempre o
fazemos com o objetivo de permitir ao observador participante (grupo
e/ou indivíduo) uma ou várias outras miradas novas da mesma cena.
Isto é o que se torna o verdadeiro instrumento terapêutico do
Psicodrama: a possibilidade de que o grupo e/ou indivíduo possa sair
da visão única, cristalizada (talvez até patologizada) que até
então acontecia para um horizonte de outras formas de ver. Sim,
fazer Psicodrama é ajudar a construir múltiplos pontos de vista, é
descongelar a visão de mundo. É fazer um movimento de Paralaxe
existencial em que, sem que nada mude na superfície, algo se altere
profundamente.
terça-feira, 27 de novembro de 2018
Além, muito além. outra vez
Moreno, criador do Psicodrama, e Zerka, grande renovadora do Psicodrama, tinham pontos de vista, posturas, atitudes, que não são fáceis de entender e muito menos de atuá-las. Talvez por isto, certamente por isto, fazer Psicodrama e tudo relacionado a ele, não é apenas aprender uma técnica ou várias técnicas. Não é só um saber a ser aprendido. Além, muito além disto, é ter como fundamento a ideia que todos podem ser agentes da própria mudança. É ter como fundamento ser o grupo senhor de seu destino, sendo o condutor/diretor um organizador, um iluminador de cenas, um estimulador de novas aventuras. É ter como fundamento o respeito integral a tudo o que aconteça no e com o grupo. É ter como fundamento ser ele, o condutor, um sensor do clima do grupo, por estar em papel diferenciado, sendo simultaneamente o diretor e membro do grupo. É ter como fundamento ser o aqui e agora o tempo e espaço do Psicodrama, mantendo todo o tempo o protagonista e o grupo nesse aqui e agora, palco da vida. É isto.
sexta-feira, 16 de novembro de 2018
Papel de Diretor/Condutor
Uma das características do Psicodrama/Teatro Espontâneo é tomar a realidade tal qual ela se apresenta. Ou seja, se não se sabe naquele momento que caminhos tomar, por exemplo, é possível compartilhar e dividir com o grupo a criação de caminhos novos. Para isso poder ser feito e acontecer é preciso estar lastreado na filosofia psicodramática que sustenta ser o Diretor/Condutor um membro do grupo em papel diferenciado. Isso significa que seu papel não é congelado, rígido. Ele é funcional: Na maior parte do tempo, no grupo, o papel de Diretor/Condutor pertence àquele que, nominalmente assim se intitula. Mas, se no decorrer da cena, da dramatização, se ele se indiferencia, esse papel pode transitar para outro membro do grupo.
sábado, 10 de novembro de 2018
Erro, acerto, vida
Tenho uma amiga bióloga. E suas conversas sobre Biologia sempre me remete a analogias relacionais. Como Evolução é sua área de atuação, o tema era esse. E veio à tona a ideia de que as mutações, que são erros de transcrição genética, são o motor da Evolução. A Natureza seria monotonamente homogênea sem as mutações. E essa homogeneidade levaria à extinção das espécies, por dificultar ou impedir a adaptação às mudanças e desafios. Ou seja, em a Natureza o erro leva à novas possibilidades. Diversidade. O acerto infinito leva à extinção. Em nossa vida, o erro, o equívoco, o desacerto, a falha, tornaram-se destrutivos, algo a ser evitado a todo custo, temido até não mais poder. Busca-se, a todo custo, a uniformidade, o consenso, a estagnação, enfim. A ideia do Psicodrama, a filosofia que sustenta o Psicodrama, insiste na Espontaneidade e Criatividade. Que são formas e ações de sair daquilo que Moreno chama de Conserva Cultural, a uniformidade. Assim como mutações sucessivas e frequentes são deletérias para a espécie, também sem elas não há como lidar com as mudanças ambientais. Assim também, com a Espontaneidade/Criatividade. Espontaneidade/Criatividade = Diversidade/Adaptação = Evolução.
sexta-feira, 2 de novembro de 2018
Psicodrama e a filosofia de Moreno
"Minha filosofia tem sido mal-entendida e desconsiderada em muitos círculos científicos e religiosos. Isso não me impediu de continuar e desenvolver técnicas provenientes da minha visão de como o mundo deveria ser estabelecido. É curioso o fato de que esses métodos - sociometria, psicodrama, terapia de grupo - criados para implementar uma filosofia fundamental de vida subjacente, têm sido universalmente aceitos, enquanto a filosofia é relegada aos cantos escuros das estantes e bibliotecas ou de todo esquecida."
Esse é um escrito de Moreno. E ele chama a atenção, já àquela época, que descolar o método da sua filosofia fundante é transformar o Psicodrama, em todas as suas formas, em um mero exercício de técnicas de mobilização grupal. As técnicas psicodramáticas são poderosas de per si. Elas, apenas, são nada mais do que isto: técnicas. Mas seu uso embasado na filosofia do Momento, na atitude não-interpretativa, na compreensão da teoria dos papéis, na confiança explícita no grupo, na confiança explícita no poder criativo inerente a cada pessoa, na busca do estímulo à espontaneidade e à criatividade, isto é que faz com que técnicas psicodramáticas possam ser vivenciadas como Psicodrama.
domingo, 21 de outubro de 2018
Millôr, Alcantara
"Para sonhar de verdade
É preciso encarar a
Realidade."
Li esse Hai-Kai de Millôr Fernandes há muito tempo. Mas reli há pouco tempo. Da primeira vez achei apenas interessante. Dessa vez seu profundo sentido fenomenológico existencial brilhou para mim. A atitude fenomenológica toma a realidade como ela é, como ela se apresenta, sem idealizá-la e procurando evitar e depurar os pre-conceitos. E isso é a base do Psicodrama, do TE, da Socionomia, enfim. Entrar em ação dramática, sem hipóteses, sem pressupostos, sem objetivos. Criar condições para que o grupo, a pessoa, encontrem e construam seus próprios caminhos.
"Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar".
Versos do grande poeta de Sevilha Antonio Machado. O andar faz o caminho. A ação encontra sua rota, a ação encontra seu caminho. Não há rotas já estabelecidas, há modos de andar e ritmos de caminhar. Dois poetas, dois ensinamentos, dois alertas.
domingo, 14 de outubro de 2018
Reflexões sobre uma palavra. Ainda.
Muito
frequentemente precisamos usar algumas palavras para referirmos-nos ao
que acontece no palco psicodramático. Dizemos, então, dramatização
ou encenação. Mais raramente e, sempre, com cuidado, a palavra
representação. Dramatizar, encenar, representar ou mesmo
teatralizar, são sinônimos, caso estejamos nos referindo a teatro.
Porém, a palavra dramatizar traz em si a raiz Drama que na linguagem
coloquial relaciona-se a exagero. Assim, além dos sinônimos
teatrais, há também, outros sinônimos, como exagerar, tornar
melodramático, fingir.
Agora
vamos ver do ponto de vista psicodramático. Apesar de Moreno não
ter o inglês como língua-mãe, ele conhecia o Inglês. Quando nos
seus inícios de teatro terapêutico, em seu livro Teatro da
Espontaneidade, ele quer se referir ao que acontece no teatro
espontâneo ele cria um neologismo em Inglês. ACTING OUT.
Investiguemos um pouco. To Act traduz-se simplesmente por
representar, atuar. É o que o ator faz: The actor acts. O ator atua.
Moreno queria algo mais. Ele queria uma palavra além da mera
atuação, repetição de texto já pronto. Ele queria, por oposição,
uma palavra que significasse “vivencia expressiva” (palavras de
Moreno). “Um agir do interior para o exterior”, um ex-pressar por
meio de ação. A ação vista como forma de comunicação. Esse
neologismo ganhou, entretanto, conotação pejorativa no jargão
psicanalítico como um agir impulsivo, uma passagem ao ato. Isto tem
uma profunda diferença na maneira de lidar com o ato espontâneo.
Mas Moreno coloca um limitador à possível impulsividade presente no
Acting-out. E aí percebemos porque o palco psicodramático é um dos
instrumentos capitais do fazer psicodramático. Não o palco
necessariamente como um tablado, fisicamente real. Mas, o palco como
espaço claramente delimitado de separação entre a realidade e
fantasia. Só esta nítida delimitação, até aqui é real, a partir
daqui imaginação, pode fazer o Espelho funcionar como recurso. Ao
usarmos o Espelho, usamos a regra do jogo fantasia/realidade; em pleno
momento intenso convidamos o protagonista a sair de cena e se ver em
cena. E de onde ele olha? Ele olha de fora do palco, do seu real para
a sua fantasia. E, dentro do palco, ação advém de dentro,
espontaneamente, mas não impulsivamente. Porque ela necessita se
adequar ao projeto cênico em curso. O nosso ACTING OUT é um atuar
de dentro para fora, expressar o interno, o privado, o subjetivo, mas
dentro da regra do palco, sujeito à adequação criativa em relação
a cena.
Este,
com certeza, foi o pulo do gato para Moreno intuir a potência
terapêutica da expressão cênica. Por isto, dramatizar, atuar,
encenar, soa algo empobrecido comparando com o seu profundo
significado psicológico e terapêutico. Talvez, em falta de outra
palavra, o melhor seja utilizar psicodramatizar, psicodramatização
para acentuar esta profunda diferença.
domingo, 7 de outubro de 2018
Radical, superficial
Sempre é bom investigar-se a etimologia das palavras. É fundamental que tornemos claro a que se refere, originalmente, aquela palavra. Ou seja, o conceito que é definido pela palavra. Radical. Radical advém do Latim Radice, raiz. Numa estrutura vegetal à raiz é reservado um papel vital. Ela fixa a planta, a segura, a mantém em seu ligar. Mas também é responsável pelo suprimento das necessidades alimentares. Para isso, as raízes estão mais ou menos profundas na terra. Ela se aprofunda pela necessidade de buscar nutrientes. Se os encontra mais perto da superfície, ótimo. Mas, em situações adversas, as raízes se aprofundam mais e mais. Em busca de água e nutrientes. Então, as raízes guardam duas propriedades: Fixam, mantém estável a planta e buscam aprofundar-se para suprir as necessidades do vegetal. Os animais, diferentemente, locomovem-se para buscarem, em outros locais, o alimento e água de que são carentes. Analogia é sempre uma faca de dois gumes e dela nos servimos com cuidado. As plantas são fixas, suas raízes tendem a ser profundas. Os animais são móveis, sem raízes, trocam a necessidade de profundidade pela diversidade de opções. Saindo da Botânica e Zoologia, usamos a palavra radical quando nos referimos à seres humanos. E usamos essa palavra, geralmente, muito mais no sentido de fixidez, imobilidade, do que de profundidade. Em geral, colocamos radical como sinônimo de "cabeça-dura, teimoso, cego à argumentação". E vemos a diversidade de opções como sinônimo de superficialidade. Como humanos poderíamos usufruir desse dicotomia biológica. Poderíamos ter a mobilidade que traz a diversidade junto com a profundidade que traz a consistência.
quarta-feira, 3 de outubro de 2018
diretor, psicoterapeuta
Pensava aqui comigo que o Diretor em Psicodrama/Teatro Espontâneo também é uma personagem. E como uma personagem ele tem seu script, sua mis-en-scène, sua marcação de palco, sua linguagem, seu timing de atuação. E sua personagem é o Diretor/terapeuta psicodramático. Então, dirigir Psicodrama ou Teatro Espontâneo não é apenas ter conhecimento da teoria psicodramática. Dirigir psicodrama, seja grupo seja bipessoal, dirigir TE, exige que a pessoa saiba usar as ferramentas cênicas. Essas ferramentas são o diferencial da Sociatria (Sociatria é a parte de intervenção da Socionomia). mesmo em atendimento bipessoal, o terapeuta psicodramático continua dentro de uma personagem cênica. O diretor, o terapeuta psicodramático se diferencia de outros recursos terapêuticos por usar esses instrumentos (como chamava Moreno) cênicos.
domingo, 23 de setembro de 2018
TE: PD + SD
O que o Teatro Espontâneo (TE) tem a contribuir para a direção do Psicodrama (PD) e do Sociodrama (SD)? O que difere entre dirigir um TE ou um PD ou SD? O grau de espontaneidade do diretor. Começando pelo começo: Psicodrama (PD) é Teatro Espontâneo (TE). Sociodrama (SD) é Teatro Espontâneo (TE). Axiodrama é Teatro Espontâneo. Psicodrama é o TE aplicado a uma história pessoal no âmbito clínico. SD é o TE aplicado a um grupo construído por seus papeis sociais. Axiodrama é o TE aplicado à questões éticas. O Teatro Espontâneo é o grande guarda-chuva que acolhe todas essas aplicações dele. Se assim pensarmos e assim agirmos porque difere o exercício da direção entre o condutor de TE e os outros? O grau de Espontaneidade dele é uma das diferenças. O olhar estético, da forma da cena, é outra diferença. O preparo em palco do membro de grupo/ator é outra. A atenção ao grau de aquecimento contínuo do grupo talvez seja outra. Por isso, fazer TE não é apenas fazer TE. É habilitar o diretor Socionômico a um melhor e mais rico e mais eficaz desempenho de seu papel em quaisquer das formas de aplicação da Sociatria.
quarta-feira, 19 de setembro de 2018
O que, como e para que. Por que, não.
Talvez a pergunta mais frequente de todos quando diante de uma situação turva ou não compreendida seja POR QUE. Pode ser diante de uma cena corriqueira, cotidiana, em dialogo de rua; pode ser no âmbito de uma psicoterapia; pode ser diante de uma notícia qualquer; e pode ser em palco, em uma dramatização. Vamos pensar um pouco. Quando se pergunta a alguém Por Que, a maior possibilidade é que a resposta seja Não Sei. Outra grande possibilidade seria dar-se uma resposta habitual, costumeira resposta, à pergunta frequente. E a outra seria, simplesmente, dar-se uma resposta qualquer para bloquear a pergunta. Em Psicodrama, Teatro Espontâneo, fazer essa pergunta, Por Que, é conduzir a um beco sem saída cênico. Essa questão imobiliza, congela o desdobramento, o deslanchar da cena. Remete ao passado já passado. E que perguntas seriam perguntas mobilizadoras cenicamente? O Que, Como e Para Que/Quem. São perguntas dirigidas à ação no palco. São perguntas que saem do lugar comum. São perguntas que focam a atenção do protagonista, do grupo, no presente, no aqui e agora. Por Que é reducionista, paralisante e de resposta conservada. O Que, Como, Para Que/Quem são perguntas que propõem cenas. That´s all, folks.
sábado, 8 de setembro de 2018
companhia, companheirismo
Outro dia conversando com uma paciente apareceu uma dicotomia inesperada. O seu parceiro era uma excelente companhia, mas não era companheiro. Após o termino da sessão fiquei refletindo. Ser companheiro/a, ser companhia. Ambas têm sua etimologia na palavra pão, panis: o que compartilha o pão. Então o que difere? o que faz a diferença? Vamos pensar. O que seria uma companhia? Alguém que compartilha socialmente, alguém que tem uma boa conversa, alguém que topa tudo para se divertir, alguém que convive fácil em todos os círculos de amizade. E o que seria ser companheiro/a? É estar ao lado, alternando e invertendo papeis, é poder sentir o outro com a mesma sinalização afetiva, é, enfim, poder desenvolver uma relação télica. Então, a companhia é reconhecida no universo social O companheirismo é reconhecido numa relação de proximidade afetiva.
segunda-feira, 3 de setembro de 2018
Falta de ideias
Quando pretendemos escrever e as ideias não vêm lembra e sugere uma situação que acontece, com frequência, na direção psicodramática e de teatro espontâneo: quando o condutor, no curso da direção, percebe-se com um vazio de ideias ou de linhas de ação. Esse é um momento que pode ser angustiante e paralisante, pode levar a direção a um desastre na ação psicodramática. Mas, o que paralisa o diretor? Será a falta de ideias, apenas? Ou será, e provavelmente é, a angústia de estar perdido, de sentir-se perdido, de ser cobrado pelo grupo, de se sentir obrigado a carregar o grupo nas costas, de se sentir o único responsável por tudo o que acontece? A onipotência termina por conduzir à impotência. O Diretor em Psicodrama é "um membro do grupo em papel diferenciado". Ele também é parte do grupo e não o dono do grupo. Ele, sim, o metrônomo, o que dá o ritmo ao grupo. Quando ele se sente perdido pela impotência ao não compartilhar com o grupo seu momento de vazio de ideias, sua perda da condução rítmica leva o grupo a uma desorganização e desaquecimento. Em falta de ideias o melhor é pedir ajuda aos "universitários", o nosso grupo.
sábado, 25 de agosto de 2018
Neti, Neti
Pensava outro dia numa expressão hinduísta para se referir à deus: Neti, Neti. Que significa "não é isso". Ou seja a definição é dada por uma negativa: o que quer que se pense não é isto. E pensei que poderíamos aplicar esse tipo de expressão para falarmos de Espontaneidade. Espontaneidade não é algo. Não é isso. Não é fazer qualquer coisa, não é fazer o que se dá na telha, não é ser impulsivo, não é desconsiderar os outros para exercer a própria vontade. Não é isso. Nem nada que se pense. Mas, então como compreender a espontaneidade? Como se ter um conceito para espontaneidade? Se não é nada disso que possamos pensar, que precisaria não existir para ocorrer a espontaneidade? Talvez sejam as inúmeras e infinitas restrições que nos impomos e nos impõem. Quanto menos delas mais estará disponível o estado espontâneo. Por isso buscar espontaneidade seja tão infrutífero. Para se ser mais espontâneo não é fazendo coisas, mas deixando de fazer, deixando de exercer esse julgamento crítico tão ferrenho, cruel e injusto. Aí o estado espontâneo pode por-se à mostra, deixando à criatividade a função de escolher a melhor resposta dentre todas, agora disponíveis.
sábado, 18 de agosto de 2018
Água, conselho, psicoterapia
"Água e conselho só se dá a quem pede". Provérbio antigo e sensato. Ao lado disso é uma forma poética de referir-se a demanda terapêutica. Toda ajuda precisa ser requerida. Explicitamente ou implicitamente. Pelo pedido expresso. E pela aceitação ativa. Costumo brincar dizendo que 70% do trabalho psi (psiquiátrico, psicológico, psicoterápico) é a própria pessoa ligar, marcar e ir ao consultório. Os 30% restantes acontecem quando entram na sala. Ou seja, a parte do psicoterapeuta, estes 30%, não têm poder nem autoridade para nada, sem os 70% do próprio paciente.
domingo, 12 de agosto de 2018
Dia do papel de Pai
Feliz
Dia do papel de pai. O papel de pai inclui o papel biológico de
doador de metade da contribuição genética da futura criança. Mas
não se esgota nisso. Nem inclui apenas o patrimônio XY. Nem
apenas a relação de consanguinidade. Ser pai é desempenhar a
função, simultaneamente, protetora e estimuladora. Criativo no
explorar novos mundos e conservador para preservar a continuidade.
Gerador de confiança e primeiro desafio a ser enfrentado. Parceiro e
mestre e aprendiz. Rigor e compreensão. Pode-se ser pai sem pai se
ser. Pode-se desempenhar o papel de pai sem ter tido ou sido pai na
expressão biológica. É possível, sim, ser pai de gente, de
animais, plantas e coisas. Feliz dia daqueles que, em qualquer
circunstância, são tudo isso. E tudo isso suportado pelo amor
incondicional.
segunda-feira, 6 de agosto de 2018
aprender, fazer, viver.
O nosso sempre presente Mestre Moysés Aguiar, referindo-se a Teatro Espontâneo (TE), dizia que fazer TE era só começar a fazer TE. O aprendizado em Psicodrama, Teatro Espontâneo, Sociodrama, passa necessariamente sempre pela ação, pelo fazer. Os conceitos socionômicos só são internalizados em seu exercício, a espontaneidade/criatividade do ato de dirigir precisa do exercício da direção. Mas aprender e fazer Psicodrama ou TE ainda são diferentes do viver com a visão de mundo socionômica. Ter essa visão de mundo implica na completa internalização da Teoria de Papéis; da Sociometria das escolhas; da ideia que que algum e qualquer ato precisa de aquecimento para ser feito; de que todo agrupamento só se torna grupo quando ele foi aquecido para isso; de que quando alguma coisa (seja ponto de vista, dores, relações) se torna fixa, imutável, rígida, cristalizada, estamos diante de algo que se afasta do polo da vida; de que o ser humano é sempre e sempre um ser em relação. Aprender, fazer, viver o Psicodrama/TE.
domingo, 29 de julho de 2018
Necessidade
Há dois dias uma irmã passou pela transição, faleceu. Vê-la ir-se apagando lentamente, estar ao seu lado até o fim foi doloroso. Mas, há coisas a serem feitas, há providências a tomar. Mas há também pessoas a cuidar, pessoas que precisam de suporte nessa hora tão sofrida. E é nessa hora, percebendo a dor que estou sentindo por uma perda e, ao mesmo tempo, percebendo que há outras pessoas em volta que precisam ser ajudadas; perceber que eu preciso de ajuda e perceber que há algo que precisa ser feito. Eu preciso de ajuda, mas ao lado de minha dor consigo distinguir os caminhos que preciso percorrer em relação a outros. Escrever sobre minha experiência me ajuda a localizá-la e a lidar com ela. Isso que experienciei em carne viva, é o que em Psicodrama, Socionomia, Teatro Espontâneo, se chama de diferenciação no papel. Estar diferenciado no papel de Diretor/Condutor das formas socionomicas de atuação é, sem deixar de sentir o que possa sentir, manter a atenção no grupo. É perceber quando suas ações estão sendo motivadas pela necessidade cênica, do palco psicodramático, da cena psicodramática ou estão sendo motivadas exclusivamente pelos quadros afetivos, cognitivos pessoais, em prejuízo da cena, do grupo, do protagonista. Então, a pergunta sempre que deve ser feita pelo Diretor/Condutor é: "O que está me motivando a fazer essa escolha?". Estar aquecido no papel de Diretor exige essa pergunta sempre, a todo e qualquer momento, o Condutor/Diretor pode se indiferenciar e sair, desaquecer-se de seu papel. Posso sentir tudo, mas de tudo o que sinto e percebo o que será e é útil para o protagonista, para o grupo?
sábado, 21 de julho de 2018
Sapato 36
Sapato 36
Raul Seixas
Raul Seixas
Eu
calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez
Pai
eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto
Por
que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai
Pai
já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Raul Seixas é um dos meus músicos preferidos. Pela milionésima vez andei ouvindo essa música. E esses versos da primeira estrofe sempre me chamaram a atenção:
"Eu calço é 37, meu pai me dá 36. Dói, mas no dia seguinte, aperto meu pé outra vez. EU APERTO MEU PÉ OUTRA VEZ."
Que essa música refere-se à crise de identidade e autonomia do adolescente é transparente. Entretanto, esse versos podem ser lidos em toda a vida do individuo. Claro que o sapato é 36. Claro que meu pé é 37. Mas o ato de calçá-lo é meu ato. É minha ação. Façamos uma adaptação da letra dessa música às condições de uma psicoterapia. As queixas são, em grande parte, da discrepância entre o tamanho do sapato oferecido pela vida e o tamanho real do pé que o calçará. Mas continuar a calçar um sapato de tamanho inadequado pelo resto da vida, limitando-se a queixar-se da diferença de tamanho é o que Moreno chamaria de Conserva. Manter uma atitude prejudicial, uma forma de agir destrutiva, um viver doloroso, deixando de, simplesmente ou não tão simplesmente, encarar a possibilidade de não calçar o sapato de tamanho tão discrepante, destrutivo e doloroso.
domingo, 15 de julho de 2018
Sartre, Moreno, vida
Em meio a um texto que estava lendo havia essa citação de Sartre, em o Ser e o Nada: "O passado é algo que nos pertence, mas não podemos viver". Frase curta e potente. Quantas coisa nos pertencem, mas não podemos viver? Coisas que temos, mas só se as vivermos é que serão nossas? O passado nos pertence, mas é no presente que vivo. "Viver é melhor que sonhar" diz Belchior. Mas o que é viver? Viver é durar, é passar pelo tempo, meramente existir? Para, talvez, ultrapassar essa dúvida existe outra palavra. Vivenciar. Viver com consciência, viver percebendo que e o que se vive. Aí voltamos ao mundo Socionomico, ao mundo do Psicodrama, o Teatro Espontâneo. "A segunda vez dramatizada liberta a primeira". A primeira vez pertence ao passado. É nossa, mas não a podemos viver. E viver é ser transformado, é submeter-se ao processo dinâmico, é deixar de estar congelado. Aos métodos socionomicos, ao Psicodrama, ao Teatro Espontâneo, cabe lidar com o passado que é nosso, e com o nosso futuro que também são nosso, mas não os vivemos. O palco psicodramático, a cena psicodramática é onde essa alquimia, essa mágica, essa vitalização da vida (valendo a redundância) acontece.
terça-feira, 10 de julho de 2018
Atlas x Super Homem
Sempre aprendo e reflito muito com os meus pacientes. Em meio a um trabalho com uma pessoa apareceu essa reflexão ou comentário: Há duas formas de onipotência. Onipotência ativa e onipotência passiva. O onipotente ativo exibe uma personagem autoritária, que tudo faz, tudo pode. O onipotente passivo exibe uma personagem que suporta tudo, aguenta tudo, é responsável por tudo. A primeira personagem poderia ser o Super Homem. A segunda personagem poderia ser o Titã Atlas, aquele da mitologia grega que suporta o mundo em seus ombros. Ao Super homem é mais fácil se perceber seu caráter onipotente, ativamente onipotente. Essa personagem talvez não seja frequente em psicoterapia. A segunda personagem, frequentadora assíduo de psicoterapias, chega sempre com o texto de tudo recair sobre si, do tremendo peso que a vida lhe carrega. Para essa personagem reconhecer-se no caráter onipotente torna-se mais difícil. O texto dito é de peso e sofrimento, mas o sub texto é de poder onipotente.
segunda-feira, 2 de julho de 2018
Homer Simpson
Há uma personagem de desenho animado, o Homer Simpson. E há na internet várias frases atribuídas a ele. Uma dessas é: "A pressuposição é mãe de todas as merdas". Isso não poderia ser mais explícito para definir a postura, a atitude fenomenológica. A Fenomenologia toma o fato como um fenômeno, como ele aparece, sem pressuposições e sem interpretações. E o Psicodrama, a Socionomia, O Sociodrama, o Teatro Espontâneo são da família fenomenológica. Ao psicodramista não cabe pressupor nem interpretar. A ele cabe ajudar a produzir a cena, a imagem e ao protagonista cabe ver com seus olhos. A cena produz e desdobra-se em outras cenas. O que se busca são todas as possibilidades que aquela cena ou imagem podem gerar. E sempre ao protagonista e ao grupo cabe experimentar e produzir sua própria visão de mundo. Obrigado, Homer!
quinta-feira, 28 de junho de 2018
Como hoje, 28 de junho, é aniversário de nascimento de Raul Seixas (*1941) republico essa curiosa e profunda semelhança entre o poema Palavras do Pai de Moreno e a música Gita.
PALAVRAS DO PAI
Eu sou o arqueado
Que se curva ao te levar.
Eu sou a mesa posta
Para te alimentar.
Eu sou a semente que cresce
Para te multiplicar.
Eu sou o seresteiro
Que canta para te alegrar.
Eu sou o passarinho
Que voa a te inspirar.
Eu sou a estrela
que brilha ao te coroar. (MORENO, 1992, p. 42).
GITA
Eu sou a luz das estrelas,
Eu sou a cor do luar,
Eu sou as coisas da vida,
Eu sou as coisas da vida,
Eu sou o medo de amar,
Eu sou o medo do fraco,
A força da imaginação,
O blefe do jogador,
Eu sou, eu fui, eu vou.
A força da imaginação,
O blefe do jogador,
Eu sou, eu fui, eu vou.
Eu sou o seu sacrifício,
A placa de contramão
O sangue no olhar do vampiro,
E as juras de maldição,
A placa de contramão
O sangue no olhar do vampiro,
E as juras de maldição,
Eu sou a vela que acende,
Eu sou a luz que se apaga,
Eu sou a beira do abismo,
Eu sou o tudo e o nada.
Eu sou a luz que se apaga,
Eu sou a beira do abismo,
Eu sou o tudo e o nada.
Gita (Raul Seixas, Paulo Coelho)
segunda-feira, 25 de junho de 2018
Gita e Psicodrama
"Às vezes você me pergunta, perguntas não vão lhe mostrar..." Esse é um trecho de Gita, música de Raul Seixas e Paulo Coelho. E isso me remete ao aprendizado vivencial da Socionomia. Na letra da música faz-se referência a um algo qualquer que não é transmitido pelas palavras; a um tipo de conhecimento que não vem nem das perguntas nem das respostas. Faz-se referência à experiencia, ao experimentar, ao vivenciar. Era a isso que Moreno se referia quando escreveu: "As ideias devem ser representadas com a ajuda do corpo para que se consiga todas as dimensões do próprio Eu no ato, qualquer que seja o meio, primeiro em forma não trabalhada e espontânea em que elas apareçam". O palco, a cena, o drama tudo isso são instrumentos para colocar o corpo no ato. Possibilitando que as perguntas e respostas surjam da ação e na ação dramatizada.
sábado, 16 de junho de 2018
Ego Auxiliar
Quando não podemos fazer algo apenas por nós mesmos pedimos ajuda à instrumentos, objetos ou a outras pessoas. Aos míopes, o óculos é um instrumento que corrige algo que sozinho eles não conseguiriam. Às crianças, os pais cumprem essa função de proteção, subsistência, que, sozinhas, elas não conseguiriam. A essa função de suprir o que falta no palco psicodramático Moreno chama de Ego Auxiliar (Auxiliary Ego). O Ego Auxiliar entra em cena para auxiliar ao Protagonista e também ao Condutor/Diretor. Ao tempo em que complementa os papéis desempenhados pelo Protagonista também serve de instrumento do Diretor/Condutor para interferir na cena. É uma função complexa: precisa ter sensibilidade em sua percepção e confiança em sua espontaneidade. Até certo ponto ele irá desempenhar os papéis seguindo as indicações do protagonista, mas suas intervenções espontâneas são vitais para a descristalização da mera repetição da cena dramática. Essa função pode ser desempenhada por uma pessoa específica treinada para isso ou, mais comumente, um membro do grupo escolhido pelo protagonista para desempenhar um papel. E essa escolha já envolve alguma outra coisa que é o Co-Inconsciente (depois falaremos disto). O Ego auxiliar escolhido a partir do grupo agrega uma vantagem terapêutica. Tanto o protagonista se beneficia quanto o escolhido para ego auxiliar. Muitas vezes ele atuará num papel que, para ele mesmo, será terapêutico por se tratar de papel ou relação conflituosa em sua própria vida.
domingo, 10 de junho de 2018
Tele e Chico Buarque
Ela é dançarina (Chico Buarque)
O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina
Ou: quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina
Nas questões de casal
Não se fala mal da rotina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando caio morto
Ela empina
Ou: quando eu tchum no colchão
É quando ela tchan no cenário
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
O seu planetário
Minha lamparina
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim.
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina.
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço a Deus do céu uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando esquento a sopa
Ela cantina
Ou quando eu Lexotan
É quando ela Reativina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Viro o calendário
Voa purpurina
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim
Essa música de Chico que estava agora escutando me leva a pensar num conceito Socionômico/Psicodramático. O conceito de Tele. Acho que intelectualmente não é um conceito difícil de apreender. Todos conhecem o conceito fenomenológico de Empatia que em alemão é Einfühlung. Em patia sendo a capacidade de um observador penetrar no mundo interior do outro para assim ver e sentir o mundo a partir da posição do outro. Como a Teoria Moreniana é relacional, a Moreno interessava que essa possibilidade fosse bilateral. Que numa relação humana o s membros dessa relação pudessem mutuamente se perceber com o olhar do outro. Como se tratava de algo bilateral, ao contrário da Empatia que é dirigida do observador ao observado, Moreno criou esse neologismo: TELE. Uma empatia em mão dupla. Por trocadilho ele, em alemão chamou de Zweifühlung já que Ein é o numeral 1 e Zwei é o numeral 2. Einfühlung é Empatia, mão única. Zweifülung é TELE, mão dupla, recíproca.
E Chico Buarque? Ele traduziu poeticamente uma relação em que os dois envolvidos nela nunca estão compartilhando o mesmo palco. Existencialmente TELE é ter o mesmo projeto cênico no palco da vida. É poder, como os atores, pressentir a deixa do outro, é poder complementar o outro com sinais iguais. É atuar em papéis diferentes, mas na mesma peça e no mesmo palco. A bailarina e o funcionário não conseguem.
"No ano dois mil e um, se juntar algum, eu peço uma licença, e a dançarina, enfim, já me jurou que faz o show pra mim."
O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina
Ou: quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina
Nas questões de casal
Não se fala mal da rotina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando caio morto
Ela empina
Ou: quando eu tchum no colchão
É quando ela tchan no cenário
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
O seu planetário
Minha lamparina
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim.
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina.
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço a Deus do céu uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando esquento a sopa
Ela cantina
Ou quando eu Lexotan
É quando ela Reativina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Viro o calendário
Voa purpurina
No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim
Essa música de Chico que estava agora escutando me leva a pensar num conceito Socionômico/Psicodramático. O conceito de Tele. Acho que intelectualmente não é um conceito difícil de apreender. Todos conhecem o conceito fenomenológico de Empatia que em alemão é Einfühlung. Em patia sendo a capacidade de um observador penetrar no mundo interior do outro para assim ver e sentir o mundo a partir da posição do outro. Como a Teoria Moreniana é relacional, a Moreno interessava que essa possibilidade fosse bilateral. Que numa relação humana o s membros dessa relação pudessem mutuamente se perceber com o olhar do outro. Como se tratava de algo bilateral, ao contrário da Empatia que é dirigida do observador ao observado, Moreno criou esse neologismo: TELE. Uma empatia em mão dupla. Por trocadilho ele, em alemão chamou de Zweifühlung já que Ein é o numeral 1 e Zwei é o numeral 2. Einfühlung é Empatia, mão única. Zweifülung é TELE, mão dupla, recíproca.
E Chico Buarque? Ele traduziu poeticamente uma relação em que os dois envolvidos nela nunca estão compartilhando o mesmo palco. Existencialmente TELE é ter o mesmo projeto cênico no palco da vida. É poder, como os atores, pressentir a deixa do outro, é poder complementar o outro com sinais iguais. É atuar em papéis diferentes, mas na mesma peça e no mesmo palco. A bailarina e o funcionário não conseguem.
"No ano dois mil e um, se juntar algum, eu peço uma licença, e a dançarina, enfim, já me jurou que faz o show pra mim."
Talvez então.
quarta-feira, 6 de junho de 2018
Psicodrama, Fernando Pessoa
Em
um apontamento de Fernando Pessoa, por ele atribuído a Ricardo
Reis, ele diz que Poesia não é um derramamento de emoção mas sim
a emoção submetida à disciplina do ritmo e da métrica. Em outro
poema - Isto – ele diz: “Dizem que finjo e minto tudo o que
escrevo. Não. Eu
simplesmente sinto com a imaginação.
Não uso o coração”. Não vejo melhor definição de Teatro
Espontâneo. O protagonista sente com a imaginação e tem sua
emoção sob a disciplina do ritmo e da estética. Este é o
antídoto do espontaneísmo e da impulsividade histriônica. .Em
“Autopsicografia” diz Pessoa: O poeta é um fingidor. Finge tão
completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve, na dor lida sentem bem. “Não
as duas que ele teve, mas só a que eles não têm.”
O protagonista finge a dor que tem e estas são as suas duas dores:
a sentida e a dramatizada. Os participantes, quando não aquecidos,
não envolvidos,
sentem apenas a que eles não tem. Em
Medicina, quando se fala de alergia, há o conceito de Atopia:
pessoas que, diante de estímulos comuns, de intensidade pequena,
reagem de forma brusca e excessiva. O olhar poético é o olhar
“atópico”. O poeta reage de forma marcante e profunda diante de
estímulos banais ou simples ou comuns. Diante do grave, do pesado,
todos reagem, mas diante do já visto e não enxergado, só o poeta.
Mário Quintana diz: “O poeta não lê poesia. O poeta lê os
classificados”.
sábado, 2 de junho de 2018
Alice e a Teoria Socionômica
"Eu….
eu…. Nem eu mesmo sei, nesse momento... eu... enfim, sei quem eu
era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me
transformei várias vezes desde então." Esse é outro trecho de Alice no País das Maravilhas. E esse trecho me lembra umas das essências do Psicodrama, do Sociodrama, do Teatro Espontâneo, da Socionomia, enfim. O senso comum atribui à fixidez, à imobilidade, à constância, um valor mais do que significativo. Como se ser sempre a mesma pessoa fosse o objetivo a ser desejado. E atribui à metamorfose, à mudança, a alteração, ao deixar de ser, um valor negativo, algo a ser execrado. E à Teoria Socionômica tem valor fundante as ideias de poder ver e fazer de outra forma, flexibilidade, possibilidade de fazer o contrário. Do acordar ao dormir, da realidade da vigília à realidade do sonho, nos transformamos várias vezes. Alice tem razão.
segunda-feira, 28 de maio de 2018
Alice
Pode dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui? Pergunta Alice.
Isso depende muito para onde você quer ir, responde o gato de Cheshire.
Preocupa-me pouco aonde ir, disse Alice.
Nesse caso, pouco importa o caminho que siga, diz o gato de Cheshire.
Isso depende muito para onde você quer ir, responde o gato de Cheshire.
Preocupa-me pouco aonde ir, disse Alice.
Nesse caso, pouco importa o caminho que siga, diz o gato de Cheshire.
sexta-feira, 25 de maio de 2018
Não estava lá?
Em nossa atividade habitual e quinzenal de Psicodrama:
Parodiando Raul Seixas: o diretor não foi porque sabia que grupo também não estava lá. No entanto, o condutor estava lá, sozinho, pensando com meus botões. Saindo depois de algum tempo, encontro dois participantes chegando bastante atrasados. Aí, em um banco à entrada do prédio, permanecemos por mais de uma hora. Reminiscencias, projetos, novos pontos de vista, aprendizados mútuos. Não houve a atividade porque "o grupo também não estava lá". Mas o grupo estava e esteve lá.
Parodiando Raul Seixas: o diretor não foi porque sabia que grupo também não estava lá. No entanto, o condutor estava lá, sozinho, pensando com meus botões. Saindo depois de algum tempo, encontro dois participantes chegando bastante atrasados. Aí, em um banco à entrada do prédio, permanecemos por mais de uma hora. Reminiscencias, projetos, novos pontos de vista, aprendizados mútuos. Não houve a atividade porque "o grupo também não estava lá". Mas o grupo estava e esteve lá.
segunda-feira, 21 de maio de 2018
Fernando Pessoa again
Há uma quadra de Fernando Pessoa que diz assim:
"Saudades, só portugueses
conseguem senti-las bem.
Porque têm essa palavra
Para dizer as que têm"
E aí pensei. Se não temos a palavra que se refira e descreva um sentimento ou um algo qualquer seu reconhecimento se torna impossível ou incomunicável. Não é que que não exista saudade em outros povos de outras línguas, mas precisarão de muita mais palavras para se aproximar desse sentimento.E talvez sem a mesma exatidão. E muitas e muitas vezes, não conseguimos traduzir em palavras exatas a nossa paisagem interior. E muitas vezes não temos as palavras necessárias para traduzir a outro ou a mim mesmo a minha paisagem interior. E então? então, fazemos como estamos em outro país falando uma linguá na qual não somos fluentes: usamos a expressão corporal, o tom de voz, a mímica facial e corporal. E com isto complementamos o que não temos em palavras. E isso é o instrumento do Psicodrama/Teatro Espontâneo: produzir imagens e cenas que se revelem por si, sem outras interpretações, enxergando e escutando em trés dimensões.
terça-feira, 15 de maio de 2018
Mais provérbios
"Procurou? Agora aguente!" Quem já não escutou isso? E o que é isso? É uma expressão popular para a visão linear de vida. Uma vez tomada uma decisão é esperado e exigido que ela seja irreversível, independentemente de seus resultados. a nossa cultura transforma todas as ações em escolhas absolutas. Nada mais criticável do que voltar atrás. "Palavra de rei não volta atrás". Tudo, tudo leva a seguir-se irremediavelmente à frente. Ainda que desistir, recuar, fazer de outro jeito, seja mais racional. E ao Psicodrama é caro, é parte de seus fundamentos, rever o olhar, experimentar alternativas. Esse congelamento, essa cristalização da visão de sua própria vida torna-se objeto do exercício psicodramático.
sábado, 12 de maio de 2018
Suma Teológica
Há um livro que, pela precisão e inteligência que é escrito, vale a pena ser lido. É a Suma Teológica de S.Tomás de Aquino. Nele há um momento em que ele fala dos bens materiais. E diz: "Sua insuficiência é mais conhecida quando são possuídos". Que forma esteticamente bela de se colocar a tremenda limitação de olhar-se e viver a vida focada na aquisição e posse de bens materiais. Esse potente circulo vicioso, de que quanto mais se obtém bens de natureza material, mais vazio se torna a vida, levando à busca de mais bens materiais, torna-se gerador de uma angústia existencial implacável. Tomás de Aquino.
segunda-feira, 7 de maio de 2018
Mário Quintana me persegue...
Mário Quintana me persegue e provoca. "A mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer". A isso Moreno chamaria e chamou de Realidade Suplementar. É a essência do Psicodrama. É a aceitação e uso da imaginação como potente agente de manuseio da realidade real. A mentira, a imaginação são verdades por nascer.
domingo, 6 de maio de 2018
Outra vez Mário Quintana
Leio muito Mário Quintana. Ele disse uma vez que "poeta não lê poesia. Poeta lê jornal." Pensando como Psicodramista lembro que Moreno dizia que fazer Psicodrama/Teatro Espontâneo para apenas o uso clínico era como usar um avião para ir à esquina comprar pão. Poeta lê jornal. Jornal é vida cotidiana. Jornal é o ser humano em ação. Por isso o Poeta lê o jornal. Ao poeta interessa a vida. Ela é sua matéria-prima. E ele a transmuta em poesia. Ao Psicodramista deve interessar a vida, em todas as suas nuances. E Moreno em seus primórdios começa pelo Jornal Vivo, como origem de tudo: O Teatro Espontâneo, o Psicodrama, o Sociodrama. O Psicodramista deve ler jornal.
quinta-feira, 3 de maio de 2018
Ítalo Calvino e a Direção Psicodramática
Andei relendo Ítalo Calvino em seu “Seis propostas para um novo milênio”. Neste seu livro, último livro e seu legado, ele trabalha com seis valores que considera essenciais para a literatura do novo milênio (o livro é de 85). São eles: LEVEZA, RAPIDEZ, EXATIDÃO, VISIBILIDADE, MULTIPLICIDADE E CONSISTÊNCIA. Penso se não serão estes os atributos de um Diretor de Psicodrama. Partindo do fim para o princípio, na ordem inversa de citação, temos o lastro teórico (CONSISTÊNCIA), a abertura para novas possibilidades (MULTIPLICIDADE), a capacidade de tornar visível o sub texto (VISIBILIDADE), a precisão técnica no momento adequado (EXATIDÃO), a capacidade de resposta breve (RAPIDEZ) e, essencialmente, a mão leve ao dirigir, a sutileza, a delicadeza de ação (LEVEZA). Ler Calvino é sempre muito bom.
sábado, 28 de abril de 2018
Apenas uma reflexão
Há uma forma de misticismo muçulmano, o Sufismo. E os Sufis transmitem seu conhecimento usando histórias engraçadas ou nonsense, muitas delas, embora do século XII ou XIII contamos hoje como piadas. A ideia sufi, como o Zen budismo, é quebrar o senso comum, o pensamento conservado. Um dos principais representantes dessas histórias é o Mulá (algo como mestre) Nasrudin. Numa dessas histórias, uma vez, um sábio, conhecido e reconhecido como tal e cheio de empáfia, vai à casa de Nasrudin para um encontro previamente marcado. Ao lá chegar o Mulá não estava. Irritado com a desconsideração à sua posição social faz um bilhete e prega na porta. Dizia o bilhete: "Estive aqui e você não estava. Palerma, idiota!". Ao chegar, Nasrudin lê o bilhete e responde ao sábio: "Vi que você esteve aqui em minha casa. Sei disso disso porque você deixou seu bilhete assinado". Pensei eu ao reler esta história: "Toda ofensa é uma assinatura de quem ofende."
terça-feira, 24 de abril de 2018
Antiguidade é posto?
Alguém me disse ontem: "burro velho não aprende truque novo". E por que não? Por que a experiencia popular diz que quanto mais tempo uma pessoa está em um papel mais difícil se torna para aprender algo novo ou corrigir algo antigo? Nossos papéis, todos eles, ao longo do tempo têm sua evolução em cursos cíclicos. Quando iniciamos em um novo papel precisamos aprender tudo do papel, como desempenhá-lo. esse primeiro momento em que as coisas são todas novas chamamos em Socionomia (psicodrama, sociodrama, teatro espontâneo) de Role-Taking (tomada do papel). em algum momento percebe-se que já aprendemos o mecanismo do papel, como ele se relaciona com seu papel complementar, e sentimos que sabemos desempenhá-lo bem. A esse instante denominamos de Role-Playing (atuação de papel). Até agora, tomar o papel e atuar o papel segue o script aprendido. em um momento se aprende e em outro se atua. É possível que em algum outro momento a pessoa ouse criar algo novo, não aprendido, fora dos manuais, mas apropriado ao desafio. Aí haveria o se chama o Role-Creating (criação no papel). Não é sempre nem contínuo, mas é possível. Porém, cuidado, isso não é uma linha reta, não é uma sequencia contínua e sempre em frente. Todos os papéis, em todos os papéis, continuamente podemos estar aprendendo algo novo, tornando-nos hábeis no seu desempenho e eventualmente criando algo novo. Só faz sentido ao psicodrama se pensarmos como um movimento cíclico e não linear. Por isso que a sabedoria popular alega que o burro velho não aprende truque novo. Porque na prática cotidiana as pessoas se congelam , se cristalizam no seu papel e não permitem a contínua fertilização de aprender, dominar o papel e permitir-se criar nele. A antiguidade no desempenho de um papel poderia não ser cristalização do saber. É isso que o Psicodrama chama de estimular e desenvolver a Espontaneidade, recuperar a ciclicidade, a abertura para o novo, Sim, o burro velho poderia aprender um truque novo.
sexta-feira, 20 de abril de 2018
I'm back
Em uma conversa com um paciente, disse-me ele após algum tempo sem nos vermos: "I'm back, como o exterminador do futuro". Em resposta à brincadeira respondi que o psicoterapeuta, o psicodramista, é o exterminador do passado. Rimos e ficou por aí. Mas não para mim. Será que a minha piada tem algum sentido? Será que isso passa pela cabeça de alguém, paciente ou psicoterapeuta? Que fazer psicoterapia seria exterminar, eliminar, fazer não ter acontecido o passado? Acho e sei que não. Nossa história não se muda, ela é parte constitutiva de nós. Nosso passado e suas escolhas constroem o nosso presente e o nosso futuro. Então, não há como eliminá-lo, exterminá-lo, ou esperar isso. Mas podemos propor uma revisitação do passado, podemos propor um novo olhar sobre nossa história, podemos nessa revisita, nesse novo olhar estabelecer outras relações com a nossa história. O futuro ainda não vivido e o passado já acontecido, no Psicodrama/Teatro Espontâneo, podem ser vistos no palco psicodramático.
segunda-feira, 16 de abril de 2018
A imaginação e a ansiedade
Ouvindo uma propaganda em rádio resolvi escutá-la. Ela assim terminava: "A vida é imprevisível. E, acredite, isso é muito bom". Propaganda de seguro de vida. Mas, independentemente do uso comercial da ideia, o conteúdo é interessante. Nosso atos são incertos. Nada nos dá certeza da exatidão da escolha, nada nos dá segurança da escolha correta, nada nos protege do acaso e do acidente. E, ao contrário da propaganda, nós não sentimos isso como muito bom. Se conhecêssemos o futuro não haveria ansiedade. Haveria qualquer outra coisa, mas não ansiedade. A impossibilidade de conhecer antecipadamente o resultado de nossas ações, faz com que temamos o futuro. No palco psicodramático pode-se manipular o tempo. Pode-se adiantar o relógio vital e ver-se o futuro. Pode-se viver o seu temor do futuro em um espaço psicodramático. Pode-se vivenciar os resultados possíveis de suas ações ou escolhas. A imaginação que produz os efeitos ruins da ansiedade antecipatória, também no Psicodrama é a alavanca para trabalhar essas mesmas antecipações negativas.
quinta-feira, 12 de abril de 2018
vínculo e limite
Vínculo é o elo que liga dois papéis em Psicodrama. E papel é o que assumimos ao entrar em relação à outra pessoa. Ao estabelecermos um vínculo ao mesmo tempo ganhamos algo e perdemos algo. Ganhamos o que a relação proporciona e perdemos graus de liberdade de diferentes intensidades. Imagine a cena de duas pessoas isoladas em um palco. Sua movimentação é totalmente livre, depende exclusivamente da vontade individual. As movimentações são independentes. Imagine, agora, essas duas pessoas dano-se a mão. Se pedirmos a mesma movimentação perceberemos, imediatamente, que aparecem limites, precisa haver acordo para sair o movimento, os ritmos precisam se harmonizar. Ganha-se na beleza da coreografia, mas perde-se a liberdade completa de ação. Um vínculo qualquer é assim. O Psicodrama por ser uma psicoterapia vincular ressalta sempre esses limites e ganhos que os vínculos nos propõem.
sábado, 7 de abril de 2018
Clarice, Psicodrama
"A condição não é curável. Mas o medo da condição é." Uma paciente minha me disse essa frase de Clarice Lispector um dia. E ela ficou. Aliás, como as coisas de Clarice ficam! E pensei. E repensei. E veio uma reflexão sobre aceitação ativa e passiva. Reconhecer o tamanho do problema em que nos encontramos requer um desses dois tipos de atitude. Uma, a passiva, é equivalente a "que posso fazer?", "deus sabe o que faz!" , "sou assim mesmo". Aceita-se passivamente a condição dada e submete-se a ela. No falar comum "resignar-se" é isso: Pura aceitação passiva de uma condição. Mas há uma outra possibilidade de aceitação. A aceitação ativa. Aceita-se a realidade da condição, mas abre-se a possibilidade de encontrar novas formas de lidar com essa mesma realidade. Aí usaria a mesma palavra "resignação" e lhe atribuiria um outro sentido. Re-signação. Dar um novo significado a uma mesma coisa. Não a resignação passiva e submissa. Mas a Re-signação ativa e criativa. É a isto que Moreno atribui sua famosa frase: "a verdadeira segunda vez liberta a primeira". A dramatização em palco feita pelo protagonista de uma situação cristalizada e congelada (resignada) pode ser substituída por uma nova relação estabelecida pelos processos psicodramáticos. re-significando sua relação com sua condição. Como diz Clarice.
quarta-feira, 4 de abril de 2018
Sta. Catarina, Tao-Te-King, Nietzche
Conversando hoje com uma amiga muito querida psicodramista de Sta. Catarina ela me perguntou se fico cansado de atender pessoas. Na hora parei para pensar. As vezes ao terminar um dia ouvir voz humana me é cansativo. Nessas horas só o meu silêncio e a música. Mas será que me canso de lidar com as pessoas? Não, não me canso. Cada pessoa, cada grupo é um novo horizonte, um novo buscar contato. Cada novo momento de uma mesma pessoa é um estímulo. Nesse sentido, lidar com pessoas é divertido. Di-versão pode ter dois significados. Um é "algo que serve para divertir" na definição redundante do Dicionário Houaiss. Outra é "mudança de direção". E nesse sentido caminhamos ao Psicodrama. Quando nos divertimos o fazemos mudando a direção do nosso foco de atenção. Se trabalhamos, a mudança de foco é dançar, beber, conversar. Por que? Por que necessitamos, precisamos, para reacender nosso interesse no viver, de mudar essa direção? Sempre estar em busca de mudanças de direção do foco de nosso interesse? A isto o Psicodrama chama de perda da Espontaneidade. A Espontaneidade própria do indivíduo, inata, própria da infância vai decaindo à medida que cresce e vai se congelando, petrificando, conservando sua experiência de viver. A criança é capaz de manter-se fazendo uma brincadeira por minutos, horas, sempre encontrando um interesse novo no mesmo objeto. A criança não precisa de Diversão. Poeticamente, ela é uni-verso diante da curiosidade do descobrir. Ela tem interesse em tudo. Simples assim. Ela ainda não tornou suas experiências em conservas culturais, monotamente repetidas. Adulto precisa, necessita, reclama, quer di-versão de sua vida cotidiana. A criança espontaneidade plena, vive com interesse e alegria sua vida.
"faça como a criança que é capaz de chorar horas a fio sem ficar rouca."
Tao-Te-King
"A criança é um Sim sagrado."
Nietzche
segunda-feira, 2 de abril de 2018
consumo, espetáculo, papéis.
Há alguns dias escrevi sobre um comentário de Umberto Eco sobre o duplo sentido da palavra reconhecimento. Uma forma em que reconhecimento é uma homenagem que se presta a quem realizou um ato, tomou uma atitude, descobriu algo, inventou algo, escreveu, pintou ou esculpiu algo, que tenha sido importante para a nossa sociedade humana. Outra forma de se utilizar o termo é literal, reconhecer é lembra-se haver visto aquela cara, aquele rosto, aquele corpo. E essa ultima forma é a expressão de nossa sociedade de espetáculo atual. Hoje pela manhã vinha dirigindo e ouvi uma banal propaganda. Ela terminava com essa assinatura: Quem não é reconhecido não será consumido. Cheguei a parar o carro para anotar a frase. Límpida, transparente e sincera. É a sociedade de espetáculo embalada para consumo. Para Moreno, para a Socionomia, para o Psicodrama, os papéis desempenhados na vida têm uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva. A primeira reflete o script oficial e a segunda introduz a variável pessoal nesse desempenho de papéis. O que escrevi acima mostra a condição rasa, superficial, pouquíssimo profunda com que os papéis sociais são atuados nesse momento de nossa vida.
terça-feira, 27 de março de 2018
Provérbios
"Gato escaldado tem medo de água fria". Dito de outra maneira: um gato que foi queimado com água fervendo foge da mera visão de qualquer água, antes mesmo de saber se seria água quente ou fria. Se os provérbios refletem um conhecimento acumulado de experiências, esse provérbio é o cerne dos transtornos psíquicos. Do ponto de vista psicológico a água fervendo pode ter sido concretamente H2O a cem graus como pode ter sido uma água imaginada, fantasiada, vista ou ouvida. O resultado é o mesmo; foge-se de qualquer coisa que se assemelhe a água. A vida do nosso gato passa a ser regida pelo medo, pela fuga, pela evitação, pela angústia. O Psicodrama, no dizer de Moreno, insistia que uma verdadeira segunda vez pode libertar a primeira. Uma verdadeira segunda vez acontece no palco psicodramático, é recriado nele, é dramatizado nele. O protagonista psicodramático tem a possibilidade, no palco, na cena psicodramática, de experimentar as temperaturas vivenciais de suas águas existenciais. O método psicodramático por meio de suas técnicas, possibilita essa segunda experiência. E ao nosso gato é possível e provável que redimensione suas relações com sua vida e seus vínculos.
quinta-feira, 22 de março de 2018
Saúde do Psicoterapeuta
Pesquisando
em dicionários (Houaiss, Aurélio), encontramos para Saúde, além
da definição clássica da OMS, outras acepções: Robustez, vigor,
energia; Estado corporal e psíquico que permite desenvolver as
tarefas diárias; Boa disposição, bem-estar; Capacidade
para suportar, aguentar, ter paciência para.
É a esta última acepção que vamos dedicar a nossa atenção.
Todo
papel, seguindo Moreno, tem uma face convexa, voltada para fora,
objetiva, pública e uma face côncava, voltada para dentro,
subjetiva, privada. Examinemos as duas faces. Na dimensão objetiva,
o papel de terapeuta tem uma expectativa social de que ele seja
“compreensivo”, “aguente tudo”: afinal ele é “terapeuta!”.
Nos outros papéis em que também há grande interação humana,
ainda assim, a expectativa encontra-se voltada para o desempenho de
uma tarefa específica. O médico, a enfermeira, o professor tem
interação humana constante mas medicam, cuidam, ensinam. É isto
que é a sua tarefa e nisto está o olhar expectante. Em nosso caso,
é a própria relação entre nós e o paciente/grupo que é o
objetivo. A relação em si é que é a nossa tarefa e nela está o
olhar expectante. E, na dimensão subjetiva, o que nós aguentamos,
suportamos? Em um dia de trabalho de um psicoterapeuta, todas as suas
horas são preenchidas com algum grau de desarmonia, incômodo ou
sofrimento. O nosso papel complementar, ao nos procurar, chega com
alguma nuance de indiferenciação. Obviamente, esta indiferenciação
vai nos exigir uma diferenciação clara e límpida em nosso próprio
papel. Isto é como passar o tempo com andas (perna de pau). Ou andar
em um piso molhado e escorregadio. Exige atenção continuada,
focalização permanente, cuidado constante. Todo o tempo “ligado”
na relação com o paciente/grupo. Um dia, vários dias, meses, anos.
Porém, o ser/terapeuta desempenha também outros papéis. E, ao
complementar estes outros papéis, por um movimento pendular
existencial, pode indiferenciar-se. Nos seus outros vínculos tenderá
a ser impaciente, chato, possessivo, exigente, incompreensivo ou
qualquer outra coisa. Contanto que esteja de folga do exercício
contínuo e desgastante da diferenciação. Nessas outras relações
poderá lhe faltará disposição ou o bem-estar ou o vigor ou a
capacidade de suportar e de ter paciência. No caso deste ferreiro, o
espeto necessita ser de pau. A emenda, entretanto, tende a ser pior
que o soneto. As relações amorosas podem ser, e são, profundamente
afetadas por este efeito rebote, tornando difícil se estar na outra
ponta do vínculo afetivo com um psicoterapeuta.
Para
complicar um pouco mais, esse bumerangue volta-se também para a
própria relação com o paciente/grupo. É a isto que se denomina de
“burn-out”:
o desgaste físico, psíquico e comportamental do profissional. “Os
sintomas somáticos compreendem: exaustão, fadiga, cefaleias,
distúrbios gastrointestinais, insônia e dispneia. Humor depressivo,
irritabilidade, ansiedade, rigidez, negativismo, ceticismo e
desinteresse são os sintomas psicológicos. A sintomatologia
principal se expressa no comportamento; fazer consultas rápidas,
colocar rótulos depreciativos, evitar os pacientes e o contato
visual, são alguns exemplos ilustrativos. Um profissional que está
“burning-out”, tende a criticar tudo e todos que o cercam, tem
pouca energia para as diferentes solicitações de
seu trabalho, desenvolve frieza e indiferença para com as
necessidades e o sofrimento dos outros, tem sentimentos de decepção
e frustração e comprometimento da auto-estima. O
problema está exposto. Tal qual uma fratura é dita exposta. Mas
será este o Triste Fim de Policarpo Quaresma? Nós não precisamos
encarnar (e acreditar) no papel de quem tudo suporta ou que de tudo
compreendemos. Somos ajudantes (terapeutas) do processo e não o ator
principal. Somos aquilo que, em Teatro e Circo, se chama de “escada”.
Nos Trapalhões, Didi é o principal e Dedé o “escada”.
A ele cabe a tarefa de preparar a cena que terá o seu desfecho nas
mãos do protagonista. Ao “escada”
cabe o ritmo, a atenção para os detalhes e adequação da pergunta
(o “escada” não conclui: ele faz perguntas muitas vezes
óbvias!). Claro que trabalhar todo o tempo com pessoas tendo essa
intensidade, proximidade e relevância, será sempre delicado, mas a
criatividade de ocupar o papel de “escada”, coadjuvante em cena,
evitará a cristalização do personagem Super-Terapeuta: só aparece
a impotência onde antes existia a onipotência.
Falhei em tudo
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá só encontrei ervas e árvores
E quando havia gente era igual à outra.
Tabacaria – Álvaro de Campos/Fernando Pessoa
segunda-feira, 19 de março de 2018
Eco, Millôr
Novamente lendo Umberto Eco. Em uma de suas crônicas ele se refere ao uso da palavra Reconhecimento. E distingue duas conotações. Uma em que Reconhecimento é o preito de homenagem feito pelas pessoas diante de atos ou atitudes ou obras realizadas por alguém. O que se reconhece é algo de valor. Outra conotação da palavra reconhecimento liga-se ao ato de ser visto. Reconhecer, nesse caso, é saber que já viu aquele rosto em algum lugar. É a nossa sociedade do espetáculo em que tudo é feito pensando nessa segunda conotação do reconhecer. Faz-se algo para ser visto se fazendo algo. E, portanto, ser reconhecido nas ruas e nas mídias. Moreno dizia que todos os papéis tem uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva. A uniformização, a padronização, dos desempenhos dos papéis sociais em sua dimensão objetiva traz consigo o apequenamento, o pouquíssimo aprofundamento da dimensão subjetiva do desempenho desses papéis. E aí lembro-me de um Hai-Kai do Mestre Millôr Fernandes:
"Ah, como são iguais
esses caras diferentes!"
"Ah, como são iguais
esses caras diferentes!"
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